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Ruas de Cuiabá | José Salomão, o agrônomo venezuelano que mora na beira do Rio Cuiabá

Com diversas profissões e poliglota, José saiu da Venezuela há 3 anos para tentar uma vida no Brasil e acabou nas ruas de Cuiabá

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Ruas de Cuiabá | José Salomão, o agrônomo venezuelano que mora na beira do Rio Cuiabá
(Foto: Vanessa Suzuki / O Livre)

A história do agrônomo venezuelano José Salomão Figueira, 53 anos, com as ruas de Cuiabá começou há 3 anos, no dia 12 de março de 2020, quando ele viu que não aguentava mais os problemas com a família e decidiu abandonar tudo na Cidade Guayana, pegar carona em um caminhão e vir para o Brasil.

Passada a fronteira, ele fez o restante do caminho a pé até chegar em Cuiabá. “O pior foi meu primeiro dia, que passei o dia inteiro andando, passando fome e sede. Esse foi meu pior dia”, lembrou.

Na Capital mato-grossense, conheceu um morador de rua, Nilson – cuja história foi contada no último domingo pelo LIVRE -, que o ensinou a falar português, ou ao menos um “portunhol”.

Atualmente, José mora na beira do rio Cuiabá, onde construiu um barraco com materiais recicláveis e coisas que ganhou como doação, e planta diversas coisas, o que é sua verdadeira paixão.

Saída de casa

José não saiu de casa por problemas financeiros. Aliás, não lhe faltava nada – tinha casa, chácara, emprego e dinheiro -, mas lhe faltava paz.

“Eu não vim para cá porque estava passando fome, não vim por dinheiro. Eu tinha meu trabalho, tinha a minha casa, mas o meu problema não tinha solução. Cada dia era pior. Agora não, as coisas mudaram muito, apesar de morar na rua, vivo bem. Estou mais tranquilo”, contou.

Ele estava casado há 26 anos, tinha 3 filhos – a caçula atualmente tem 20 anos, a segunda mulher 28 e o mais velho é um homem de 30 anos – e netos ainda pequenos. Porém, conta que se cansou de conversar com a família, em especial a esposa, e tentar resolver os problemas que tinham; por isso, resolveu partir.

“Eu cansei de falar com eles. Eu não sou doido, não tomo nenhum remédio. E eu falo com a pessoa, falo, falo… e as coisas acontecem como são. Eu não tenho escolha a não ser partir. Deixei minha casa, minha chácara, minha família, meu dinheiro, para fazer uma nova vida. Eu morava bem na Venezuela, mas dinheiro não ia resolver meu problema. Só Deus poderia resolver meu problema”, afirmou.

Há uma semana, no dia 12 de março, fez 3 anos que José saiu de casa. Desde esse dia de 2020, não quis mais ter notícias da família.

“Hoje em dia não sei nada, eu não ligo. Não quero saber nada. Porque Deus fala assim: ‘afasta de mim meus malfeitores’. Não sei quem era o maior malfeitor de todos. Comecei a ver e me afastei deles. Deixei toda a vida deles feita. Não quis vender a casa, porque minha família ia morar na rua. Prefiro eu morar na rua, do que eles”, disse.

(Foto: Vanessa Suzuki / O Livre)

Nova vida

Mas começar uma nova vida também não foi fácil. Apesar de saber praticar diversas profissões – como a agricultura, lidar com criação, mecânica e construção – e ser poliglota, José chegou ao Brasil sem saber nenhuma palavra em português.

“Eu sou agrônomo, trabalho na agricultura de plantação e criação. Eu sou mecânico, pedreiro, tenho 9 profissões e entendo 5 idiomas”, contou.

O português aprendeu na rua, para conseguir entender e falar com seu único amigo em Cuiabá, Nilson, pessoa a qual José defende de tudo que é possível.

“Tem sido muito complicado pra mim. Porque não é fácil morar sozinho. Eu tenho dificuldade de me relacionar com outras pessoas. Entende?”, lamentou.

Quando chegou, os outros moradores de rua logo perceberam que ele não se misturava. José não usa drogas e não bebe, apenas fuma cigarro. Além disso, está sempre na igreja. Então, algumas mulheres lhe deram a ideia de morar na beira do rio, ao invés de na Praça Luíz de Albuquerque, ou na Orla do Porto, como os demais.

“Muitos se matam, entram no álcool, muitos se metem nas drogas. Eu vou sempre na igreja, quase todos os dias. Foi uma coincidência eu ter saído agora. Quase não passo na rua. Como todo homem normal, fumo um cigarro, mas eu não sou cachaceiro, não sou um drogado de rua, venho de uma sociedade venezuelana. Não é porque moro na rua, que eu gosto de morar na rua. Estou na rua porque não tenho para onde ir”, afirmou.

Inclusive, além de não gostar de estar na rua, José não gostaria de ficar, pois não concorda com a falta de respeito que vê, nem com a vida desregrada e sente falta de dormir bem, tomar banho e ter com quem conversar.

“Meu melhor dia é hoje, que estou falando com vocês, que eu tenho com quem falar, contar os meus problemas. Porque os outros dias, por melhores que sejam, não posso nem sequer dormir bem. A questão da comida é complicada. Moro sozinho, passo fome e não posso tomar banho. As pessoas me machucam na rua, falam que eu sou estrangeiro, eles levam o mínimo que eu tenho. São os piores dias que alguém já passou”, disse.

E completou: “Por isso que moro sozinho, convivo com eles, mas não me misturo, porque eu não faço o que eles fazem, mantenho distância. Venho sempre aqui, falo com ele [Nilson], porque ele é muito meu amigo. Mas os demais, eles mesmos querem se machucar, não se respeitam. Vão falando, os outros pulam em cima. E não deveria ser assim, porque eu posso estar morando na rua, mas eu não sou morador de rua. Tenho os meus sentidos muito completos para fazer o que eu faço”.

(Foto: Vanessa Suzuki / O Livre)

Sonho

Apesar de morar na rua, José não deixa de trabalhar. Ele não tem nenhum auxílio do governo, então faz várias coisas para ter com o que viver. Com suas bicicletas, ele coleta materiais recicláveis. Além disso, também planta mamão, pimenta, maracujá, banana e mandioca, o que conta com orgulho.

“Trabalho com sucata e na plantação. No momento estou fazendo os canteiros, para depois poder plantar. Estou sem meu telefone agora, senão eu mostrava para vocês o que eu estava fazendo. No telefone eu vou gravando tudo que eu faço perto do rio”, contou.

Os itens que colhe, José vende, dá para alguém que precisa comer e também doa para a igreja. Ele se alimenta, na maioria do tempo, de refeições doadas na rua.

Mas seu maior sonho hoje é sair da rua, ter um trabalho e construir uma nova família, pois diz que sozinho não faz nada e está acostumado a ter uma parceira.

“Na Venezuela o morador de rua é um lixo. São poucas as pessoas que falam com os moradores de rua. Ninguém vê a gente, ninguém vê aquela pessoa que mora na rua, porque para nós os moradores de rua não fazem parte da sociedade e não tem nada. Então, meu maior sonho é que Deus me dê uma esposa, uma família, um bom trabalho, para eu ficar de boa. Porque imagino que eu preciso ter uma companhia, sociedade, não preciso morar na rua. Um rei sem um reino não é rei. E um reino sem um rei não é um reino”.

Colaboraram Vanessa Suzuki e Isabella Suzuki.

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