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Publicitária cria Instagram para externar dor e passa a ajudar vítimas da depressão

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Publicitária cria Instagram para externar dor e passa a ajudar vítimas da depressão

Ednilson Aguiar/O Livre

Cláudia Castanho

A publicitária Cláudia Castanho, de 37 anos, que ao tentar superar a depressão passou a ajudar outras pessoas na mesma condição

Uma mulher de 37 anos, extremamente jovem, símbolo de fortaleza e eficiência para quem a via de fora, mas que carregava em seu interior uma doença que machuca e destrói, a depressão. A publicitária Cláudia Castanho viu sua vida desmoronar logo após realizar o sonho de se formar.

Após uma tentativa frustrada de engravidar, Cláudia entrou em uma grande crise que a fazia esquecer coisas básicas no trabalho e sentir medo até de sair na rua.

Ela, que era sempre disciplinada com alimentação e treinos, abandonou o trabalho, engordou 20 quilos, perdeu a vontade de sair da cama e começou a planejar a morte.

Foram meses de dor e sofrimento, até que sentou com o marido, Edivaldo Castanho, de 34 anos, e contou que estava planejando tirar a própria vida. O companheiro de uma vida toda, após o susto e não saber como reagir, “aceitou” a decisão dela.

Porém, logo depois Edivaldo procurou ajuda, a levou para o psiquiatra e mais tarde para o psicólogo e este orientou Cláudia a abrir para todos a sua condição de depressiva.

Foi assim que Cláudia Castanho criou uma conta no Instagram, começou a compartilhar sua vida – primeiramente de forma privada – e, sem perceber, passou a ajudar dezenas de pessoas que, assim como ela, viviam com o fantasma da depressão.

Para os amigos que não sabiam de nada, um susto. Para Cláudia, uma nova chance de recomeçar sua vida.

A depressão

Cláudia sempre se mostrava uma mulher muito forte e, por isso, pegou a todos de surpresa quando assumiu a depressão. A psicóloga Flávia Haddad afirmou que é comum a doença surgir, independentemente do que esteja acontecendo por fora.

“A depressão é causada por diversas variáveis, mas desencadeada por uma situação; é como se uma gota fizesse transbordar aquele copo de água. São variáveis mal resolvidas, que vão causando todas essas tristezas e uma satisfação só não será suficiente para abrandar essa dor, que é de tantas outras coisas ao longo do histórico de uma vida inteira”, explicou a psicóloga.

“A depressão é causada por diversas variáveis, mas desencadeada por uma situação; é como se uma gota fizesse transbordar aquele copo de água”

Em uma entrevista com muitas lágrimas, Cláudia contou que convive com a doença desde pequena, mas que só foi se dar conta disso após a última crise, no início deste ano, através da terapia.

“Com a terapia eu estou descobrindo coisas que eu não fazia ideia. Mas fazendo um retrospecto, toda a minha vida se resume sempre em recomeçar, sempre em rebobinar alguma coisa para me manter ativa, para me manter viva”, disse.

Com uma infância difícil, causada pela criação de uma madrasta, a publicitária cresceu nas casas dos vizinhos, visto que era a forma do pai de resolver o problema entre a filha e a esposa.

Quando chegou à vida adulta, ela precisou escolher entre estudar, ou trabalhar e resolveu iniciar sua carreira e abandonar os estudos, que só veio a retornar muito mais tarde, em 2012.

“Eu sempre me via diante de um problema, de uma tristeza, um sentimento ruim, então eu parava e pensava assim: ‘eu tenho que fazer alguma coisa para me agarrar aqui’. Eu já me agarrei a Deus, à escola, a atividades físicas, já me agarrei a tantas coisas e a última coisa a que eu me agarrei foi tentar engravidar. Antes disso, foi a faculdade, estudar foi um sintoma, uma solução que eu tive para penúltima crise que eu tive em 2011”, contou.

A cada crise, uma nova tentativa de suicídio, mas até então sem o diagnóstico, visto que Cláudia nunca tinha procurado ajuda profissional até a última crise, que começou com sinais de ansiedade, ainda no final da faculdade, em 2016.

