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Último, o bombeiro que sempre chega primeiro

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Último, o bombeiro que sempre chega primeiro

Ednilson Aguiar/O Livre

Corpo de Bombeiros Militar

No Evangelho de Mateus, capítulo 20, versículo 16, os católicos aprendem que “os últimos serão os primeiros… pois muitos serão chamados, mas poucos escolhidos”.

Na vida do 3º sargento do Corpo de Bombeiro, Último Lins, o trecho bíblico faz muito sentido. Desde que entrou para corporação, há quase 20 anos, Último tem sido o primeiro a chegar em grandes ocorrências fora do seu expediente.

Foi assim no incêndio do Edifício Central Park, no último dia 20, no bairro Jardim das Américas, em Cuiabá. A rapidez ao chegar ao 14º andar, onde o incêndio começou, fez com que ele fosse chamado de “herói” por muitos moradores.

Tímido, ele rejeita a titulação. “Não tem nada de herói. Só apliquei as técnicas que aprendi durante o curso, com os recursos disponíveis no momento”, afirma.

Último tinha encerrado mais um dia cansativo de trabalho. Montou em sua bicicleta e seguiu do Porto rumo à Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), onde cursa sua segunda graduação: educação física. A primeira é farmácia.

“Liguei para minha esposa avisando que em minutos estaria na portaria da universidade para pegar meu material com ela”, lembra. Ao chegar à portaria, notou que algo estava errado no prédio vizinho ao terreno da UFMT. Alertado por um guarda – de nome Rodrigo – saiu correndo em direção ao prédio.

“O tempo parecia ter parado por um instante, então, pensei que os bombeiros já estavam lá. Mas, ao andar, notei que não havia luzes de giroflex. Foi nesse momento que entendi que precisava correr”, lembra.

Ao notar que ainda haviam pessoas nos andares, ele não hesitou e subiu 14 andares de escadas, sem qualquer equipamento de proteção, com um objetivo único: salvar vidas. O preparo físico de maratonista ajudou, mas o “psicológico” conta muito, revelou.

No 14º, onde o fogo se espalhava, a surpresa. Uma moradora idosa, vizinha ao apartamento que pegava fogo, recusava-se a deixar o local. “Era uma cadeirante e estava irredutível”, disse.

Para que ela não ficasse com trauma, mesmo sem roupa adequada, Último entrou no apartamento em chamas, utilizou o hidrante e conseguiu conter o fogo nos quartos. Mas foi preciso aguardar os colegas de farda para que, em conjunto, pudessem conter as chamas da cozinha – intensas devido ao gás.

“A gente sempre fala: primeiro a vida, depois o patrimônio, mas, para não traumatizar, resolvi arriscar”, lembra.

Depois da façanha, o vigilante que saiu em disparada atrás do sargento registrou algumas imagens da câmera de celular. Em poucos minutos, é possível ver Último tentando se recompor, enquanto é chamado de herói por Rodrigo. “Bombeiro, o senhor é um herói”, diz.

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Essa não foi a primeira vez que Último foi o primeiro a chegar em uma ocorrência. Há cerca de 15 anos, ele estava de folga e visitava a mulher que seria sua futura esposa, Cristiane.

Próximo à Universidade de Cuiabá, ele ouviu os gritos que vinham da rua Portugal. “Bombeiros, chamem os bombeiros”, gritavam os moradores.

Lá foi ele de camiseta de malha, shorts e chinelo de dedo socorrer um jovem que havia esquecido “nuggets” no forno e acabou colocando fogo em toda a casa. O garoto ficou preso no quarto e foi preciso arrombar a porta. “Consegui salvar ele apenas com um corte no pé, que fez ao tentar derrubar a porta”.

Para a vizinha de Cristiane, Jaqueline dos Santos, o ato de bravura do sargento ficou marcado. “Faz tanto tempo, mas lembro dele saindo com o botijão de gás na mão, abafando o fogo. Foi incrível”, disse.

Já o bombeiro lamenta ter que jogar fora a camiseta e os nuggets queimados. “Os salgadinhos não ficaram bons, minha camiseta nova joguei fora, mas a vida foi salva”, comemora.

Capotamento
Ao lado da namorada, Último em mais uma folga merecida seguia para Chapada dos Guimarães tirar umas horas de descanso, não fosse um capotamento que presenciou na MT-251.

Novamente, o sargento largou tudo e, com a ajuda de um guincho que passava pelo local, conseguiu levantar o carro e resgatar o garoto preso às ferragens até a chegada do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). “Eu tenho a oportunidade de estar nos lugares onde as pessoas necessitam de ajuda”, comenta.

Ednilson Aguiar/O Livre

Corpo de Bombeiros Militar

INSS
Em 2008, o sargento almoçava no restaurante da namorada no centro da cidade, quando avistou fumaça no prédio do INSS, na avenida Getúlio Vargas. Mais uma vez o instinto da profissão falou mais alto.

Utilizando as escadas externas, conseguiu chegar até o 11º e 12º andar onde o fogo havia começado. “Controlei para que não se alastrasse até a chegada dos meus colegas. Ali tem muitas divisórias, papeis, material altamente inflamável”, conta. Devido à agilidade, ninguém se feriu.

Copa das Confederações
Em 2013, o sargento foi escalado para um serviço na cidade Maravilhosa, Rio de Janeiro. Num dia de folga, decidiu ir até um shopping na cidade de Niterói. Era junho e no país muitos protestos políticos aconteciam.

Ao lado do shopping, Último se viu em meio a um desses protestos. “Era muita gente e a tropa de choque se aproximou com gás lacrimogênio para conter a multidão”, explica.

Em meio ao caos, mais uma vez o bombeiro foi o primeiro a prestar socorro a uma mulher grávida, que havia desmaiado depois de ser atingida pelo gás. “Carreguei ela no colo por metros, entrei num prédio e subi uns quatros andares com ela, para que ficasse longe do ambiente gaseificado”.

As imagens de Último resgatando a mulher foram exibidas em rede nacional, durante o programa Cidade Alerta. “Eu só quero atender bem a população, esse é meu motivo de orgulho”, destaca.

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Riscos
Ao LIVRE, o sargento garante que na hora de uma ocorrência não dá tempo de pensar nos riscos. “Eu não me importo, mas minha mulher sempre reclama”, brinca.

Inúmeras são as dificuldades, entre elas a fumaça, o forte calor, falta de ar, por vezes a escuridão, mas nada impede Último de focar em salvar vidas. “Meus colegas também fazem isso. Eu não sou o primeiro, nem vou ser o Último a fazer. Que venham novos bombeiros”, finaliza.

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