A história de Itamar Corrêa de Lima com as ruas é longa, tem quase 40 anos. Ele não se lembra se tem 43, ou 44 anos, mas recorda que foi morar nas ruas aos 6 anos.
“Vi aquele povo morrer, vi esse aqui chegar, vi esse criança”, disse Itamar, apontando para o Morro da Luz e, em seguida, para os amigos com quem divide sua moradia, a Praça Senhor dos Passos.
A mãe de Itamar era de Aracaju (SE) e veio para Cuiabá para fugir do marido. Na capital mato-grossense, ela se casou novamente. Porém, traiu este marido e Itamar foi fruto deste adultério.
O marido perdoou e, por um tempo, todos moraram juntos – em partes, mas isso explico agorinha. Após um desacerto com o marido, a mãe foi embora de casa e abandonou toda a família.
Mesmo antes de a mãe partir, Itamar recebia tratamento diferente dentro de casa. A mãe, o marido dela e o filho do casal moravam em uma casa e ele em um quartinho separado. Por isso, contou Itamar, a rua o atraía mais.
“Eu fui crescendo e vendo aquela bagunceira dentro de casa. Meus irmãos nem ligando, minha mãe também não me levava. Fui para rua e estou aqui até hoje”, disse.
A mãe morreu há 4 anos, em Rondônia. Itamar só ficou sabendo porque ela conhecia alguns vendedores de ouro do centro de Cuiabá, que o avisaram.
Família
Aos 16 anos, Itamar conheceu uma menina na Festa de São Benedito. Ele morava na rua, mas contou orgulhoso que estava sempre bem vestido e limpo. Os dois se apaixonaram e namoraram por três anos.
Acabaram terminando, mas ela foi atrás dele e, nesse dia, ela engravidou. Ele chegou a sair da rua, teve um lava-jato e morou com a mãe de seu filho, mas disse ter desistido da relação por nunca ter conseguido abandonar a droga.
“Eu vi que não dava, porque trabalhava e roubava, porque tinha que usar minha droga e sustentar a casa. Aí quando eu vi que não estava dando mais, eu abandonei”, contou.
Apesar da separação, eles nunca perderam o contato. O filho de Itamar, que tem 21 anos, também costuma visitá-lo. Ele contou que o filho busca as roupas dele para lavar. Já o meio-irmão, o padrasto, ou o pai, nunca o procuraram.
Luta diária
Sem nunca ter estudado, a única coisa que Itamar sabe escrever é seu próprio nome. Atualmente, ele tem documentos, está incluso no Bolsa Família e tem conta no banco. Mas nem sempre foi assim.
Para se garantir, em um período da vida ele alugou uma casa no centro e alugava os quartos dela para “momentos”, como um motel.
Hoje, ele vive uma vida menos agitada. Afinal, tem três cânceres e é portador do HIV, doença com a qual ele convive há 12 anos. Para o HIV ele faz tratamento, toma o coquetel todos os dias. Mas para os cânceres não.
A dor, segundo Itamar, é suportada com as drogas. Ele contou que é viciado, mas hoje tem autocontrole e também já não aguenta mais usar muito.
“Meu coração está maior do que a caixa do peito. Aí quando eu uso ele acelera e eu tenho que parar”, disse.
Questionado, ele afirmou que já fez tratamento e tentou parar completamente. Até conseguiu por um tempo, mas sempre retorna ao vício.
“A gente para, mas não consegue largar completamente. Porque a gente anseia pela paz, pelo sucesso, mas a carne é forte, ela praticamente nos obriga a fazer coisas que não queremos”.
Devido às doenças, atualmente, ele passa o dia na rua, mas dorme em uma casa que encontrou abandonada no Centro e invadiu. Lá ele tem roupas e cama, conseguidas por doações.
E, apesar de seu quadro de saúde e suas complicações, afirma não querer sair da rua. “Já me adaptei aqui. Nasci aqui, cresci aqui, acho que vou morrer aqui”.
População de rua
Itamar é um dos representantes dos moradores de rua de Cuiabá, por isso, já foi para congressos em Campo Grande, Brasília e no Rio Grande do Sul, sempre levado pela Defensoria Pública de Mato Grosso.
Nos eventos são discutidos temas como a sobrevivência na rua, as consequências e quais são os sonhos dos moradores. Ele acredita que as pessoas vão para a rua achando que é uma vida fácil, mas deixa claro que é uma vida que tem consequências.
“Eu não tenho saúde, não tenho estudo, não tenho família, não tenho perspectiva de vida. Eu não tenho esperança. A minha esperança é que amanhã eu acorde de novo, vivo. Só isso”, disse Itamar.
Ele sonha que todos os moradores, que estão chegando agora à vida nas ruas, abandonem a ideia e voltem para casa. Diferente do que escolheu para si.
Felicidade
Positivo, Itamar recebe a todos com sorriso no rosto e está sempre pronto para uma conversa. Ele deixa bem claro que, apesar de tudo, é feliz e todo dia que começa é o melhor dia de sua vida.
“Queria falar para minha família que eu vivo como eu vivo porque eu quis, eu que escolhi. Não culpo ninguém. Eu optei por viver assim. E a maneira que eu vejo que eu sou feliz, que eu adoro a minha vida, é o mesmo que eu espero para a minha família. Que eles não esperem nada de mim. E que eu sou capaz, eu sobrevivo sozinho”.
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Colaboraram Vanessa Suzuki e Isabella Suzuki.