Cláudia se formou em publicidade e deu início a seu segundo emprego dentro da área. Lá a ansiedade aumentou. Ela descreveu como um “medo absurdo”.

“As pessoas falavam comigo e eu me sentia menos, inferior e de novo aquela sensação de ‘o que eu estou fazendo?’, precisando iniciar um novo ciclo, foi aí que eu tentei engravidar”.

Foram alguns meses de tentativa e, por não conseguir, acabou se sentindo frustrada. Ela trocou de emprego e foi nesse momento que perdeu o controle e caiu de vez na depressão.

Quando via o patrão se sentia tensa, esquecia coisas básicas do trabalho, coisas que já fazia há muito tempo, quando precisava entregar alguma arte, sentia uma espécie de terror e muito medo.

“Quando vi já estava desse jeito, pensando em me matar, pedindo para o Edivaldo me ajudar. E foi assim até ele me arrastar para um tratamento, porque eu não queria”

Ela parou de ir para o trabalho, não saiu mais da cama e seu marido precisou ir até a empresa para pegar seu acerto e explicar ao patrão o que estava aconteceu. Foram seis meses sem sair do quarto.

“E quando vi já estava desse jeito, pensando em me matar, pedindo para o Edivaldo me ajudar. E foi assim até ele me arrastar para um tratamento, porque eu não queria”, contou.

O tratamento
Cláudia contou que não teve um momento de aceitação, mas foi algo natural. Primeiro foi para um psiquiatra, que a medicou. Ela passou meses tomando muitos remédios, mas sentia como se isso acentuasse seu estado de tristeza.

“Quando estava medicada eu ficava muito tranquila, mas o fato de estar muito tranquila me dava mais tempo, mais consciência de pensar a maneira como eu ia me matar. E era assim, então não estava adiantando”, explicou.

O marido então resolveu procurar um psicólogo. E desde então ela tem feito terapia duas vezes por mês. Ela disse que tem conseguido se abrir e sair mais aliviada, pois consegue contar coisas que não contou a mais ninguém.

Ela abandonou os remédios e tem se mantido somente com a terapia. “Com o tratamento eu tenho tido resultados no sentido de me conhecer melhor, então eu acho que o decorrer dessa terapia tem me feito bem, eu só não sei te falar quando vou estar curada”.

Consequências da doença

A publicitária contou que a doença lhe trouxe várias consequências, além dos 20kg a mais na balança, Cláudia acabou afastando amigos de si.

“Uma coisa que eu falo para o meu marido é o seguinte, eu sou uma pessoa muito complexa no sentido de eu gostar de estar sozinha, eu gostar da solitude, mas detestar a solidão”, afirmou.

Ednilson Aguiar/O Livre

Cláudia Castanho

Cláudia abriu sua vida ao Livre, em meio a muitas lágrimas

Ela disse que tem se tornado introspectiva e até mesmo antissocial, visto que deixou de ir a lugares movimentados, não consegue nem mesmo ir a shoppings, ou conversar com os vizinhos na porta de casa.

“Mas eu sinto falta disso, então é uma coisa que eu não entendo o porquê. Eu queria gostar, eu queria ter uma vida social, ser mais sociável, ser mais simpática com as pessoas, eu afastei muitas amigas, fui colocando outras coisas como prioridades, que me turbinaram a cabeça e quando eu vi já tinha afastado”.

Apoios

Embora seja a mais velha de 12 irmãos, Cláudia só se sente realmente compreendida pelo marido. Ela explicou que como as irmãs são evangélicas, em grande maioria dos momentos afirmam que isso acontece porque ela “não tem Deus”.

“Eu não acredito em Deus. E não gosto muito de ficar falando que não acredito, para evitar desgaste, porque as pessoas tentam me convencer que Deus existe e eu não preciso disso, eu não preciso convencer ninguém que Deus não existe, sou eu que não acredito e pronto. É que nem acreditar em Papai Noel, uns acreditam, outros não”.

Com isso, seu grande apoio – a qual ela chama de incondicional – durante todo tratamento tem sido o marido, com quem divide a vida há 11 anos.

