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“Cura” para maldição: pastor e suplente do Senado, Fadi Faraj é acusado de abusar de fiel de sua igreja

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“Cura” para maldição: pastor e suplente do Senado, Fadi Faraj é acusado de abusar de fiel de sua igreja
(Foto: Arquivo Pessoal / Facebook)

Uma maldição tão “profunda” que quebrá-la só seria possível se sua portadora aceitasse se submeter a ter relações sexuais com o pastor disposto a salvá-la.

Com esse argumento é que Fadi Faraj, pastor sênior do Ministério da Fé em Taguatinga, região administrativa do Distrito Federal, teria convencido pelo menos uma jovem a manter encontros íntimos semanais com ele durante aproximadamente dois anos.

Os abusos foram relatados em um depoimento realizado em 2009 a um conselho de pastores e que foi gravado em um vídeo ao qual o LIVRE teve acesso.

O texto que você vai ler em seguida foi escrito com base nas afirmações dessa suposta vítima – a quem a reportagem vai chamar de Renata a partir de agora.

Antes disso, é importante esclarecer: uma investigação sigilosa é conduzida pelo Ministério Público do Distrito Federal; por isso, a assessoria de imprensa do MPDF não confirma e nem descarta que ela, de fato, exista.

Uma fonte do LIVRE, porém, garante que o procedimento foi aberto no Ministério Público a partir de uma denúncia feita na Ouvidoria do órgão e que as oitivas sobre o caso começam precisamente hoje, nesta sexta-feira (18).

Fadi Faraj, que também se intitula “apóstolo” em uma página na internet – ainda no ar – dedicada a uma campanha eleitoral na qual disputou o cargo de senador, hoje ocupa cadeira de segundo suplente na Casa Legislativa.

Seu titular é o senador José Antônio Machado Reguffe (Podemos-DF), cujo assessor afirmou ao LIVRE que ninguém ali no gabinete mantém qualquer contato com o pastor.

O funcionário do gabinete de Reguffe no Senado disse que, como o senador “fez um compromisso de cumprir os oitos anos de mandato”, por não achar correta a estratégia de se licenciar para que suplentes atuem, ninguém por lá sabe de Faraj, ou teria um contato dele para informar.

No site da campanha eleitoral de Faraj, os dois números de telefone registrados não existem. A reportagem também tentou contato por e-mail e pela página do pastor no Facebook. Até agora não houve retorno.

O espaço continua aberto para manifestação.

O primeiro encontro

Na igreja do Ministério da Fé de Taguatinga, segundo fiéis e líderes religiosos, não era comum Faraj atender pessoalmente quem chegava em busca de ajuda. Por isso, quando Renata despertou a atenção do pastor, todos a aconselhavam a aproveitar a oportunidade ao máximo.

Na igreja, Fadi Faraj não seria acessível a todos os fiéis (Foto: Arquivo Pessoal / Facebook)

Mãe solteira, Renata não havia concluído os estudos. Morava na casa da mãe – viúva – com os irmãos e o filho. Na igreja, buscava apoio por conta da situação financeira difícil da família. O fato de estar desempregada, aliás, teria sido o pretexto do primeiro contato feito pelo pastor.

O ano era 2005. Renata frequentava o Ministério da Fé há cerca de três.

Quando recebeu o convite para se encontrar com Faraj pela primeira vez, foi orientada por ele a levar seu currículo. De lá, após uma conversa em que relatou fatos de seu passado e os problemas que enfrentava no presente – uma entrevista que também foi feita com sua mãe, que a acompanhou – saiu com uma ficha.

Era um questionário extenso que ela deveria responder para que, ao analisá-lo, o pastor pudesse identificar se havia a necessidade de um ritual de “quebra de maldição”.

Quando voltou à igreja com a ficha preenchida, Renata contou a Faraj que uma tia sua já havia passado por um procedimento para “expulsão de demônios”. O pastor disse que teria que estudar o caso e, tempos depois, informou a moça que o caso dela seria semelhante.

Por se tratar de algo mais “profundo” – já que os demônios que saíram da tia teriam se apossado do corpo da própria Renata –, segundo o pastor, o ritual teria que ser diferente e sigiloso.

A maldição

Renata passou a ter que frequentar o gabinete de Fadi Faraj todas as semanas. Os encontros, segundo seu depoimento ao conselho de pastores, ocorriam às terças ou quintas-feiras, sempre depois do almoço.

Nessas ocasiões, Faraj “orava” pela moça. Mas não só isso. Segundo ela, aproveitava para tocar seus seios e outras partes do corpo, inclusive as mais íntimas. O argumento era sempre o mesmo: a maldição era “profunda”, precisava de um tratamento especial.

