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Ruas de Cuiabá | Marco Antônio: ele vai aonde a vida o levar

Todo domingo o LIVRE conta a história de um morador de rua que vive em Cuiabá

6 minutos de leitura
Ruas de Cuiabá | Marco Antônio: ele vai aonde a vida o levar
(Foto: Vanessa Suzuki / O Livre)

A história de Marco Antônio Albuquerque da Silva, 52 anos, com as ruas de Cuiabá não é tão longa, mas o suficiente para fazê-lo ter certeza de que não é isso que quer para sua vida.

Morador de rua há quatro anos – atualmente vivendo próximo ao Morro da Luz -, ele sonha em ter seu pedacinho de terra, para plantar e poder vender o que colher. Afinal, para a casa da família – tanto dos irmãos, quanto da ex-esposa – não voltaria jamais.

“Meu maior sonho é estar em uma chácara, uma fazenda minha, longe da cidade, plantando as minhas coisas. Um carrinho para eu trazer minhas plantações para vender aqui. Esse é meu sonho. Se eu tivesse uma casa, eu estava lá plantando, morando, fazendo as coisas. Cuidando da minha casa. O corre eu faço na rua, serviço eu faço na rua. Carpir quintal, poda de árvore, essas coisas”, disse.

(Foto: Vanessa Suzuki / O Livre)

Ida para a rua

Antes de se tornar morador de rua, Marco Antônio era guarda da Escola Estadual Presidente Médici, em Cuiabá. Ele tinha esposa e quatro filhos, mas somente o que ainda é menor de idade, hoje com 16 anos, é filho da última esposa.

Ele conta que tem problemas de relacionamento com toda a família, o que o mantém na rua. Mas o grande motivo que o fez abandonar o conforto de casa para morar na rua foi uma briga séria com a esposa.

“Eu morava no Tijucal. Ai eu tive que descer o rio lá do Tijucal até o Coxipó, pelo rio. Porque o pessoal queria me pegar. Ela [esposa] bateu em mim, minha cabeça é toda quebrada, ai eu dei um murro nela. Ai chamaram a polícia. Até hoje, nunca mais vi ela. Mas pago pensão para o meu filho. O dinheiro que eu mal-e-mal consigo, tenho que ir lá, pago cesta básica. Tem que pagar pensão, senão você vai preso”, contou.

Para conseguir pagar a pensão, ele às vezes trabalha transportando cadeiras para as creches municipais de Cuiabá. Por ainda manter amigos da Secretaria de Educação, que sabem de sua dificuldade em conseguir dinheiro, ele consegue ser chamado para prestar o serviço.

Após “fugir” da casa da esposa, ele preferiu ficar nas ruas a morar com algum dos irmãos. O motivo, segundo ele, é que a mãe faleceu e o pai sofreu um AVC e os irmãos o culparam.

“Meus irmãos mais novos falaram que eu era o culpado de eles morrerem. Só minha irmã que me atura. Meus irmãos que são zica”, contou.

Às vezes, os irmãos ainda o buscam nas ruas, tentam o levar para casa e Marco Antônio vai. Mas ele apenas passa o dia dormindo e volta para as ruas.

“Eu fico na rua todo dia. Ai dá uma brechinha, meu irmão passa aqui: “vai, cara, pra casa”. Ai eu vou, tomo banho e vou dormir. Fico dormindo o dia inteiro. Ai no outro dia volto. Ai fica aquela rotina viciosa”.

(Foto: Vanessa Suzuki / O Livre)

Ansiedade e vício

Ele conta que seus dias são resumidos em ansiedade. Espera a doação de marmitas para almoçar, merendar e jantar e procura um lugar para dormir. A rotina só muda um pouco no final de semana – o que ele comemora -, quando também ganha café da manhã.

Marco Antônio conta que não pretende sair das ruas devido às desavenças com a família, que o levaram a se tornar alcoólatra.

“Eles me tratavam tipo como um cachorro, “passa, passa!”. Ai você vai para a rua, vai beber. Eu não uso droga, só bebo, bebo o tempo inteiro. Eu estava tremendo agorinha, bebi e já comecei a ficar bem”.

Ele já tentou tratar o vício com auxílio do Caps (Centro de Atenção Psicossocial) e pretende retornar para recomeçar o tratamento, que ainda não deu certo devido à sua dificuldade em tomar medicação.

“Meu remédio é a bebida. Se eu não beber não fico bom. Sinceramente, falar para você, hoje eu acordei ruim, até agora. Meu problema é essa bebida”, confessou.

Apesar do vício e das mágoas, ele considera todos os dias como o melhor da sua vida. O motivo é que, nas ruas, sente-se cuidado pelos amigos.

“Todo mundo tá cuidando de você, ninguém vai mexer com você”.

Os momentos ruins são as “batidas” da polícia. Marco Antônio afirma que sempre que acontece algo no Centro, as equipes militares os procuram para questionar quem poderia ser o culpado.

“É frequente isso ai. Eles estão toda hora aqui. Uma vez que eles passam, depois ficam passando toda hora. Eu não sei porque, alguma coisa aconteceu, o pessoal fez alguma coisa pra lá. Mas eles vêm aqui para saber quem está no Beco [do Candeeiro]”.

(Foto: Vanessa Suzuki / O Livre)

Sonho

Da família, Marco Antônio só queria mais união. “Olhar para a pessoa e falar assim: ‘você é meu irmão, você é minha irmã’, papai ta doente, vamos ficar unidos. Eu quero união, só isso”, disse.

Mas para a vida ele ainda tem sonhos. Espera que um dia haja alguma política pública que o possibilite ter uma casa e morar sozinho.

“Não quero saber de ninguém perturbando eu. Eu e meus cachorros. Tenho uns cachorros, fica tudo aqui. Todo mundo gosta deles. Dorme aqui com nós”, contou.

Ele também ficaria feliz com um trabalho de caseiro em alguma chácara, ou fazenda. Inclusive, pediu à reportagem que frisasse que se alguém quisesse lhe dar uma oportunidade, ele estaria próximo ao Morro da Luz, ao Beco do Candieeiro, ou – mais frequente – na Praça Senhor dos Passos, que fica atrás da Igreja Nosso Senhor dos Passos, no Centro de Cuiabá.

“Porque o serviço é ‘o grande lance'”, disse Marco Antônio.

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Colaboraram Vanessa Suzuki e Isabella Suzuki.

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