“Se eu decidir tirar minha vida, ele não vai me impedir, porque eu conversei com ele de uma forma tão séria que assim, a vida é minha, se eu estou sofrendo, o sofrimento é meu e ninguém está sofrendo por mim, sou eu que estou sentindo na carne, então ninguém tem direito de impedir que eu tire o meu sofrimento”, disse.

O companheiro de uma vida toda foi a primeira pessoa com quem a publicitária se abriu e contou que queria se matar. E a sensação, segundo Edivaldo Castanho, foi de que tudo tinha acabado, mas sua reação foi ainda mais inesperada.

“É uma coisa que você não espera que vai acontecer. E eu acredito que sou um pouquinho fora da curva, então eu aceitei até bem. Respeito muito ela, então o único questionamento que eu fiz foi, ‘é, eu vou ficar sozinho, e ai? Você vai e eu fico? Vou ficar aqui sozinho, sofrendo?’”, contou Edivaldo.

Depois da reação de aceitação e a percepção de que ficaria a saudade, Edivaldo disse que começou a pensar se era realmente isso que a esposa queria e se fazer algo ajudaria, ou pioraria o sofrimento dela.

Foi ele quem procurou o psiquiatra e depois o psicólogo, foi ele que insistiu quando Cláudia já havia desistido. E, com grande amor e fidelidade à esposa, ele resolveu lutar.

“Além do amor que eu sinto por ela, pela vida inteira que tenho ao lado dela e ainda tenho para viver, a única certeza que tenho é que eu vou sempre estar com ela e isso que é o gostoso. Independente do que acontecer, se tiver uma catástrofe mundial, se tiver uma guerra, se o mundo tiver acabando, qualquer coisa acontecer, a única certeza que tenho é que vou estar com ela. Isso que é o que faz a gente seguir, continuar”, contou.

Ednilson Aguiar/O Livre

Cláudia Castanho

Edivaldo foi quem procurou ajuda para Cláudia

O Instagram

A ideia de criar a rede social surgiu em uma sessão de terapia. Até o momento poucas pessoas sabiam da doença. O psicólogo então sugeriu que ela encontrasse um hobby que a forçasse a fazer algo todos os dias, a se envolver e o marido a propôs criar um Instagram.

No início Cláudia postava, mas o mantinha privado, pois tinha vergonha de mostrar como estava, pela doença e pelos quilos a mais.

“A última vez que alguém tinha me visto foi em uma visita que eu fui fazer ao psiquiatra. Minha dentista me viu na fila do psiquiatra e tomou um susto. Ela não comentou nada, eu só vi a reação dela no olhar, assustada”, lembrou.

No dia, a publicitária abandonou a consulta e voltou para casa arrasada.

Ela só abriu o Instagram para o público quando criou coragem e postou em seu Facebook que estava com depressão e três fotos comparativas com seu antes, sua fase fitness e o corpo que tinha chegado com a doença. (Veja a postagem)

Reprodução

Cláudia Castanho

Postagem em que Cláudia assumiu a depressão para os amigos

“Abri para todo mundo que eu estava com depressão e todo mundo viu como é que eu estava. Foi meio que libertador para mim”, relatou.

Quando se abriu, Cláudia recebeu dezenas de mensagens de amigos e colegas e se sentiu amparada ao ver que não era só ela que passava por isso.

Ela abriu o Instagram, começou a postar diariamente e ganhou seguidores que, assim como ela, sofriam ou com a depressão, ou com o sobrepeso.

“Todos os dias eu tenho com quem conversar, com quem trocar experiência e isso me fortalece um pouco, porque vejo as pessoas falarem que estão se inspirando em mim, ou me mandam energia boa e isso me ocupa bastante, me mantém ativa, me tira da cama”.

Ela ainda não se vê como uma fonte de inspiração, ou motivação, mas o Instagram tem colaborado para seu tratamento.

Há três meses o marido deu a ela uma esteira e ela começou a se exercitar em casa, já que ainda não se sente bem para ir a uma academia, e a se alimentar – e todos os dias posta fotos dessas refeições.

