Ednilson Aguiar/Olivre
Cuiabá era uma cidade cheia de becos tortuosos e estreitos que foram dando lugar a ruas mais largas com o passar dos anos
Se hoje andar em um beco no centro histórico de Cuiabá pode ser arriscado, há algumas décadas era o que o cuiabano mais fazia. Por cerca de dois séculos os becos foram a conexão entre os moradores daquela cidade com jeito de vila.
Bêbados, prostitutas, trabalhadores braçais, festeiros e até homens de classe transitavam pelas ruelas antiguíssimas, dividindo espaço com carroças e homens a cavalo.
Quem conta tudo isto é o historiador Moisés Martins, que acompanhou a reportagem do LIVRE durante um passeio pelos becos. O ex-dentista é um homem de 76 anos apaixonado pela cultura cuiabana.
Além de ser um historiador frequentemente consultado pelos programas de televisão – e reconhecido com facilidade nas ruas -, Moisés tornou-se um exímio contador de casos. E, por conta disso, mescla as histórias da antiga cidade com suas recordações pessoais.
Muitos dos becos antigos já foram tomados por novas ruas e outros ainda resistem às transformações. É a partir dos anos 1930, quando um processo de urbanização muda os traçados das ruas, que os becos vão desaparecendo.
História
Segundo Moisés Martins, para entender como foi o desenvolvimento da cidade é preciso reconhecer que as ruas da antiga Cuyabá – na grafia dos tempos do Império – foram construídos de forma primitiva.
“Para entender esta Cuiabá de antigamente é preciso entender que aquelas ruas eram moldadas pelas patas dos animais, a nossa geografia era diferente da geografia das grandes cidades”, comenta o historiador.
Para saber qual o tamanho desta mudança a reportagem mapeou o que ainda resta destes elementos urbanísticos e mostra o que um dia eles foram – tanto pelo valor arquitetônico e histórico quanto pelo valor da memória de gerações que viveram e caminharam nesses locais.
Beco do Cabo Agostinho
Hoje chamado de travessa, o Beco do Cabo liga a rua 7 de Setembro à rua Ricardo Franco. De acordo com Moisés Martins, o beco tem esse nome em homenagem a um militar que fazia de “correio” entre a capital da província de Mato Grosso, Cuyabá, e a capital do Império, a cidade do Rio de Janeiro.
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Nos tempos em que a confiança “era um fio de bigode”, o Beco do Cabo Agostinho abrigava um “bulixo” que vendia fiado aos cuiabanos
Beco Alto
“Ali eu me lembro que nós descíamos de rolinho até a ponte da prainha”, comenta Moisés ao parar na frente do Beco Alto, próximo à praça da Mandioca. Assim como este, todos os outros becos do centro histórico apontam para o antigo córrego da prainha, que deu lugar a avenida homônima.
O beco liga diretamente a rua Pedro Celestino a rua Engenheiro Ricardo Franco. Com o tempo, construíram uma escada no local. A edificação além de diminuir a ladeira íngreme que dava impulso à descida, impede que algum dia crianças repitam a brincadeira que Martins um dia fizera.
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O Beco Alto hoje ocupado por uma obra realizada em um prédio histórico
Beco do Candeeiro
O mais conhecido dos becos de Cuiabá, o beco do Candeeiro, foi e ainda é um local de prostituição. Mas se antes a ruela era o recanto dos boêmios, hoje a criminalidade é muito maior e o álcool não é mais a principal oferta. No local, dependentes químicos dormem nas calçadas e tentam sobreviver a vida nas drogas.
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O beco do candeeiro tem este nome porque era referência de luminosidade na Cuiabá dos tempos do Império
Em julho de 1998 o beco foi cenário de um capítulo trágico na história recente de Cuiabá, quando três adolescentes de 13, 15 e 16 anos foram mortos a tiros por um policial militar. O episódio ficou conhecido como “Chacina do beco do Candeeiro”. O policial acusado de cometer o crime, Adeir de Souza Guedes Filho, foi absolvido por júri popular.
O beco do candeeiro foi uma das primieiras ruas da cidade a serem iluminadas após a chegada do novo presidente da província, Dom Rodrigues de Menezes. Daí o nome da viela. Menezes ordenou que instalassem tambores para que a rua fosse ilumidada pelas chamas. O combustível, segundo Moisés Martins, era o óleo de peixe. O produtoo era amassado na antiga Praça do Sebo, a atual Praça da Mandioca.
Beco Torto
A substituição do nome beco por travessa também ocorreu nesta ruela do centro histórico da Capital. Passar pela rua pode causar a curiosa sensação de que a via não terá fim. Para Martins, as ruas “anguladas” de Cuiabá são um charme se comparada as cidades cuja “geometria” é estática. O Beco Torto liga a rua Pedro Celestino à Ricardo Franco.
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O Beco Torto (Travessa 21 de Abril) é usado como estacionamento por muitos motoristas que frequentam o centro histórico de Cuiabá
Beco da Lama
A atual rua Comandante Soído, tradicional zona de meretrício da cidade, também já foi chamada Travessa dos Marinheiros, por conta da proximidade com o cais do rio. Localizada no bairro Porto, a via já não tem as características de antes, mas ainda é uma região de prostituição e bastante bares.
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À esquerda, o Beco da Lama (ou Travessa dos Marinheiros) região de tradicional meretrício da cidade desde os tempos em que o rio Cuiabá recebia navios da Marinha, dos quais desciam os marinheiros à terra firme a procura de amor mundano e sem compromisso
Ali nas proximidades, Benedito do Nascimento, o carnavalesco Nhozinho, um dos pioneiros do carnaval cuiabano, criou o bloco Sempre Vivinha na durante a década de 1950. Naquela época, os blocos percorriam as avenidas de Cuiabá com foliões mascarados. O Sempre Vivinha desfilou pela última vez em 1980.
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