Leis e Justiça

Procurador Deosdete Cruz: “Críticas ao MPE são resultado de atuação transparente”

O LIVRE entrevistou o procurador-geral de Justiça de Mato Grosso, Deosdete Cruz Junior

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Procurador Deosdete Cruz: “Críticas ao MPE são resultado de atuação transparente”

O procurador-geral de Justiça de Mato Grosso, Deosdete Cruz, entende que as críticas em relação à atuação do Ministério Público são resultado de uma atuação transparente.

Nesta entrevista especial para o Livre, o chefe do MPE no biênio 2023-2025, respondeu questões polêmicas, como as críticas em relação a supostas “regalias” dos membros.

Deosdete também reponde sobre questões ambientais, que em grande parte delas são consideradas “duras” demais por parte do MP, em um estado cuja economia é movimentada principalmente pelo agronegócio.

O PGJ ainda comentou sobre o caso do feminicídio sofrido pela advogada Cristiane Castrilon, onde o MP defende que o assassino, um ex-PM, fique em uma prisão comum. Na visão de Deosdete, se o feminicídio fosse praticado por um ex-procurador ou ex-promotor, o rigor do pedido seria o mesmo, pois segue uma análise técnica da aplicação do Direito.

Leia na íntegra

O MPE não raras vezes é criticado por se preocupar mais em beneficiar seus membros (como no caso dos iPhones e vale-covid, p.ex.) do que combater o crime efetivamente. Como o senhor vê essas críticas e o que considera como principal desafio nessa “empreitada” assumida este ano?

RESPOSTA: O Ministério Público do Estado de Mato Grosso cumpre fielmente sua missão constitucional no que atina ao combate ao crime, sendo sua atribuição o exercício privativo da ação penal pública, conforme prevê o artigo 129, I, da Constituição Federal. Por sua vez, o fenômeno da criminalidade e sua prevenção e repressão é uma questão complexa que exige a atuação sinérgica dos sistemas de justiça e segurança pública, com a indispensável análise dos fatores sociais e econômicos que permeiam sua ocorrência, e o MPMT concorre com sua parcela de responsabilidade para esta missão.

As críticas sobre os atos da gestão administrativa da instituição são recebidas com muita serenidade e respeito, afinal a instituição atua com transparência e se submete, como não poderia deixar de ser, aos órgãos de controle como o Conselho Nacional do Ministério Público e o Tribunal de Contas, sem prejuízo da atuação do Poder Judiciário.

Citando o caso do feminicídio sofrido pela advogada Cristiane Castrillon, qual o entendimento do MP sobre “prisões especiais” para determinados criminosos? E se, hipoteticamente, fosse um procurador ou promotor o feminicida?

R: A questão relacionada a prisões especiais não se trata de entendimento, mas de aplicação da letra da lei. O Código de Processo Penal dispõe em seu artigo 295 quais são os agentes públicos que devem ser recolhidos a quartéis ou a prisão especial, quando sujeitos à prisão antes de condenação definitiva.

Veja que este direito é aplicado para o que denominamos prisão processual, ou seja, aquela prisão que ocorre antes do cumprimento da pena propriamente dita. Esta prisão especial, segundo o §1º, do artigo 295 do Código de Processo Penal, consiste em recolhimento distinto da prisão comum, e não havendo estabelecimento específico para o preso especial, este será recolhido em cela distinta do mesmo estabelecimento (§2º).

A nossa insurgência no caso do feminicídio da advogada Cristiane consiste basicamente que o autor do crime não era mais policial quando matou a vítima, o que por si só já afasta a aplicação da referida norma do Código de Processo Penal, pois se trata de uma garantia de prisão especial para algumas pessoas em razão da função que ocupam, e segundo o Superior Tribunal de Justiça, extinto o vínculo do preso com a instituição policial cessa o direito à prisão especial. Por isso ingressamos com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade questionando parte de uma portaria da Secretaria Adjunta de Administração Penitenciária que estendeu para ex-agentes públicos da segurança pública a prerrogativa de serem recolhidos em unidade diferente dos demais presos, o que para nós representa uma injustificável benesse.

Para não deixar de responder à pergunta se o autor do feminicídio fosse um membro do MP, a resposta seria exatamente a mesma: se o promotor praticasse o crime e viesse a perder o cargo, ou se praticasse o crime após a perda da função, não teria qualquer direito ao recolhimento em prisão especial, porque o artigo 40, V, da Lei nº 8.625/93 outorga este direito apenas aos membros do Ministério Público, e não àqueles que tenham perdido o cargo.

Qual a sua opinião sobre a chamada “justiça restaurativa”? Não seria mais uma tentativa de justificar a prática de crimes e diminuir o rigor das leis estabelecidas no país?

R: De modo algum, não se trata de abrandamento e nem mesmo de impunidade. A justiça restaurativa nada mais é que a busca da solução de conflitos por meio do diálogo e da negociação, com a participação da vítima e de seu ofensor.

O resultado imediato da aplicação desse método é a reparação dos danos sofridos pela vítima, e não importará em desistência da ação penal em curso, exceto nos casos de crimes de menor potencial ofensivo que tramitam perante os juizados especiais. Portanto, é medida que se soma ao exercício da ação penal para que a justiça cumpra seu objetivo maior de pacificação.

O senhor considera que para a defesa do meio ambiente cabe a relativização do ordenamento jurídico, mitigando a rigidez positiva como forma de proteção do bem comum?

