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O rei do cinema em Cuiabá era húngaro e caiu sete vezes de avião

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O rei do cinema em Cuiabá era húngaro e caiu sete vezes de avião

Ednilson Aguiar/Olivre

Aníbal Alencastro

Aníbal Alencastro, que conheceu Bela Tabory pessoalmente, explica que graças a ele Cuiabá já teve 40 cinemas populares espalhados pela cidade

A tarde vai caindo devagarzinho em Cuiabá. Estamos no começo da década de 50, os carros são poucos e a pressa é mínima. Na parede lateral do Batalhão da Polícia Militar, no bairro Porto, imagens chamam a atenção dos pedestres. A luz vem do Cine Bela, um cineminha no bar do imigrante húngaro Bela Tabory, um dos pioneiros no negócio da sétima arte em Cuiabá.

Tabory foi um piloto da Força Aérea húngara que lutou na Segunda Guerra Mundial ao lado dos alemães e contra os russos. Ele sobreviveu a sete quedas no caça que pilotava, segundo relatos de seus descendentes. Em 1944, quando a União Soviética avançava sobre a Hungria, no episódio que ficou conhecido como “Ofensiva de Budapeste”, Tabory fugiu do país mais a mulher, Maria Tabory e o filho recém-nascido.

Em Cuiabá, o húngaro tornou-se o responsável pela proliferação dos “cineminhas” na cidade. Alugou filmes e projetores aos outros pequenos cinemas da capital até a década de 60. Atraía os espectadores projetando o trailer do filme para o lado de fora do seu cinema, na parede do batalhão.

Ao fim da exibição gratuita dos trechos, Tabory convidava os pedestres a entrarem no “Bar e Sorveteria Europa”, no interior do qual uma sala de cinema foi instalada. “Quem quiser continuar assistindo pague a entrada para poder ver melhor”, convidava ele em um português improvisado. A convocação era quase um chamado divino, tudo porque Tabory instalara um sistema de auto falantes pelo bairro, onde fazia a propaganda do seu negócio. 

“Primeiro papai montou o cinema dentro de casa, porque a casa era grande, tinha espaço. Mais tarde fez o primeiro cinema ao ar livre, já no próprio quintal da casa. Ele arrancou as árvores e fez uma tela de concreto para projetar as imagens, era rústico mesmo. Quando chovia passava o filme dentro da casa e quando fazia calor era lá fora”, contou Belo Tabory Júnior, filho do empresário que largou os estudos para ajudar no negócios da família naquela época.  

Arquivo Pessoal

Família Tabory

A família Tabory da esquerda para direita: Bela Tabory, Belo Tabory (primogênito), Maria Tabory e Átila Tabory, filho caçula nascido no Brasil

A era de ouro do cinema

Na opinião do historiador Aníbal Alencastro o sucesso de Tabory como empresário ocorreu principalmente porque a cidade carecia de entretenimento. O cinema chegou mais cedo. Já em 1912 a primeira sala era instalada. O entitulado Cine Parisien, o primeiro da cidade, foi mais tarde susbstituído pelo Cine Teatro. Só três décadas depois é que a primeira estação de rádio era criada, em 1942. 

“O pessoal via o Cine Teatro e não podia ir. Era um cinema mais acessível, um ‘cinema poeira’ mesmo. Porque lá era um luxo quando inaugurou, você tinha que ir de gravata. E nos cineminhas não, eles eram bem populares. No Cine Bela a pessoa entrava lá e assistia de qualquer jeito. Então o Bela acabou trazendo participação popular”, comentou o historiador, que conheceu Tabory pessoalmente e descreve as proezas do húngaro em um dos capítulos do seu livro “Anos Dourados do Nosso Cinema”.

De acordo com a publicação de Alencastro, cerca de 40 pequenos cinemas se espalhavam pelos bairros da cidade. Aproveitando uma tecnologia acessível, os filmes eram exibidos em rolos de 32 milímetros, cuja qualidade técnica era menor em comparação com as sessões do Cine Teatro ou do Cine Bandeirantes, cinemas considerados de elite.

A proliferação dos pequenos cinemas trouxe consigo a concorrência ferrenha. O próprio Aníbal conta que, ao inaugurar o Cine Popular na rua Marechal Deodoro, teve de driblar as táticas nem sempre legalistas dos rivais. E Tabory, segundo ele, era um exímio provocador que lutava sem descanso pela atenção do público. 

“Quando eu comecei a passar os filmes eu não comprava filmes dele. Eu comprava direto da Polifilmes, em São Paulo. Para se vingar ele transformou a casa da minha vizinha, onde era uma carpintaria, em cinema e passava filme quase de graça, cobrava muito pouco. Isso acabou comigo.”, lamenta.

Morte trágica

O imigrante húngaro que ajudou a popularizar o cinema na capital mato-grossense teve uma morte trágica, em 1962. Nos anos 60, com o advento da televisão, Tabory abandonou o negócio cinematográfico para investir em transporte coletivo em uma região onde o serviço era precário.

“Naquele época ele parou com tudo, decidiu que ia ajudar a cidade”, comenta o filho. Tabory comprou 11 kombis e montou uma das primeiras frotas de coletivo de Cuiabá. Os veículos iam do Porto ao Centro e do Coxipó à Várzea Grande. Em uma das viagens que acompanhava, ele teria se desentendido com um policial militar. 

“O policial embarcou no Porto. E papai tinha aquele jeitão meio grosseiro, ele era rústico. Quando acompanhava a viagem ele empurrava as pessoas para que elas fossem para trás. Segundo a defesa do policial, o papai empurrou ele. Ao saltar do coletivo, papai ajudava as pessoas a descerem e quando ele fazia isso o policial acertou um tiro nas costas dele”, conta.

Não há informações se o assassino foi absolvido ou não. De qualquer forma, a família também preferiu não insistir com um processo judicial “Eu era pequeno e a mamãe não sabia muito como fazer”, conta Belo. Ele diz que ainda guarda uma “máquina de cinema” diferente daquela que pertencia ao seu pai, mas que foi comprada como um amuleto para não esquecer do passado. “Está guardada de recordação só”, relata.

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