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Distância de conjuntos habitacionais reforça fronteiras entre periferia e centro

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Distância de conjuntos habitacionais reforça fronteiras entre periferia e centro
(Foto: Ednilson Aguiar/ O Livre)

Evanuze Beatriz, 24, era mãe solo quando se inscreveu no programa “Minha Casa, Minha Vida” para tentar a casa própria no Residencial Nico Baracat, no bairro Jardim Liberdade, onde mora com o filho de 4 anos e o marido desde segunda-feira (17). Agora, o desafio é adaptar sua rotina à região do Osmar Cabral, já que Daniel ainda estuda do outro lado da cidade, no bairro Novo Paraíso, próximo ao CPA, onde ela morava há três anos.

Para o pequeno estudar, Evanuze terá que pegar ônibus que passa dentro do residencial de 30 em 30 minutos e segue até o terminal do Osmar Cabral, onde ela e o filho tomam outra condução que os leva ao terminal do CPA. O percurso dura em torno de 1 hora. Por isso, ela quer transferir Daniel para a escola do bairro São Sebastião, onde a irmã mora e pode ajuda-la com a rotina do sobrinho.

Para o marido, que trabalha como conferente de pneus no Distrito Industriário, ficou mais perto. Já Evanuse, que se sustenta com o dinheiro da pensão do filho, é autônoma e trabalha, muitas vezes de casa, com a venda de lingeries e cosméticos. “A pensão ajudou bastante, mas tive que entrar na justiça para conseguir”, conta.

Evanuze Beatriz e o filho Daniel (Foto: Ednilson Aguiar/ O Livre)

A jovem agora é vizinha de Kelly, 37, que se mudou para mesma rua do lote de casas populares com três dos quatro filhos – duas meninas de 11 e 15 anos e um menino de 17 – e sua netinha de 1 ano. Ainda sem creche, a bebê Gabriele a acompanha no serviço de manicure desde que a família morava em uma casa alugada no Distrito Industrial.

“Vou nas casas e, às vezes, as pessoas vêm na minha. Ainda tem que levar as crianças, que não ficam sozinhas. Agora que eu dei uma parada para fazer essa mudança. É tudo longe, a maioria das clientes é gente que eu nem conheço. Teve vezes que eu não consegui atender em Várzea Grande, por exemplo, porque é muito longe”, explica Kelly.

Tanto para ela quanto para Evanuze, comprovar renda de trabalhadoras autônomas foi a maior dificuldade com a burocracia do programa. Para Kelly, que chegou a invadir uma casa em outro residencial, foi ainda mais difícil se inscrever no programa, já que, diferente da vizinha, ela não era beneficiária do Bolsa Família e não recebe dinheiro do pai de seus filhos, que nunca cumpriu com a pensão.

Kelly, a filha Andressa e a neta Gabriele (Foto: Ednilson Aguiar/O Livre)

Dois dos filhos de Kelly estudam no Paschoal Ramos e São Sebastião, bairros próximos ao residencial. Os outros dois, no entanto, estudam no Centro de Cuiabá, porque não havia mais vaga na escola dos irmãos. O de 17 anos tem epilepsia e o direito de receber aposentadoria por invalidez, mas quer trabalhar.

“Ele não quis se aposentar porque ficou se sentindo inválido. Quando ele ainda estudava no Paschoal Ramos, uma vez eu saí de casa correndo do Industriário para acudir, porque as pessoas ficam com nojo de pegar nele e deixam ele lá se batendo. Já chegou dele passar mal dentro de um ônibus e sair sangue do ouvido, nariz e boca”, conta a mãe.

Além dos desafios de deslocamento que Evanuze e Kelly enfrentam como moradoras da periferia de Cuiabá, em comum entre elas há a tranquilidade de realizar o sonho da casa própria, após anos de espera. “Deixar de pagar um aluguel de R$ 600 para pagar a parcela de R$ 95 que eu pago aqui, é ótimo”, comemora Evanuze.

O Residencial Nico Baracat está localizado no bairro Jardim Liberdade, na Grande Osmar Cabral (Foto:
Ednilson Aguiar/O Livre)

Fronteira entre periferia e centro

“O programa é maravilhoso, o grande problema é o local. Toda a questão da propriedade privada e do valor da terra nas áreas consolidadas fazem com que essas construções fiquem afastadas. Em alguma medida, resultado da carência de ações de planejamento de gestão dos municípios. Alguns conseguiram fazer conjuntos em área consolidadas, porque estavam previstas e mapeadas as zonas de interesses sociais em seus planos diretores”, avalia a urbanista Doriane Azevedo.

As 360 casas do Residencial Nico Baracat I, entregues há uma semana, foram construídas por meio do programa “Minha Casa, Minha Vida”, coordenado pelo Ministério das Cidades e Caixa Econômica Federal, desde 2009, e implantado em Cuiabá pela gestão municipal. Durante a solenidade, foi anunciada ainda a entrega das chaves da segunda etapa do conjunto, com mais 443 casas, ainda em setembro.

De acordo com a Prefeitura de Cuiabá, a capital possui, atualmente, cinco conjuntos habitacionais que beneficiaram 3.636 famílias. Trata-se dos residenciais Altos do Parque I e II, com 638 unidades no total; Alice Novack, com 423 unidades; Nova Canaã I e 2, com 499 unidades cada; Francisca Loureiro Borba, também com 499 unidades; Jonas Pinheiro I e II; e o Nico Baracat I, com 360 unidades.

Todos os conjuntos estão localizados distantes do centro da cidade, próximos aos bairros Parque Cuiabá, Pascoal Ramos, Três Barras e São João Del Rei. Conforme a prefeitura, a localização é devido ao valor ou à disponibilidade dos terrenos adquiridos ou doados. O município afirma, no entanto, não ter informação do valor total do orçamento de cada residencial, “visto que o governo federal, através do Ministério e da Caixa Econômica, que realiza o aporte de recursos”.

A política federal que dá suporte e subsídio a construção desses conjuntos, segundo Doriane, prevê que as prefeituras conduzam as ações a partir das regras de um plano diretor. “A lei é federal, o recuso federal, mas as propostas são locais. Uma construtora ou alguém faz a proposta para prefeitura e Caixa Econômica. São iniciativas privadas, com dinheiro público”, ressalta.

Por isso, para a especialista em planejamento urbano e regional, discutir políticas públicas mais amplas para habitação é uma questão de inserção urbana. Ela destaca ainda que a mesma lei que possibilitou os novos conjuntos, também definia a regularização fundiária nos municípios.

Bairro Jardim Liberdade (Foto: Ednilson Aguiar/ O Livre)

“No caso de Cuiabá, a gente tem quase que concentrado os mais diferentes equipamentos comunitários, comércio e trabalho. Então, quando se faz a opção por implantação de novos conjuntos nessas áreas, você está falando em promover meios para que as pessoas se locomovam. Postos de trabalho, por exemplo, são quase nenhum nessas áreas predominantemente residenciais”, explica.

Ações que possibilitam a ocupação de vazios urbanos, para Doriane, seriam alternativas viáveis. Segundo ela, instrumentos legais, defendidos desde Constituição Federal, o Estatuto da Cidade de 2001 e o Plano Diretor municipal de 2007, que permitem a intervenção ou arrecadação do poder público em terrenos privados em desuso.

“O parcelamento, edificação e utilização compulsórias de lotes sem edificações, IPTU progressivo no tempo são alguns exemplos”, defende.

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