Carreira

Estou no grupo de risco do coronavírus e não fui liberado do trabalho. E agora?

Previsão de advogados trabalhistas ouvidos pelo LIVRE é que pandemia gere novas situações na relação de emprego sobre as quais ainda não se tem consenso

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Estou no grupo de risco do coronavírus e não fui liberado do trabalho. E agora?
(Foto: Marcello Casal Jr / Agência Brasil)

A crise causada pelo coronavírus já chegou aos escritórios de advocacia de Cuiabá. Advogados trabalhistas já têm que lidar com casos em que é preciso definir como ficará a relação de emprego em tempos de redução de horário de trabalho e de previsão que alguns estabelecimentos faturem menos devido ao período de isolamento das pessoas. 

O problema já aparece em casos de pessoas classificadas no grupo de risco, que têm sido orientadas a ficar em casa. E se você se enquadrar nesta situação, mas não for liberado pelo patrão? 

Presidente da Comissão de Direito do Trabalho da Ordem dos Advogados do Brasil em Mato Grosso (OAB-MT), Roberta Vieira Borges Félix diz que o funcionário tem que comprovar as características de prioridade. Mas em favor do patrão, também deve ser avaliado o ambiente de trabalho dessa pessoa. 

“O funcionário terá que buscar algum médico para laurear o quadro de saúde dele. Não adianta somente dizer que está no grupo, é necessário comprovar”, ela explica. 

“Mas também poderá ser analisado o ambiente de trabalho dessa pessoa para saber como ele é, se oferece segurança, se é salubre”, complementa. 

O caminho encontra empecilho já neste ponto, pois não há consenso sobre quem e nem como essa análise poderá ser realizada. “Sem contar a burocracia dessa situação, trâmite moroso da Justiça”, reconhece a advogada. 

As férias 

A concessão de férias pareceria um caminho para resolver o conflito. Contudo, a legislação trabalhista brasileira não permite que o gozo das férias seja concedido sem um aviso prévio de 30 dias. 

“A não ser que a empresa esteja disposta a arcar com algumas multas. Mas aqui aparecem outros problemas: e o funcionário que acabou de voltar das férias ou está há pouco meses contratado?”, questiona o advogado Marcos Avalone. 

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Membro de um escritório de advocacia em Cuiabá, ele diz que esse tipo de problema já é real e precisa ser enfrentado. O caminho que vem sendo tomado pelos estabelecimentos – modificar a rotina por motivo de “força maior” – aponta para conflitos que a legislação brasileira não especifica. 

Terá que ser decidido como o funcionário e o empregador vão fechar acordo sobre a modificação para que o resultado seja equilibrado. 

“O empregador pode até demitir o funcionário. Ele não é obrigado a ficar com ele em momento algum. Mas, se a demissão ocorrer porque o funcionário está no grupo de risco, isso é ação discriminatória. O funcionário é mandado embora praticamente com a garantia de que irá ganhar a causa na Justiça, se conseguir comprovar o crime”, comenta. 

Nessa quarta-feira (18), o governador Mauro Mendes (DEM) anunciou a concessão de férias e licença-prêmio no pacote de medidas de prevenção ao coronavírus. 

(Foto: Repodução/Internet)

O problema financeiro 

Do lado do empresário, a redução de movimentação financeira, também com base na “força maior”, poderá ser usada como justificativa para a dispensa de funcionários. É outro caminho longo e dispende gastos judiciais. 

“Não vai ser qualquer estabelecimento que terá mudança brusca de rotina. Compare as atividades de uma farmácia e um restaurante como exemplo. Nós prevemos que nos próximos os dias, as pessoas vão sair menos de casa e a movimentação do restaurante vai cair. Mas as pessoas vão continuar indo à farmácia”, diz a advogada Roberta Vieira Félix. 

Cinemas, shopping centers e escolas e faculdades particulares já anunciaram modificação na rotina para atender as orientações do Ministério da Saúde.  

O governo ainda não sabe qual será o impacto da crise atual na economia, mas já adiantou que será “inevitável” e “forte”.  

A Federação de Comércio de Bens e Serviços (Fecomércio) de Mato Grosso diz que já conseguiu perceber a redução de pessoas circulando pelo centro comercial de Cuiabá. 

O presidente da federação, José Wenceslau de Souza Junior, diz temer demissão em massa por causa da “quebra” de estabelecimentos. 

“Esse problema financeiro vai aparecer. Se o quadro se agravar, o comércio vai fechar as portas e não vai ter caixa para pagar funcionários e despesas. Como fica a situação da pessoa que estava trabalhando normalmente?”, aponta o advogado Marcos Avalone. 

Acordo coletivo 

Advogados ouvidos pelo LIVRE dizem que a legislação trabalhista brasileira não prevê normas para resolver conflitos em situações específicas, como a da pandemia do novo coronavírus. E junto a isso, não existe consenso sobre o que está na lei. 

Nem mesmo a lei mais recente, a 13.979 de fevereiro deste ano, criada para lidar com a pandemia da doença traz regras claras sobre a relação de emprego (empregado/empregador). 

“Nós temos brechas na legislação que poderão ser invocadas, mais especificamente a questão da ‘força maior’, que atualmente é o coronavírus. Mas, na prática, muita coisa tem que ser discutida. Não há consenso”, diz a membro da OAB-MT, Roberta Vieira Félix. 

Já o advogado Marcos Avalone diz que tem buscado os sindicatos das categorias para saber qual será a estratégia adotada. Ele prevê que o acordo coletivo, com representação pelos sindicatos, deverá ser o caminho menos conflituoso para alcançar uma saída menos desgastante. 

“Com a reforma trabalhista, o acordo coletivo passou a ter prevalência sobre a legislação. São necessários acordos e deverão ser discutidas as medidas que serão adotadas para a situação atual”, pontua. 

Suspensão temporária do trabalho sem remuneração, compensação via o banco de horas negativo (o trabalho fica com horas a menos de trabalho a serem compensadas), concessão de férias e acordos para demissão estão dentre as opções que deverão ser discutidas. 

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