Seis empresas foram destinatárias de quase metade do dinheiro pago pela Fundação de Apoio ao Ensino Superior Público Estadual (Faespe) a partir de convênios com órgãos públicos como o Tribunal de Contas do Estado (TCE) e a Assembleia Legislativa.
A fundação é investigada na Operação Convescote pela suspeita de desviar dinheiro por meio de contratos com o poder público e empresas de fachada.
O LIVRE obteve a relação das notas fiscais de serviço apresentadas à fundação por empresas terceirizadas no período de fevereiro de 2014 a junho de 2017. O levantamento soma R$ 45.485.031,48 em débitos.
O maior prestador
Cerca de 17% do montante pago pela Faespe — R$ 7.754.176,43 — se referem a notas emitidas entre novembro de 2014 e junho de 2017 pela Travessia Desenvolvimento Organizacional Ltda, empresa de consultoria que desde 2012 atua na linha de frente do PDI (Programa de Desenvolvimento Institucional) do TCE.
A Travessia tem como sócia, e representante em contratos assinados com a fundação, a consultora de Planejamento Estratégico do tribunal, Elisabete de Queiroz. Em 2012 e 2013, a empresa recebeu R$ 13,3 milhões em contratos diretos firmados com o TCE.
Arte sobre foto de Edson Rodrigues/O Livre
A Associação Plante Vida apresentou um total de R$ 4.585.672,37 em notas de serviço à Faespe. A entidade foi citada pelo Gaeco nas investigações da Convescote, em razão de ter depositado R$ 593.335,50 na conta de uma empresa supostamente de fachada.
Na listagem, a DGM Arquitetura Urbanismo e Serviços Ltda figura em terceiro lugar, com serviços que somam R$ 2.694.500,00. A F.B. de Freitas-ME, empresa de assessoria e consultoria de propriedade do advogado Fernando Biral de Freitas, emitiu notas que somam R$1.993.850,00.
Outra grande destinatária de pagamentos da Faespe foi a Vetor Pesquisas. Entre março e dezembro de 2016, a empresa apresentou seis notas de serviços que totalizaram R$ 1.334.000,00.
Na listagem da H.G. de Freitas ME, de propriedade de Hallan Gonçalves de Freitas, constam 83 notas à Faespe, emitidas de 20 de janeiro de 2016 a 1º de junho de 2017. O total cobrado foi de R$ 1.057.280,00. O empresário foi um dos 22 denunciados pelo Ministério Público na Convescote, sob suspeita de atestar, por meio de sua empresa, serviços inexistentes à Faespe.
Outras empresas citadas na operação constam da lista. São elas a Euro Serviços Contábeis (R$ 994.503,00), Benvenuti (R$ 688.025,00) e Carias (R$ 414.900,00).
A Euro, segundo o Gaeco, era responsável pela contabilidade da maioria das empresas investigadas sob suspeita de integrar o suposto esquema. Em depoimento aos promotores, um dos sócios do escritório, identificado como Marcos Antônio de Souza, confessou também ter emitido notas fiscais superfaturadas.
A Carias pertence a José Carias Neto, irmão de Marcos José da Silva, secretário executivo de administração do TCE, apontado pelo Gaeco como o líder da organização. Ambos foram presos na operação.
A Benvenuti tem como único sócio o empresário Luiz Benvenuti Castelo Branco de Oliveira que, em depoimento, admitiu que “emitia notas sem a respectiva prestação do serviço” e que devolvia 75% dos valores a Marcos José da Silva.
Adriano Carvalho/O Livre
Investigação
A primeira denúncia relacionada ao caso foi apresentada pelo Ministério Público na semana passada e cita 22 pessoas sob suspeita de envolvimento com crimes de formação de organização criminosa, peculato, lavagem de dinheiro e falsidade ideológica.
Em nota à imprensa, os promotores informaram que uma investigação complementar foi instaurada “para total elucidação dos fatos envolvendo a FAESP e outras instituições e entes públicos”.
Nesta terça-feira, a reportagem do LIVRE, na expectativa de ouvir os responsáveis, visitou as sedes das duas maiores empresas contempladas em volume de recursos nos convênios firmados com a Faespe, mas encontrou portas fechadas.
Ednilson Aguiar/O Livre
Sede da Associação Plante Vida, em Cuiabá: R$ 4,5 milhões em serviços prestados à Faespe
Situada no bairro Araés, a Travessia, maior beneficiada, funciona em um sobrado estreito, que não possui qualquer identificação na fachada.
Pelo interfone, a recepcionista respondeu que a responsável, Elisabete de Queiróz, permaneceria em viagem durante toda a semana e que, por essa razão, não haveria informação a ser dada.
A quase três quilômetros dali, no bairro Dom Aquino, apenas um morador do prédio onde fica a acanhada sede da Plante Vida deu as caras, porém, sem querer tecer qualquer comentário sobre o vizinho.
Em entrevista ao LIVRE, o presidente da associação, Luiz Fernando Alves dos Santos, disse que os gastos com contratação de pessoal correspondem à maior parte do volume financeiro envolvido nos serviços prestados à Faespe.
“Chegamos a ter mais de 60 funcionários simultaneamente. Entre ele, há especialistas, mestres, doutores. Os custos por hora trabalhada são muito expressivos”, justificou.
Entre as ações recentes da Plante Vida, Santos citou o caso da farmácia de alto custo da Secretaria Estadual de Saúde – um contrato de R$ 1.800.000,00 firmado em 2016. Questionado sobre o que exatamente a entidade fez, ele resumiu da seguinte forma: “Havia um gargalo de logística. Nós reorganizamos o fluxo, colocamos parâmetros e resolvemos o problema”, relatou.
O presidente também citou serviços prestados à Assembleia Legislativa que consistiram, segundo ele, na realização de programas focados em “qualidade de vida”. “Temos tudo registrado, com relatórios, fotografias e fiscalização dos setores responsáveis”, disse.
Sobre a citação do nome da entidade na Convescote, ele disse estar “tranquilo” e que o depósito identificado pagou por serviços executados. “Não fomos chamados até o momento, mas podemos provar que está tudo regular”, diz
O LIVRE não conseguiu contato com representantes da DGM. Por telefone, a diretora geral da Vetor, Miriam Braga, disse que todos os serviços prestados à Faespe podem ser comprovados.
O advogado Fernando Biral de Freitas, também por telefone, disse que todos os serviços pagos à F.B.Freitas foram prestados. “Não tenho mais nada a falar”, concluiu. O advogado de Hallan Freitas, Maurício Magalhães, não atendeu às chamadas da reportagem.
Ednilson Aguiar/O Livre
Sede da Travessia, que recebeu R$ 7,7 milhões da Faespe entre 2014 e 2017