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Ruas de Cuiabá | Nilson, o morador de rua que só quer perdão e uma família

Todo domingo o LIVRE conta a história de um morador de rua que vive em Cuiabá

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Ruas de Cuiabá | Nilson, o morador de rua que só quer perdão e uma família
(Foto: Vanessa Suzuki / O Livre)

A vida de Nilson Pereira de Souza, 48 anos, nas ruas começou há mais ou menos 20 anos. Ele conta que um dia foi até um bordel próximo à Praça Luíz de Albuquerque, mais conhecida como Praça do Porto, para contratar um programa sexual e nunca mais retornou para casa.

“Eu tinha uma família estável. Tinha minha casa, tinha meu carro, tinha minha moto, tinha minha mulher. Tenho 4 filhos, 7 netos. Tenho endereço, tudo deles. Mas, mesmo assim, eu estou aqui na rua, sofrendo, tempo de chuva, sol, frio. Tem 20 anos que eu moro na rua. Mas Deus me proverá nessa vida”, disse Nilson.

Atualmente, ele mora na Praça do Porto, onde também criou uma nova família, com pai, mãe e irmãos de consideração e até mesmo uma companheira, com quem já vive há 8 anos. Apesar disso, seu grande sonho é construir, mais uma vez, uma nova família.

“[Meu maior sonho] é sair da rua. Achar uma família. Essa aí não, outra. Meus filhos já são todos criados. Quero achar uma família boa. Uma que goste de mim do jeito que eu sou. Não importe o que eu tenho, o que não sou. Eu quero uma família, que se Deus puder prover na minha vida, eu aceito. Não importa se a mulher é velha, ou nova. Eu quero uma família de novo. Eu gosto de cuidar. Eu quero morrer cuidando de alguém”, afirmou.

Uma vida de luta

A vida de Nilson nunca foi fácil. Nascido em Poxoréu, ele se mudou para Cuiabá ainda criança, quando pegou poliomielite (paralisia infantil). Devido a isso, suas pernas não são completamente desenvolvidas.

A doença, no entanto, não o impede de andar. Inclusive, antes de morar nas ruas, ele trabalhava normalmente, como cuidador de carros, no Hospital Santa Rosa.

Porém, há pouco tempo, foi atropelado na Avenida Mário Corrêa, próximo à sua “casa”, no Porto, e agora que está melhorando.

“Eu fui comprar um cigarro lá, para minha mãe e meu pai, entre aspas, da rua. Ai quando eu vim de lá para cá, um carro… Estava dois carros, um saiu assim e pegou eu. Mas só que o cara ajudou eu. O hospital ajudou eu. Ganhei aquela muleta lá. Não sei se porque sou querido na praça aqui, mas todo mundo me ajuda. Mas eu também estou fazendo meu corre, né? Não pode ficar parado”, contou.

Além disso, ele ainda teve tuberculose há cerca de um ano e precisou ser internado e se tratar por muitos meses. Ele tem um pouco de dificuldade com números e, por isso, as datas ficam um pouco embaralhadas e não consegue dizer exatamente quando tudo aconteceu.

Aliás, Nilson também não é afalbetizado, teve até medo das perguntas que lhe seriam feitas, pois afirmou que só sabia falar de rua, não sabia ler, nem escrever.

(Foto: Vanessa Suzuki / O Livre)

O dom de amar

Apesar da vida difícil, Nilson é só amor. Ele é um dos moradores de rua mais queridos do Porto. Além da “família da rua”, como ele chama, ele também tem cerca de 10 cães, que encontrou abandonados na rua e resolveu criar com a ajuda da família.

“Hoje eu estou com 48 anos, vou fazer 49 anos. Então encontrei outra família, que são os garotos de rua. E tem tudo [pai, mãe, irmãos]. Tem nossos cães. Nós cuidamos deles”.

Para se alimentar – e também à família – ele pede ajuda no semáforo da Rua Comandante Suídio, em frente à Praça do Porto.

“Se eu quiser comer alguma coisa, eu pego minha muleta, pego minha marmita, boto assim (mostrando a mão) e vou lá no sinal com a minha mulher ali. ‘Ô, dá 10 centavos só para mim’. As pessoas que tem bom coração, elas ajudam eu. Aquele ali [apontando para o que a família estava comendo] quem arrumou fui eu, agora de manhã”, disse.

Ele cuida de todos, mas sua maior preocupação é a companheira, que, segundo ele, não tem se cuidado e está usando muita droga.

“Minha mulher tá passando mal. Só que eu não tenho condição de arrumar as coisas para ela. Já falei para ela: ‘Vai lá, procura um médico, procura alguém para ajudar'”.

Ele afirmou não saber explicar o que ela sente, mas que ela não consegue mais ter controle das necessidades fisiológicas e faz tudo em cima da cama. Por isso, ele precisa sempre jogar as cobertas fora.

“Ela é alcoólatra e é usuária. Então, ela chega e apaga em cima da cama. Ai ela não sente a vontade dela. Então antes de ela pegar e levantar, para poder sair para fazer o xixi e coco, ela não tem vontade, não dá conta. Fica tremendo. O alcoólatra, sabe o que é o alcoólatra? O alcoólatra, se você não beber, você fica ó, tremendo”, afirmou.

