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Entulho e esgoto ameaçam nascentes em Cuiabá

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Entulho e esgoto ameaçam nascentes em Cuiabá

Rodrigo Vargas/O Livre

Nascentes

São quase dez da manhã, mas o sol de Cuiabá pouco pode contra a vegetação que se entrelaça e a tudo cobre com sua sombra. É possível sentir a umidade no chão, que cede e afunda a cada passo dado em direção ao fluxo contínuo de água cristalina que brota em pelo menos três pontos do lugar.

Em meio aos ruídos da mata e da água a correr, a sensação é de paz e isolamento. Difícil acreditar que, a menos de 50 metros dali, o trânsito flui com dificuldade na mais movimentada avenida de Mato Grosso.

Estamos no Centro Político Administrativo, em uma das 140 nascentes identificadas pelo projeto Água para o Futuro, coordenado pelo Ministério Público Estadual. A iniciativa, realizada em parceria com a Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e a ong Instituto Ação Verde, prevê localizar, diagnosticar e proteger os mananciais urbanos da capital.

Uma corrida contra o tempo, como admite o promotor Gerson Barbosa, da 17ª Promotoria de Defesa da Ordem Urbanística e do Patrimônio Cultural de Cuiabá. “Sem a nascente, não tem o córrego e nem o rio. E o ritmo de destruição dessas áreas em Cuiabá é muito acelerado”, avalia.

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Das 131 nascentes identificadas até o momento pelo projeto, 78 foram confirmadas. Entre elas, 44 passaram por um diagnóstico preliminar das condições da fauna, flora, geologia e hidrogeologia, com resultados preocupantes. “Foi possível concluir que a qualidade da água de quase todas é ruim, ou seja, que já existe a contaminação do lençol freático, geralmente por esgoto”, relata o biólogo Abílio José Ferraz de Moraes, coordenador técnico do projeto.

Do total de pontos avaliados, segundo a promotoria, 98% sofriam uma ou várias formas de degradação (esgoto, lixo, entulho de construção, aterramento ou drenagem). Na região da rodoviária, por exemplo, um afluente do córrego Quarta-Feira foi completamente aterrado para a obra de um condomínio.

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Aplicativo
Cada nascente e um mínimo de 50 metros de seu entorno são considerados Área de Preservação Permanente (APP) pela Lei Federal nº 12.651/2012 – intervenções são permitidas apenas em casos de utilidade pública, interesse social ou de baixo impacto ambiental.

“A gente recebia muitas informações isoladas sobre degradação de nascentes e notávamos uma ineficiência total do poder público em sua proteção”, relata o promotor.

A ideia de uma ação específica para a proteção dos mananciais, que foi colocada em prática a partir de 2015, ganhou recente reforço com a chegada de um aplicativo para celular. Disponível para as plataformas Android e iOS, o serviço permite que os moradores encaminhem ao projeto fotos georreferenciadas de possíveis afloramentos água. No primeiro mês de operação, sete nascentes foram identificadas.

Rodrigo Vargas/O Livre

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O promotor Gerson Barbosa: corrida contra o tempo para evitar a degradação dos mananciais urbanos

“Assim que recebemos as imagens, uma equipe nossa vai a campo para fazer a identificação”, explica o biólogo Abílio José. “Pode ser uma nascente, mas também um cano estourado ou um vazamento de esgoto”.

Confirmada a nascente, a área é periciada. Os proprietários do terreno são notificados das restrições de uso e, no caso de áreas alteradas, das medidas de mitigação dos danos. “Mesmo que a nascente tenha sido aterrada e não tenha mais água, vamos lutar para que seja mantida como APP, porque senão seria um prêmio a quem degradou”, diz o promotor.

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Relevância ambiental
Estudos produzidos no âmbito do projeto obtiveram resultados que ajudam a demonstrar a importância da preservação dos mananciais urbanos de Cuiabá: a ocorrência de 110 espécies de plantas e 111 de animais. 

Em relação à vazão de água, os números também são expressivos: apenas nas nascentes perenes localizadas no parque Massairo Okamura e nos fundos do Hospital de Câncer foram medidos afloramentos de cerca de 220 mil litros diários, o suficiente para abastecer 1.219 pessoas, em média.

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Atualmente, oito estações de tratamento integram o sistema de captação de água para a capital. A maioria dos bairros é abastecida pelas ETAs do Ribeirão do Lipa e do Tijucal. 

“Esse sistema dependente da qualidade da água nos corpos hídricos de Cuiabá”, diz o promotor Barbosa. “Por isso é que digo que Cuiabá tem um privilégio que pode se tornar maldição. Hoje vemos cidades como Brasília e São Paulo sofrendo com a falta d’água. Aqui temos oferta abundante de nascentes, córregos e rios, mas, sem o devido cuidado, corremos o risco de seguir no mesmo caminho em pouco tempo”, conclui.

 

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