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Ruas de Cuiabá | Rosinete, a vida entre o medo e a vergonha

Todo domingo o LIVRE conta a história de um morador de rua que vive em Cuiabá

7 minutos de leitura
Ruas de Cuiabá | Rosinete, a vida entre o medo e a vergonha
(Foto: Vanessa Suzuki / O Livre)

Há 22 anos, Rosinete Bernardo Pereira, 45 anos, saiu de casa após ouvir uma frase da irmã e nunca mais voltou. Ela abandonou os três filhos, um deles recém-nascido, toda a família e o emprego de terceirizada na Secretaria do Estado de Educação (Seduc) pela vergonha do vício em pasta-base.

Por trás do olhar desolado de Rosinete, há uma história de agressão de um “marido” aos 16 anos, vício de drogas, iniciado por uma tentativa de emagrecimento, e uma vida de medo nas ruas, sem conseguir confiar em ninguém e mal vendo os dias passarem.

“Para a gente que mora na rua todo dia é igual. Para mim todo dia é igual. Passei 8 anos sem saber que tinha passado 8 anos. Falavam: ‘Quantos anos você tem?’ ’33’. ‘Quantos anos você tem?’ Quando vi já tinha 40 anos”, lamentou.

Rosinete
Rosinete mora nas ruas há 22 anos (Foto: Vanessa Suzuki / O Livre)

Desventuras

Rosinete nasceu em Guiratinga (330 km de Cuiabá). Com a separação dos pais, foi criada pelo pai. Aos 16 anos se casou. Porém, o marido a espancou. Devido a isso, o juizado de menor a mandou para Cuiabá, onde passou a morar com a mãe.

Na Capital, foi contratada pela Seduc e fazia a limpeza de escolas. Passou pela Escola Estadual Victorino Monteiro Silva, no CPA IV, e pelo Liceu Cuibano, no Bairro Quilombo, região central da cidade.

Pouco antes do fatídico dia em que foi morar na rua, ela teve seu terceiro filho, hoje com 22 anos (os outros dois têm 25 e 29). Devido à gravidez, saiu do emprego.

Quando pegou o acerto, comprou uma lata de leite em pó, um sacolão e uma caixa de leite comum. Colocou o restante do dinheiro em uma penteadeira e foi tomar banho.

Quando eu sai do banheiro, já não estava mais o dinheiro. Minha irmã tinha pegado o dinheiro e falou que meu filho jogou o dinheiro fora”, contou.

Revoltada com a situação, ela tomou uma decisão: “Eu fiz uma promessa, que nunca mais ia lavar banheiro para ninguém roubar o meu dinheiro”.

Rosinete
Rosinete já foi contratada terceirizada da Seduc (Foto: Vanessa Suzuki / O Livre)

O vício e as ruas

Rosinete já foi alcoólatra, inclusive quando saiu de casa, mas parou de beber dois anos depois. Atualmente, ela só bebe quando não tem dinheiro para comprar drogas. Ela afirma que “o álcool ajuda” a suportar a abstinência.

Seu grande vício é a pasta-base. Ela conheceu a droga por uma amiga do bairro.

Eu era gorda. Ai uma amiga minha disse assim: ‘eu sei como você emagrece’. Ai apresentou a pasta-base”, contou.

Um dia, em uma festa de aniversário do irmão, ela e a família estavam jogando baralho apostado, quando uma irmã falou que ela queria o dinheiro do jogo para usar drogas, na frente de toda a família.

“Nós estávamos jogando baralho apostado. Ela foi e falou: ‘Não adianta, você vai querer comprar droga’. E meu pai estava bem atrás de mim. Quando eu olhei para atrás e o vi, eu sai da festa e fui embora. E nunca mais tive coragem de voltar”, lembrou.

Segundo Rosinete, ainda que não fosse verdade, a vergonha de ouvir a fala da irmã na frente de toda a família – e principalmente do pai – fez com que ela preferisse morar na rua do que voltar para casa.

O pai chegou a procurá-la posteriormente. E, há pouco tempo, ela foi na casa da mãe e falou que, se conseguissem um tratamento, ela queria fazer. “Mas eles falam que eu abandonei eles”, disse.

Rosinete
Rosinete tem vontade de fazer um tratamento contra as drogas (Foto: Vanessa Suzuki / O Livre)

Medo constante

Morando nas ruas do centro de Cuiabá, Rosinete tem a companhia diária do medo. Ela afirma não confiar em ninguém e que essa é a maior dificuldade de morar na rua.

“Eu não fico nem no meio do povo assim não. Dormir, eu durmo escondido, porque tenho medo. Não dá para confiar em ninguém não. O povo fala que é amigo, mas não tenho amigo. Pela droga eles fazem qualquer coisa”, disse.

Seu grande medo é de ser estuprada. Ela contou ao LIVRE sobre ao menos duas conhecidas que foram levadas para o Morro da Luz e sofreram crimes sexuais.

Então a gente não pode confiar. A gente é mulher, mais sensível que os homens”, disse.

Devido ao medo constante, ela afirma ficar bastante sozinha, que fez colegas nas ruas, mas amigo mesmo somente Deus. “Mas antes só do que mal acompanhada”, frisou

Rosinete
O medo é a maior companhia de Rosinete (Foto: Vanessa Suzuki / O Livre)

Sonho

Nas ruas, Rosinete conheceu um guarda de uma praça de Cuiabá, com quem conviveu como esposa por mais de 7 anos. Nessa época, ela morava com ele. Porém, sempre ia para as ruas para comprar pasta-base. Por isso, nunca saiu completamente da rua.

Há um ano, o marido morreu. A princípio, ela ficou com a aposentadoria do falecido. Mas a filha dele alegou que os dois não eram casados no papel e conseguiu tirar o benefício dela.

Agora, ela ganhou uma casa para morar, na Rua Engenheiro Ricardo Franco, o que era seu maior sonho. Ela conheceu um novo amor e o chamou para morarem juntos. “Vamos ver o que vai dar”, disse.

Saudade

Rosinete já teve uma casa própria, mas, segundo ela, um dos filhos conseguiu passar para o nome dele – embora ela não saiba como isso foi possível.

Os três “meninos” – hoje já adultos – foram criados pela avó, mãe dela. Rosinete afirma que os filhos são sua maior saudade.

“Mas prefiro eles lá, porque hoje são trabalhadores”, afirmou.

Há algum tempo ela conversou com os filhos, que disseram que se ela precisasse de ajuda, poderia procurá-los. Ela não os procurou mais, porém, com lágrimas nos olhos, queria dizer uma coisa:

“Para os meus filhos, continuo amando eles”.

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Colaboraram Vanessa Suzuki e Isabella Suzuki.

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