Ele contou que parou de usar drogas há cerca de 2 a 3 anos. Mas segue bebendo.

“Vicío do álcool eu tenho, mas é pouco. O dinheiro que eu pego no sinal lá é só para eu comer. Penso mais em comer agora. Só que quando eu peguei tuberculose, não tinha vontade de comer. Passava 4 dias, 7 dias sem comer nada. Eu quase morri. Ficava só cagado nas calças, não aguentava nem levantar do chão. Depois que Deus veio e me levantou, eu parei de fumar droga. Eu bebo uma cachacinha de vez em quando, o pessoal até me alimenta. Mas quem me ajudou nessa caminhada aí foi ela. Trazia comida, água. Puxando eu, pegando uma águinha, lavando até minha bundinha”, lembrou.

(Foto: Vanessa Suzuki / O Livre)

Família

Quando foi para a rua, Nilson abandonou a esposa e os 4 filhos em casa – hoje também tem 7 netos. Os filhos e os irmãos ainda tentam tirá-lo da rua, mas ele não vai. Ele afirmou que depois que a mãe, que era o alicerce de sua casa, morreu, ele não teve mais nenhuma vontade de voltar.

“Eles vêm me visitar. Quer levar eu pra casa deles, mas só que eu não gosto. Meu pai é daquele tempo de garimpeiro, lá de Poxoréu. Ele é muito, entre aspas, tipo fazendeiro. Mas eu não gosto. Eu gosto da minha liberdade. Se eu for lá, prende a gente com portão e tudo mais. Só saio a hora que ele quer e eu não quero”.

A relação com o pai não é muito boa e um dos grandes motivos, segundo Nilson, é a mãe.

Minha mãe estava doente, estava com problema. Meu pai chegava bêbado, eu era vizinho deles. Todo dia eu chegava do serviço, estava meu pai judiando da minha mãe. Por isso que eu não gosto do meu pai”.

Atualmente, o pai também está doente, com um problema no coração. Os irmãos tentam levá-lo para morar com o pai, mas Nilson não quer, acredita que isso daria algum problema.

Apesar disso, ele queria pedir perdão ao pai, aos irmãos e aos filhos por tudo que possa ter feito de errado para eles.

“Eu quero que meu pai perdoe eu, que ele mesmo se perdoe também. O que eu fiz de errado para ele, alguma coisa parecida, me perdoe. Meus irmãos vem aqui, eu meio bêbado, fico meio bravo, mas que eles me perdoem. É efeito da cachaça, entendeu? Álcool. Então quero que todo mundo me perdoe. De vez em quando vem algum sobrinho meu aqui, quero que ele perdoa eu, toda minha família me perdoe. Dá uma nova chance para mim. Só isso. Meus filhos também, eu falo para todos”.

Inclusive, sua maior saudade de quando ainda morava com a família são os filhos, o que contou chorando. “Meus filhos. Meus netos. Só isso que mais machuca eu”.

Medo

Apesar de gostar de morar na rua e conviver muito bem com a maioria das pessoas, Nilson afirmou que teme a violência e que, muitas vezes, dorme com um olho fechado e outro aberto, por ter “gente muito ruim” na rua.

“[O que me faz continuar é não ter] força de vontade de sair daqui. Não tenho. Sou fraco, você é fraca. Perfeito é Deus, que é o mais forte. Só Deus mesmo para tirar eu daqui”.

Ele conta que viu muitos amigos morrerem na Praça do Porto durante os anos em que está na rua, de cirrose, overdose e várias outras coisas. Ele acredita que as almas dessas pessoas estão vagando pela praça.

“Até aqueles cachorros pequenos parece que é uma alma vagando. Na hora que você está dormindo, os cachorros saem latindo assim, você olha e não vê ninguém. Tanta gente já morreu aqui, é alguma alma vagando. Eu não vejo, mas os cachorros veem”.

Organização e união

Ainda que morando na rua, Nilson gosta de organização. Todos os dias, acorda por volta de 4 horas e, antes que o dia comece para a maioria das pessoas, gosta de organizar e limpar toda a sua “casa” – forrar o colchão, colocar a lenha no lugar (eles têm um fogão a lenha), trocar de roupa.

“Eu não gosto de bagunça não. Não gosto. Eu gosto de limpeza. Nisso, a sociedade passa pelo ônibus ali, gente a pé, passa de bicicleta, ou fazendo caminhada… Passa por nós, vê um monte de lixo ali, eu não sou lixo não. Não sou. Eu sou um ser humano, que nem você, que nem ela. Eu sinto tudo que você sente”.

Para manter a limpeza e a organização que gosta, ele coloca toda a família para trabalhar. E ele afirma que isso é o mais gostoso de morar na rua: um sempre ajuda o outro.

A vida da gente que mora na rua é um ajudar o outro. Precisa de ajuda? Para Deus transformar, você tem que te ajudar, te levantar. É que nem uma vez que eu estava doente ai. Muita gente me ajudou. Achei que eu não tinha força, mas Deus me ajudou. Eu penso em Deus. Nessa vida minha, só Deus”.

Colaboraram Vanessa Suzuki e Isabella Suzuki.

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