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Documentário sobre os Bororo, gravado em MT, pode ser o primeiro da história

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Documentário sobre os Bororo, gravado em MT, pode ser o primeiro da história

Acervo/Museu do Índio

Documentário Bororos

Filme foi gravado em uma aldeia localizada nas margens do Rio São Lourenço, em Mato Grosso, no decorrer de 10 semanas.

Instituída pelo governo federal ainda na primeira década do século XX com a finalidade de se desenvolver um sistema de comunicação entre as maiores cidades do noroeste do país, a missão liderada pelo Marechal Cândido Rondon, conhecida como Comissão Rondon, pode, além de expandido as linhas telegráficas, ter ainda produzido o primeiro documentário etnográfico da história mundial –  como propõe um grupo de antropólogos do Brasil e Inglaterra.

Filmado em 1916 em uma aldeia de 350 indígenas às margens do rio São Lourenço, a 100 quilômetros de Cuiabá, “Rituais e Festas Bororo” mostra a cerimônia funerária dos Bororo, tradição considerada sagrada pela etnia e que se mantém até hoje. Dividido em três partes, o material foi gravado pelo major Luiz Thomaz Reis, a pedido de Rondon, e tem duração de trinta minutos. Reis havia estudado cinema na França e adquirido as câmeras com os irmãos Auguste e Louis Lumière – os inventores do cinematógrafo.

O filme, que faz parte do acervo audiovisual do Museu Nacional do Índio, foi exibido pela primeira vez em 1917 e detalha as atividades relacionadas à cerimônia, como uma expedição de pesca, caças, além de danças que os Bororos fazem com vestimentas tradicionais, finalizando no enterro do corpo da mulher morta, enrolado em uma esteira.

No início deste ano, os antropólogos Paul Henley (diretor do Granada Center for Visual Anthropology, da Universidade de Manchester, no Reino Unido), Sylvia Caiuby Novaes (professora no Departamento de Antropologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo) e Edgar Teodoro da Cunha (professor no departamento de Antropologia, Política e Filosofia da Unervisade do Estado de São Paulo campus Araraquara) escreveram um artigo para a revista científica “Visual Anthropology”, em que defendem que o filme de Reis, pelas singularidades reunidas, seja reconhecido como o pioneiro na linguagem antropológica em formato documental.

Acervo/Museu do Índio

Documentário Bororos 2

Reis e Rondon (ao centro) com os Bororo: Marechal tinha descendência da etnia. 

A versão oficial
Até o momento, a obra canadense “Nanook of the North”, de Robert Flaherty, que retrata a busca por comida de um esquimó e sua família, projetada originalmente em 1922, ainda é tida como o primeiro filme do gênero. No artigo publicado na “Visual Anthropology”, Henley atribui a situação ao fato de o filme ter tido maior circulação e de que o termo “documentário”, entre os países que possuem o inglês como língua dominante, se consolidou na década de 20 do século passado para se referir às produções de Robert.

O filme de Reis, no entanto, pelo menos desde a década de 90 já vem sendo tema de observações que contrapõem a versão oficial. Em 1992, o antropólogo francês Pierre Jordan lançou o livro “Cinéma – Premier contact, premier regard”, em que mapeava os primeiros registros fílmicos da história nos diversos continentes e deu destaque à obra de Reis, passando a defender seu caráter inédito no universo do documentário etnográfico. A partir de então, esse ponto de vista tem ganhado força em diversas referências acadêmicas brasileiras e francesas – e agora inglesas.

Para o professor Edgar Teodoro, contudo, o status de “Rituais e Festas Bororo” como primeiro documentário etnográfico deve ser colocado como uma possibilidade e não necessariamente como uma afirmativa. “Dada a pequena parcela de filmes brasileiros remanescentes, situar uma obra ou outra como primeira sempre traz um risco porque não temos pleno conhecimento da produção que circulou no período”, pontua.

Das expedições organizadas por Rondon – que possuía descendência Bororo – , participavam botânicos, zoólogos e outros cientistas, que realizavam estudos da fauna e da flora dos locais percorridos e também pesquisas etnográficas da cultura material de grupos indígenas, bem como medições antropométricas desses povos.

“Rituais e Festas Bororo” fez parte da Seção de Cinematografia e Fotografia da Comissão Rondon. Além dele, Reis, produziu outros quatro filmes: “Os sertões de Mato-Grosso” (1912); “Ronuro, selvas do Xingu” (1924); “Viagem ao Roraima” (1927); “Parimã, fronteiras do Brasil” (1927); “Os Carajás” (1932); “Ao redor do Brasil – Aspectos do interior e das fronteiras brasileiras” (1932) e “Inspetoria de fronteiras” (1938).

Vivência e narrativa
Segundo os pesquisadores, “Rituais e Festas Bororo” pode ser chamado de documentário etnográfico porque foi filmado no decorrer de 10 semanas, o que permitiu ao diretor ter um tempo de vivência da cultura dos Bororo para, mais tarde, conseguir retratá-la na película, que também passou por processos de edição e montagem.

“Um documentário etnográfico é um filme feito a partir de uma longa convivência entre cineastas e povos nativos e que procura captar o ponto de vista daqueles que são filmados. O olhar que se lança é o de buscar produzir conhecimento a partir da imersão na cultura do outro”, explica Sylvia.

De acordo com ela, o filme de Reis contém um eixo narrativo, diferentemente dos filmes de viagem da época, “como aqueles feitos por Silvino Simões Santos Silva ou Edgar Roquette-Pinto”, nos quais os diretores organizavam as imagens conforme o desenvolvimento de suas viagens e não se detinham em filmar eventos pontuais.

Para Paul Henley, outra diferença é que os filmes de viagem feitos no mesmo período não tinham uma autonomia narrativa das imagens, necessitando muitas vezes da participação de uma pessoa que, no momento da projeção, ficava em frente a tela contextualizando as imagens que passavam como slides. “Já o de Reis faz um tratamento interno da narrativa, por meio da inclusão de legendas para explicar ou conectar
situações”, esclarece o pesquisador britânico.

O ritual funerário Bororo
Os rituais funerários Bororo são longos. Logo após a morte, o corpo é colocado no centro da aldeia, em uma sepultura temporária. A cova é regada diariamente para acelerar a putrefação. Depois da decomposição, os ossos são limpos, ornamentados e colocados em um grande cesto funerário. Fica então cerca de uma semana na aldeia até ser levado a uma lagoa onde o cesto será submerso na água.

Todo o processo pode durar de um a três meses. É durante esse período que numerosos rituais são celebrados em honra ao morto. “A cerimônia funerária acontece até hoje da mesma maneira e é essencial para os Bororo, na medida em que também simboliza a recriação de sua sociedade”, detalha Sylvia, que já presenciou mais de 40 funerais.

Atualmente, conforme a Fundação Nacional do Índio (Funai), aproximadamente dois mil indígenas da etnia habitam Mato Grosso, em cinco terras indígenas demarcadas: Jarudore, Meruri, Tadarimana, Tereza Cristina e Perigara.

Veja o filme “Rituais e Festas Bororo”:

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