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Uma termelétrica de Cuiabá no centro das atenções

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Uma termelétrica de Cuiabá no centro das atenções

Gcom-MT

termelétrica

 

Em uma conversa de 57 minutos e seis segundos, o dono da JBS, Joesley Batista, grava o deputado federal Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR), homem de confiança do presidente Michel Temer, interferindo a seu favor em uma disputa entre a Empresa Produtora de Energia (EPE), que Joesley comprou em 2015 em Cuiabá, e a Petrobras. 

No encontro em Brasília, o deputado pede, por telefone, ao presidente interino do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), Gilvandro Araújo, para que analise uma questão de interesse de Joesley “com carinho”. Ao fim do encontro, Joesley oferece a Loures uma propina de 5%. O grampo integra a delação premiada firmada pelo empresário com a Procuradoria Geral da República (PGR).

O LIVRE transcreveu parte da conversa, divulgada nesta sexta-feira (19) após a retirada do sigilo dos processos, promovida pelo ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF). A transcrição é literal. 

No início, Joesley explica a questão a Loures:

– É o seguinte é a EPE de Cuiabá, é Empresa Produtora de Energia, EPE de Cuiabá. A EPE de Cuiabá, ela tem um gasoduto que vai até a Bolívia. O que aconteceu? A Petrobras foi lá e comprou todo o gás. E aí, a minha EPE só vive do gás da Bolívia. Que que acontece? Toda hora que a energia sobe de preço, que dá pra mim rodar, que eu preciso do gás, a Petrobras também precisa do gás, a Petrobras pega o gás tudo e eu fico sem o gás.

– E aí você não pode rodar tua…? – diz Loures.

– Eu nunca rodo, porque quando o preço tá baixo, eu não rodo porque o preço tá baixo, quando o preço tá bom, eu não rodo porque não tem o gás. Aí nós entramos com uma reclamação dizendo o seguinte, ô Cade [Conselho Administrativo de Defesa Econômica], a Petrobras está monopolizando o gás, ela simplesmente chegou lá e comprou todo o gás, e eu fiquei sem gás.

– Tá.

– Eu disse o seguinte, me dá uma liminar que no fundo tudo o que eu preciso é o seguinte… – continua Joesley.

– É uma quantidade, uma cota… – interrompe Loures.

– É uma cota…

– Ou acesso…

– Tudo o que eu preciso é que a Petrobras saísse da minha vida. Eu não preciso da Petrobras. É que ela não comprasse tudo. Eu tenho meu gasoduto próprio, eu tenho meu contrato com a Bolívia, o boliviano me vende, só tem que a Petrobras deixar.

– Mas tem alguma coisa lá, Joesley, tipo um direito de passagem, uma ligação…

– Nada. Nada precisa da Petrobras. Se a Petrobras não existisse na minha vida… Nós dois compramos gás da Bolívia 30% mais caro do que a Petrobras compra. A Petrobras compra, sei lá, a 10, a gente compra 13. O problema é o seguinte, aí a Petrobras fala assim: ‘Não, mas eu te forneço o gás’. Mas a que preço? Aí o que acontece? Ela faz a conta reversa, ela vê a que preço eu tô vendendo energia, toda semana, e ‘ah, então você pode pagar o gás a 20’. ‘Ah, então é vinte’. ‘Subiu mais, então hoje é 30’. Ela nunca deixou eu ganhar dinheiro. Entendeu a briga nossa?

– E provavelmente essa reunião com o “Kenes” [nome de algum funcionário do CADE não identificado] é para instruir… – presume Loures.

– Nós estamos entrando lá com um pedido de liminar dizendo o seguinte: ou a Petrobras não compra os dois mil mega não sei que lá de gás, para deixar para nós, ou ela nos vende ao preço que eu compro do boliviano, que é 30% de lucro ainda.

– Tá, vou ligar para eles agora aqui na sua frente aqui. Então é só para que eles tenham…? Enfim…

– Eu preciso da liminar. No fundo é isso. Eu tô entrando lá com um pedido da liminar. E diz que o superintendente consegue dar. Se ele me der, acabou.

– Posso ligar para ele já?

– Lógico, lógico – retruca Joesley, e continua seu argumento:

– É 165 reais por megawatt. Agora por exemplo está 238. Mas, para fazer uma conta redonda, se tiver a 265… 100 reais. A cada 100 reais, eu ganho um milhão por dia. Pode ser que essa energia, e é normal, ir a 365. Eu ganho 200, fica dois milhão por dia. Pode ser que ela vai a 465, normal, já foi a 465… eu ganho três milhão por dia. (…) A Petrobras sabe fazer essa conta. Aí ela sobe o preço do gás e eu não ganho porra nenhuma. Fico refém dela a vida inteira.

Posteriormente, Loures questiona se Joesley fez algum outro movimento junto a algum órgão do governo, além do CADE. Joesley explica que teve conversas na Petrobras com o ex-presidente Aldemir Bendine e o atual presidente Pedro Parente. Neste momento, Rodrigo Rocha Loures telefona para sua secretária e pede para que ela ligue ao Dr. Gilvandro [Gilvandro Vasconcelos Coelho de Araújo, presidente do CADE] ou ao Dr. Eduardo [Eduardo Frade Rodrigues, superintendente-geral do CADE].

