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Nasceu para dar certo? Escola cívico-militar de MT já tinha boas notas no Ideb

Escola Estadual Salim Felício foi indicada pelo governo do Estado para o programa do presidente Jair Bolsonaro

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Nasceu para dar certo? Escola cívico-militar de MT já tinha boas notas no Ideb
(Foto: Davi Vittorazzi)

Em um prédio antigo, alugado e com estruturas precárias, a Escola Estadual Salim Felício, localizada em Cuiabá, é a primeira mantida pelo governo de Mato Grosso a receber o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim), do governo Jair Bolsonaro.

No Estado, duas escolas – uma estadual e uma municipal – foram escolhidas para seguir o modelo. O projeto as coloca sob a supervisão de militares da reserva, que vão atuar nos eixos educacional, didático-pedagógico e administrativo.

No Brasil, em 2020, o Pecim será aplicado em 54 escolas. Os militares devem ter contrato de no mínimo dois anos, mas esse vínculo poderá ser prorrogado por até 10 anos.

Para uma escola ser escolhida, o Ministério da Educação (MEC) criou alguns critérios.

  • Estar em situação de vulnerabilidade social e ter baixo desempenho no Ideb
  • Ofertar ensino fundamental II e/ou ensino médio
  • Atender de 500 a 1.000 alunos em dois turnos
  • Estar localizada na Capital do Estado

Mas dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) mostram que o Ideb da Salim Felício, além de estar acima da meta estipulada, apresentou alta nos últimos anos.

Para os alunos do 9º ano, em 2013, por exemplo, a meta projetada foi de 4.1. Os alunos da Salim Felício atingiram a nota 4.6.

Em 2015, quando o Inep estipulou uma meta de 4.4, eles chegaram neste patamar. E, em 2017, superaram novamente as expectativas. Elas previam uma nota de 4.7 e eles atingiram 4.8.

“A gente também achou estranho [a escolha da escola para o programa], porque o nosso Ideb é um dos melhores”, comentou a coordenadora da Salim Felício, Margarida Célia Patrocínio.

Enquanto isso, pelo menos outras duas escolas estaduais também localizadas em Cuiabá apresentam Ideb inferior, não chegando a atingir as metas estipuladas em 2013 e 2015, como mostram os gráficos extraídos do portal do Ideb.

(Foto: Reprodução)
(Foto: Reprodução)

A Escola Estadual Antônio Epaminondas está localizada no bairro Lixeira, região central de Cuiabá, e a Escola Estadual Malik Didier está no Pedra 90, região periférica da cidade, a mais de 17 km de distância da primeira.

Coordenadora da Malik Didier, Maria Paco disse que não foi informada sobre a implementação do programa de escola cívico-militares em Mato Grosso. A instituição que ela coordena, além do baixo índice no Ideb, atende outros critérios do MEC: tem mais de 500 alunos e está na Capital do Estado.

A escolha da Salim Felício

De acordo com a direção da escola, a escolha da Salim Felício aconteceu por meio de uma indicação da Secretaria de Estado de Educação (Seduc) ao governo federal.

Foi feita uma reunião com a direção para apresentar o projeto e, após isso, uma assembleia com os pais e alunos. Os pais votaram e a adesão foi aprovada. Professores não participaram da decisão, seguindo uma orientação da Seduc.

À reportagem, a Secretaria apenas informou que a indicação baseou-se nos critérios definidos pelo Pecim.

“Se for para resolver a situação da estrutura da escola e ter nosso prédio próprio, será muito bem-vindo. É até uma questão de dignidade para que possamos atender nossos alunos”, diz a coordenadora.

Infraestrutura

Problemas estruturais foram os mais relatados por funcionários e alunos da escola para a reportagem. Eduarda Antônia, de 13 anos, disse que o que mais lhe incomoda é a aparência da escola onde estuda.

“Dá para ver que não é muito boa. Funcionários também poderiam trazer mais, porque tem muitos alunos”, ela comentou.

A aparência da escola é um dos fatores que incomoda parte dos alunos (Foto: Davi Vittorazzi)

A Salim Felício atende quase 600 alunos, do 6º ano do ensino fundamental ao 2º ano do ensino médio. Mantém suas atividades em um prédio alugado, de uma antiga escola particular do bairro.

E o principal problema da escola é não ter seu próprio prédio. Isso impede o governo estadual de fazer investimentos. A instalação elétrica é antiga e as salas são apertadas. Não há aparelhos de ar-condicionado em nenhuma delas e algumas apresentam infiltrações.

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O Pecim prevê um investimento de R$ 1 milhão para cada escola selecionada para o programa, totalizando um recurso de R$ 54 milhões para o projeto só em 2020.

Porém, R$28 milhões – mais da metade do investimento – será repassado ao Ministério da Defesa, órgão responsável por realizar os pagamentos dos militares da reserva das Forças Armadas.

Os militares selecionados para atuar nessas escolas passarão por treinamentos e terão “salário” equivalente a 30% da remuneração que recebiam antes da aposentadoria.

Os R$ 26 milhões restantes serão destinados aos governos locais, que devem investir na infraestrutura escolar e materiais necessários às escolas selecionadas. No caso da Salim Felício, o dinheiro será administrado pela Secretaria Estadual de Educação.

Disciplina militar

Pai de um estudante da Salim Felício, Claudemar Dias vê no projeto do governo federal uma alternativa para melhorar a educação pública.

“Eu acho que se for implantado o regime cívico-militar, pelo menos, o conceito vai ficar melhor do que está agora. Acho que no sistema militar existe ordem, disciplina e conscientização de direitos e deveres. Em casa, o aluno pode até ter isso, mas a escola deveria ser uma extensão”.

Coordenadora da escola, Margarida afirma que, no período da tarde, os alunos ficam agitados, mas culpa o calor. Os únicos aparelhos de ar-condicionado da escola estão na secretaria, na sala dos professores e na biblioteca.

E, segundo ela, professores e alunos trabalham juntos para manter o ambiente agradável e limpo. Quem anda pela escola, vê que as paredes quase não apresentam riscos. O que tem de sobra são trabalhos dos alunos expostos nos corredores da escola.

Ela sustenta ainda que há um acompanhamento regular dos alunos. Além da presença em sala, o uso do uniforme é cobrado e os pais participam de reuniões frequentemente.

“A gente tentar seguir o PPC [Projeto Pedagógico de Curso] e só não conseguimos fazer mais porque foge da nossa alçada” pondera Margarida Célia Patrocínio, destacando que, no início do ano letivo, os pais são informados sobre os deveres e direitos dos alunos.

Perguntada sobre como se dará a supervisão por parte dos militares da reserva, a coordenadora disse que também está incerta. Sabendo que são pessoas com idade avançada – todos aposentados –, a preocupação é que nunca tenham atuado na educação de jovens e crianças.

*Davi Vittorazzi é estudante do 6º semestre de Jornalismo na Universidade Federal de Mato Grosso

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