Ele é polêmico e seus mais de 2,6 mil eleitores parecem gostar desse perfil. Mas a postura do arquiteto e urbanista Abílio Brunini Junior (PSC) na Câmara de Cuiabá pode custar seu mandato de vereador. Desde outubro, ele responde a um processo no próprio Parlamento em que é acusado de “quebra de decoro”.
A representação foi feita pelo primeiro suplente, Oséas Machado – que, diga-se de passagem, é quem “herda” a vaga, no caso de Abílio ser cassado.
Ex-vereador e diretor do Hospital São Benedito, Oséas acusa o colega de “ter praticado, de forma reiterada e conscientemente, atos incompatíveis com o decoro parlamentar, por abuso de prerrogativas constitucionais asseguradas ao vereador”.
E não é necessário explicar muito o por quê. Parte da pequena oposição na Câmara de Cuiabá, Abílio ganhou fama de “enxerido” por seu modo de fiscalizar as ações do município e já se envolveu em embates que chegaram até a agressão física.
O processo de cassação teve início oficial no dia 18 de outubro, quando foi publicado no Diário Oficial. E de lá para cá, a coisa só piorou. Tanto a ponto de a Polícia Civil de Mato Grosso ser envolvida na situação.
Abílio vale R$ 50 mil
Inicialmente testemunha de acusação, a servidora Elizabete Maria de Almeida, lotada no Hospital São Benedito, fez uma grave denúncia na Comissão de Ética da Câmara de Cuiabá: o prefeito Emanuel Pinheiro (MDB) estaria articulando a cassação de Abílio.
A mulher disse que esteve na casa do vereador Juca do Guaraná (Avante), em uma festa na noite do dia 21 de novembro. Ocasião na qual teria visto Emanuel oferecer 20 cargos na prefeitura e R$ 50 mil para cada vereador que colaborasse com a cassação de Abílio.
O depoimento acabou se transformando em notícia-crime protocolada junto ao Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco).
Nesse mesmo dia, a própria servidora também registrou um boletim de ocorrência relatando o suposto encontro entre o prefeito e vereadores.
Vereadores reagem
Na primeira sessão após a denúncia, em 28 de novembro, Juca do Guaraná usou a tribuna para se defender. Disse que as alegações são “falaciosas e covardes” e desafiou a servidora e Abílio a provarem a suposta compra de votos.
Alguns vereadores da base do prefeito também se manifestaram. Presidente da Câmara de Cuiabá, Misael Galvão (PTB) disse que esteve na casa de Juca – no condomínio Belvedere – e que, nem Oséas nem a servidora, teriam passado pelo local.
Polícia investiga
Em 12 de dezembro, Abílio pediu desculpas a Juca do Guaraná pela exposição de sua família, e alegou ter sido usado por Elizabete.
Mas as denúncias apresentadas ao Gaeco e à Delegacia de Crimes Fazendários e Crimes contra a Administração Pública (Defaz) já haviam levado as autoridades a investigar a trama.
No dia 16 de dezembro, Elizabete foi intimada pela Polícia Civil a prestar depoimento e apresentar provas da denúncia feita. E em um novo depoimento, no dia 7 de janeiro, ela acabou admitindo ter participado de uma armação contra o prefeito de Cuiabá.
A servidora ainda afirmou ter revelado essa armação para Abílio, mas o vereador a teria orientado a manter a versão levada à Câmara: de que Emanuel interferia ilegalmente no processo de cassação.
“Enfrentar a corrupção não é fácil”
Depois que o depoimento de Elizabete à polícia ganhou a mídia, tanto o prefeito Emanuel Pinheiro quanto Juca do Guaraná anunciaram que devem acionar judicialmente a servidora e Abílio Júnior.
O polêmico vereador, então, fez uma transmissão ao vivo em suas redes sociais, no fim da manhã de quinta-feira (9). Durante aproximadamente um hora, ele reafirmou sua inocência.
“Enfrentar a corrupção não é fácil, mas estamos prontos para derrubar o sistema ou cair tentando”, escreveu em seu Facebook.
Abílio confirmou ter se encontrado com a servidora no dia do depoimento prestado na Câmara. Ele justificou que precisava entender as denúncias levantadas por ela e, por isso, a encontrou na casa dela.