No minuto 19:11 da gravação, Joesley ressalta o tamanho do negócio:

– Esse negócio, essa térmica, o maior deal que pode existir, o maior, que que é o negócio?, é o seguinte, se nós conseguir isso… um milhão, dois milhão, três milhão por dia. Só que não roda o ano inteiro porque energia não fica acima de 165 o ano inteiro, mas dá para rodar cinco meses, cinco meses, se a Petrobras liberar o gás para nós. É… um milhão por dia é trinta pau por mês. Dois milhões é sessenta. Se rodar cinco meses…

– Cinco meses – repete Loures, com a voz entusiasmada.

– Trinta vezes cinco é cento e cinquenta, trezentos pau [R$ 300 milhões] por ano. É muita grana. De um lado. Agora, depois, a grande tacada, se nós conseguisse isso, e eu queria sentar com você, tinha que fazer um deal de longo prazo, que era fazer uma venda de 20 anos e uma compra de gás de 20 anos.

– Com preço fixo? – questiona Loures.

– Com preço fixo. Aí você faz essa receita com vinte anos. Aí acabou. É 300 milhão por ano vezes 20 anos é seis bilhão (…) Esse é o maior deal que tem na praça.

Telefonema suspeito
A secretária liga de volta. Gilvandro está na linha. Loures inicia a conversa querendo marcar um encontro com Gilvandro e Eduardo. Adianta o assunto:

– Na segunda-feira agora, dia 20, na semana que vem, o “Kenes” [nome não identificado], que pelo que me parece trabalha lá com o Eduardo, vai tratar lá de um assunto da EPE Cuiabá. (…) Vai haver uma reunião com os representantes dessa EPE Cuiabá que é uma usina termelétrica, tem lá uma questão com a Petrobras. Eles tão trazendo e vão fazer uma consideração, que já apresentaram pra nós, relativa a essa questão de gás, porque embora eles tenham acesso ao gás, tenham o gasoduto e condição de acessar, o fato é que está havendo lá uma questão com a Petrobras que na ótica deles a Petrobras está usando, digamos, de uma condição, como se fosse um monopólio, para impedir que a companhia possa dar continuidade. Isso vai naturalmente afetar a condição desta termelétrica de funcionar e como para nós, naturalmente a Petrobras também governada pela União, mas é preciso garantir sobretudo porque a gente vai entrar agora também (…) – A conversa fica um tanto confusa, mas logo se esclarece. Loures continua:

– Mas o que eu queria só considerar aí com vocês e verificar se isso está sendo acompanhado por você, se isso está no seu radar ou no do Eduardo, porque como eu não conheço, não me lembro de ter conhecido “Kenes”, eu só não sei se de repente não é o caso, como chegou pra nós aqui, eu acho que seria bom que o Eduardo ou você, na realidade o Eduardo, pudesse olhar isso com carinho (…)

Gilvandro confirma que a questão “está no radar” e que pretendia falar com “Kenes”. Depois de desligar o telefone, Loures dispara:

– Ele entendeu perfeitamente.

Joesley concorda, e cita Michel Temer ao oferecer uma propina de 5% dos valores que vier a arrecadar caso a interferência no CADE surta efeito:

– Entendeu perfeitamente. Desse negócio é o seguinte: vamos lá, vamos entregar [a liminar] e, enfim, se der certo é um fantasma que eu tirei da minha frente. A gente resolve o problema no curto prazo. (…) O Temer mandou falar então eu vou falar com você, nós vamos abrir, desse negócio aí, 5%.

– Tudo bem, tudo bem – responde Loures.

Na mesma gravação, Loures faz um novo telefonema. Numa conversa com Eduardo Guardia, secretário-executivo do Ministério da Fazenda, pergunta sobre indicações para vagas no CADE. Mais tarde, Joesley fala de outros pontos de seu interesse, questões que precisariam ser resolvidas junto à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e à Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN). Loures lembra que Jorge Rodrigo Araújo Messias, o “Bessias” – que ficou famoso depois de ter sido citado no grampo em que Dilma Rousseff comenta com Lula o envio do termo de posse para que assumisse a Casa Civil, no início de 2016 – voltou a trabalhar na PGFN. A partir da gravação, compreende-se que Messias estaria defendendo interesses de Michel Temer dentro do órgão.

No fim da conversa, Joesley confidencia a Loures que a editora que prepara o livro de Eduardo Cunha o procurou, dizendo que o ex-deputado, preso em Curitiba, o havia indicado para que financiasse a obra. Joesley conta que recusou. E se despede de Loures:

– Ó, dá um abraço no chefe, viu?

Mais tarde, em outra ocasião, Loures foi fotografado pela PF ao receber, numa pizzaria em São Paulo, uma mala com R$ 500 mil em espécie. O dinheiro foi entregue pelo diretor da JBS e também delator, Ricardo Saud. Segundo a delação, constituiria a primeira parcela da propina referente ao caso da EPE Cuiabá.

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