R: O meio ambiente é um direito de natureza transindividual ou difuso, ou seja, pertence a todos e é indivisível, cabendo ao Ministério Público sua defesa na condição de substituto processual, pois em nome próprio defende um direito que pertence a todos. Além disso, trata-se de direito indisponível, portanto, é irrenunciável a tutela jurídica deste bem jurídico essencial.

O senhor não considera que quando o Ministério Público ingressa com ações civis públicas ambientais multimilionárias e depois firma Termo de Ajustamento de Conduta muitíssimo abaixo do inicialmente requerido não gera um desconforto na população por se tratar de um bem jurídico indisponível?

R:  A ação judicial ambiental proposta pelo Ministério Público é a dedução de uma pretensão em desfavor daquele que supostamente incorreu em violação ou ameaça a bens jurídicos ambientais, de modo que o que se almeja com a ação não necessariamente será objeto de uma sentença condenatória, pois esta dependerá da verificação de vários fatores, dentre estes a análise das provas produzidas sob o contraditório e mesmo sobre a existência concreta da responsabilidade civil.

A Lei estabelece como dever dos membros do Ministério Público que priorizem a resolução dos conflitos pelos métodos autocompositivos, dentre os quais apresenta-se o Termo de Ajustamento de Conduta. A autocomposição é sempre mais vantajosa pois é possível cessar a atividade ilícita e repor os danos em menor tempo, haja vista que o requerido abrirá mão do uso de recursos a instâncias superiores, e nesse processo de negociação é comum e aceitável que o MP reduza a pretensão indenizatória inicial, mas jamais poderá abrir mão da do dever de restauração do bem jurídico ambiental diante de sua indisponibilidade.

É importante ressaltar que o TAC firmado antes da propositura da ação judicial, como dará causa ao arquivamento do inquérito civil, será submetido à análise do Conselho Superior do Ministério Público, ao passo que o TAC celebrado após a existência de ação judicial sempre deverá ser submetido à homologação judicial, o que afasta ou minimiza situações em que o ajuste possa caracterizar indevida disposição de bem jurídico indisponível.

As intervenções do Ministério Público na Administração Ambiental, como no caso da Ação Civil Pública dos Drenos, não desestabilizam a independência entre os Poderes e gera insegurança jurídica?

R: Um dos papéis constitucionais do Ministério Público consiste em “zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias à sua garantia” de modo que o que se denomina de intervenção na Administração Pública nada mais é que a atuação da instituição como órgão de controle. Como a ação civil pública dos drenos ou áreas úmidas está sub judice, e foi proposta por outro membro do Ministério Público, reservo-me ao direito de não comentar por respeito à independência funcional da colega.

O enfoque desproporcional em matéria ambiental por parte de algumas promotorias não acaba acarretando prejuízo à população em assuntos presentes?

R: Sempre que a atuação do membro do Ministério Público for equivocada haverá uma forma de controle e revisão. Se a atuação for extrajudicial, temos a possibilidade de revisão do arquivamento pelo Conselho Superior do Ministério Público, e sendo proposta a ação sempre existirá o controle judicial, com a possibilidade de reconhecer a improcedência dos pedidos da ação do Ministério Público.

Recentemente o governador Mauro Mendes pediu a criação de uma Lei à ALMT que restrinja a atuação de ongs em MT – em especial aquelas que desrespeitam o ordenamento jurídico estadual. Qual a sua opinião sobre isso?

R: Desconheço o projeto de lei, mas a criação e funcionamento de toda entidade pública ou privada deve observar fielmente ao disposto no ordenamento jurídico. Uma vez que o projeto de lei seja aprovado e sancionado, caberá ao Ministério Público verificar se a lei respeita as normas da Constituição Estadual, e havendo inobservância propor ação direta de inconstitucionalidade.

Como o MPE tem atuado em relação às facções criminosas existentes em MT, uma vez que elas vêm dominando certas regiões do estado, seja pela violência, seja pela imposição do medo?

R: O MPMT integra e coordena o GAECO (Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado), que é uma força tarefa permanente composta pela Polícia Militar, Polícia Judiciária Civil, Polícia Penal e Sistema Socioeducativo. Este grupo especial tem deflagrado e apoiado diversas operações de combate às organizações criminosas e atua como um braço do Estado neste desafio de conter as facções. Precisamos com urgência que os poderes constituídos olhem para a criminalidade organizada de um modo diferente e que tenhamos uma legislação mais dura para reprimir estas espécies de crimes.

O sistema prisional é o berçário destas facções, de onde novos membros são engajados na prática de crimes, por isso é passado o momento de que integrantes de organizações criminosas sejam tratados de modo diferente, com mais rigor. Contato reservado com advogados e visitas não deveriam ser permitidos a integrantes de organizações criminosas, apenas como exemplo do que deve ser feito para conter seu crescimento.

Podemos citar o exemplo de El Salvador, um país da América Central até então tomado pelas organizações criminosas que vem realizando um combate duro aos criminosos, tratando-os como terroristas, exemplo que já resultou na queda vertiginosa dos índices de violência naquele país.

Como o senhor vê a questão do armamento civil?

R: Tenho minha opinião sobre o assunto, mas o que importa não é como vejo este polêmico tema e sim qual o papel do Ministério Público sobre a política de armamento civil, e nossa função é objetiva e consiste em cumprir e fazer cumprir o que estiver previsto nas leis e normas regulamentares. A definição de política de armamento está confiada, portanto ao legislador.

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