Segundo ele, Elizabete fazia constantes acusações, mas costumava apagar as mensagens antes que ele lesse. Só em relação à trama por conta da sua cassação ela não teria deletado a mensagem.
O vereador ainda afirmou que Elizabete dizia temer por sua segurança e que, por isso, ele teria chamado a Polícia Militar para acompanhá-la até um hotel.
Abílio também envolveu o delegado da Polícia Civil, Lindomar Toffoli, no caso. Ele era titular da Defaz e teria sido procurado pelo vereador, na madrugada do dia 22 de novembro, com um pedido de “orientação” sobre a suposta compra de votos.
O vereador afirmou que encaminhou ao delegado imagens recebidas de Elizabete. Elas confirmariam a festa na casa de Juca do Guaraná. Abílio admitiu, porém, que as imagens não provam a suposta promessa de dinheiro feita por Emanuel.
A participação do delegado acabou misturando o caso de Abílio com uma polêmica sobre a reorganização no quadro da Defaz, no início de dezembro.
Rumores começaram a surgir dando conta de de que Lindomar Toffoli e Anderson Veiga – então chefe da Defaz – teriam sido pressionados a investigar Emanuel Pinheiro diante da denúncia feita pela servidora.
Entretanto, sem provas contundentes, eles não abriram o procedimento. Dias depois, foram realocados de função.
Depois do depoimento de Elizabete no início deste ano, Abílio afirmou estar surpreso das acusações feitas pela servidora. Ele questiona uma licença de 40 dias concedida à Elizabete após suas declarações na Câmara, e a mudança de declarações após o fato.
O vereador também disse ter se disponibilizado a prestar depoimento à polícia e que não sabe por que Elizabete mudou o depoimento. Ele destacou, contudo, que a polícia investiga o caso e que a servidora terá que provar suas declarações.
Quem errou, deve pagar
Envolvido na confusão, Juca do Guaraná afirmou ao LIVRE que “quem errou, deve pagar”. Mas ele também acredita que a exploração do caso na mídia colocou ainda mais “fogo” na história que, para ele, estava clara “não ter pé nem cabeça”.
Conforme o vereador, desde o início ele colocou à disposição dos investigadores a relação de nomes e as imagens da portaria de seu condomínio. Também afirmou que colaboraria com as investigações, mas que, até o momento, não foi chamado pela polícia.
E apesar da chegada das eleições municipais, Juca do Guaraná não acredita que a trama foi orquestrada para atrapalhar o pleito de 2020. Para ele, trata-se de “pura psicopatia”.
Quanto ao pedido de desculpas de Abílio, ele disse ter aceitado, “como cristão”. Ainda assim, garantiu que seus advogados vão mover uma ação contra o vereador e Elizabete.
“Quem armou para quem não me interessa, eu não quero saber”.
E a cassação?
Ao LIVRE, os vereadores Toninho de Souza e Vinícius Hugueney – presidente e vice-presidente da Comissão de Ética da Câmara de Cuiabá – afirmaram terem sido surpreendidos com o depoimento de Elizabete durante o processo contra Abílio.
Toninho lembrou que a servidora foi chamada para testemunhar sobre a invasão e o constrangimento que Abílio teria cometido no Hospital São Benedito. O fato foi um dos argumentos usados no pedido de cassação.
Foi Toninho que, segundo ele, diante da gravidade da denúncia feita pela servidora, encaminhou as informações para o Gaeco.
Mas apesar de grave o caso envolvendo Elizabete, Emanuel Pinheiro e Juca do Guaraná não deve pesar no processo de cassação de Abílio. A explicação dada por Toninho é que a Câmara deve se pautar sobre os fatos da denúncia original, ou seja, a feita por Oséas.
Vinícius Hugueney disse não estar acompanhando a investigação da Polícia e que a Câmara de Cuiabá atua de forma independente.
Ele ainda informou que o processo aguarda a apresentação de um relatório, elaborado pelo vereador Ricardo Saad (PSDB). O texto deve ser apresentado após fim do recesso na Câmara de Cuiabá, no dia 4 de fevereiro, e levado para votação em plenário.
Outro lado
A assessoria do vereador Abílio Júnior entrou em contato com o LIVRE, encaminhando a seguinte nota:
Atualizada às 11h, em 11.01.2020