“Eu tenho feito do Instagram um blog diário, eu posto tudo que eu faço de comida, exercício, apareço pouco, porque eu ainda tenho um pouco de vergonha de mostrar, timidez, não sei. Mas isso tem me deixado bastante envolvida, esse fato de eu ter o que postar, eu ter o que falar, eu ter o que compartilhar”, disse.

O administrador Alan Barros é um exemplo de pessoa que usa da sua experiência com a depressão para ajudar outras pessoas com a doença.

Após 20 anos entre altos e baixos, Allan criou um projeto chamado “Tenho depressão e agora? #Fale”. Para ele a parte mais importante do processo de cura é o que Cláudia está fazendo, externar sua dor.

“O ‘falar’ para mim é o princípio de tudo, é quando você consegue falar sobre seus sentimentos, sua tristeza e consegue assumir que tem depressão, ou que tem sintomas que podem ser depressão. Eu só consegui entrar em processo de cura e superação através do momento que falei de coração, de verdade”, disse.

Allan lançou um livro que leva o nome do projeto, cuja um dos capítulos é uma lista com 11 atitudes que a pessoa precisa ter para vencer a depressão e a primeira é o falar.

A psicóloga Flávia Haddad acredita na mesma ideia. Ela afirmou que a partir do momento que você se escuta, detecta sua dor e o que a está causando, você se torna consciente e pode mudar.

“Eu acredito que o ser humano é um ser mutável e pode estar sempre se reinventando, se lapidando. Ao falar nós conseguimos nos escutar, ou ao falar para o terapeuta ele dá direcionamento e nós podemos estar mudando essa condição de depressivo, essa condição de estado de humor de tristeza muito grande”, disse.

Futuro

Atualmente, Cláudia não faz planos para o futuro. Como sempre foi de recomeços e planos, ela acredita que isso tenha sido um dos motivos que a levou à doença.

Ela ainda tem vontade de fazer mestrado, ou ir embora do país com o marido, mas prefere viver um dia de cada vez. Visto que todos os dias acorda diferente.

“Os meus dias são muito intensos. Hoje eu estou tranquila, acordei para fazer essa entrevista, então me programei, fiz tudo bonitinho, limpei a casa, tomei um banho, fiz minha alimentação, alimentei meu Instagram, interagi um pouco com o pessoal, estou bem hoje”, disse.

“Eu não estou dizendo que quero morrer, ninguém quer morrer, eu tenho uma vida boa com meu marido, eu tenho tudo que eu quero na medida do possível. Mas ao mesmo tempo não tenho nada”

Mas acrescentou que no dia anterior já não estava tão bem assim e que muitas vezes ainda sente vontade de não sair da cama.

“Eu não estou dizendo que quero morrer, ninguém quer morrer, eu tenho uma vida boa com meu marido, eu tenho tudo que eu quero na medida do possível. Mas ao mesmo tempo não tenho nada”, disse.

A psicóloga Flávia Haddad explicou que essa oscilação de humor emocional no depressivo é comum até que a pessoa consiga controlar a doença.

“Isso precisa estar sempre sendo monitorado. Eu digo para o depressivo que precisa sempre estar vigiando. Porque por mais que você se sinta em momentos depressivos, de tristeza, ou de angústia muito forte, a gente precisa se resgatar dessa condição e ter momentos altos”, afirmou.

Cláudia disse que é algo que não consegue explicar, pois tem dias radiantes e dias que sai da cama arrastada.

“Tem que tirar força de onde a gente não tem para poder enxergar alguma coisa bacana. Sabe o que é você olhar para envolta e ver tudo tão superficial, tudo tão sem sentido? Essas coisas a gente não explica”.

A depressão para ela é a falta de propósito, o não saber qual sua missão na vida. Porém ela vem tentando mudar sua história aceitando a depressão e lidando com ela de forma aberta.

“Porque todo dia é uma luta, então eu não vou falar assim: ‘Eu vou me curar da depressão daqui tanto tempo’. Tenho que pensar que hoje estou bem e se amanhã eu não estiver, vou dar um jeito de estar”.

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