Após algumas “sessões”, o pastor a informou que uma relação sexual precisava ocorrer. Teria acontecido dentro do próprio gabinete, na sede da igreja.

As visitas constantes de Renata ao pastor – e o fato de ele ter informado seus assessores que ela não precisaria mais marcar horário para vê-lo – começaram a deixar a moça constrangida.

O “tratamento” já durava cerca de seis meses, quando Faraj resolveu que não poderia mais ser dentro da igreja. Passaria a ser em um motel.

Na primeira vez que foram a um desses estabelecimentos, segundo Renata, Faraj a alertou: não poderia sentir nada por ele, já que se tratava de um homem casado. A resposta da moça foi que sua intenção era apenas “ser liberta”.

Aos membros do conselho de pastores Renata contou que tinha medo de ser possuída pelos demônios e ter sua família destruída.

Os cultos no Ministério da Fé são marcados pela comoção dos fiéis (Foto: Arquivo Pessoal / Facebook)

A solução financeira

Enquanto a “quebra de maldição” perdurava, Faraj se encarregava de tentar resolver os problemas financeiros de Renata. Toda vez que a encontrava, dava quantias de dinheiro que, conforme a moça, variavam de R$ 150 a R$ 250.

À mãe dela, o pastor dizia que o dinheiro deveria ser aceito para que Renata não precisasse trabalhar e pudesse terminar os estudos. A escola, aliás, também era bancada por Faraj. Uma iniciativa que, para a mãe – criada sob a religião evangélica – era uma das missões da igreja: ajudar seus discípulos.

O dinheiro também pagava a bebida que Faraj dava a Renata todas as vezes que eles se encontravam. Algo com coloração amarela, que queimava na boca e a deixava tonta, mas que ela não soube dizer o que era.

Certa vez, ainda conforme o depoimento, também quase pagou a presença de uma prostituta no quarto, junto com eles. Uma “orientação” que “Deus” teria dado ao pastor para que o tratamento fosse mais eficiente, mas que Renata recusou.

A descoberta

Nem todas as datas desses encontros ficam claras no vídeo ao qual o LIVRE teve acesso. De acordo com a moça, foram aproximadamente dois anos de encontros semanais até que, gradativamente, eles foram ficando mais espaçados a ponto de deixarem de existir.

Quando isso ocorreu, a mãe de Renata – que também prestou depoimento ao conselho de pastores – resolveu contar para a filha como foi sua própria experiencia de “quebra de maldição”, feita por outro pastor da mesma igreja.

A moça, então, resolveu confrontar Faraj sobre o motivo de o seu “ritual” ser tão diferente. De semelhante, só as orações feitas pelo pastor durante todos os atos sexuais. Recebeu como resposta o argumento de sempre: a “profundidade” de seu caso.

Fadi Faraj teria convencido a vítima de que ela era amaldiçoada (Foto: Arquivo Pessoal / Facebook)

Com o passar do tempo e o fim dos encontros, Renata ficou noiva de um rapaz que tinha cargo dentro da mesma unidade da Igreja Ministério Fé. Faraj, então, passou a “apressá-la” para que o casamento acontecesse.

De acordo com o depoimento do então noivo de Renata, foi mais ou menos nessa época que ela passou a ter problemas psicológicos. Sintomas tão graves que se refletiam fisicamente e, em diversas ocasiões, a obrigava a procurar socorro em hospitais.

O noivo sabia que Renata tinha um segredo com o pastor. Membro da igreja, ele disse que respeitava isso. Até que ela própria se sentiu à vontade para revelar.

A reação do noivo foi procurar o que ele chamou de “presbitério” da igreja: uma espécie de comissão formada por outros dois pastores, um deles cunhado de Faraj, conforme o depoimento.

“Prostituta”

Mas o que aconteceu a seguir não era esperado pelo rapaz. Segundo ele, Renata foi chamada para prestar esclarecimentos a esses dois pastores e, durante a reunião, acabou tratada como uma “prostituta”, segundo suas palavras.

O argumento dos pastores era o de que, por não ser mais virgem quando os abusos ocorreram, a moça não poderia ser considerada uma “santa”, ou seja, sabia que estava fazendo algo errado.

A partir daí a história se espalhou, Renata e sua família foram expostas perante os demais integrantes da igreja que, pouco tempo depois, ela e o noivo resolveram deixar de frequentar.

No depoimento, a moça disse que muitos de seus amigos sempre lhe perguntaram se não procuraria a Justiça para denunciar o pastor. Sua resposta sempre foi a de que preferia aguardar a “justiça divina”.

Renata, hoje com 34 anos de idade, está casada e trabalha como funcionária de uma loja, em um shopping.

YouTube video

Outros casos

Pelo menos outras três denúncias de abuso sexual contra Fadi Faraj chegaram ao Ministério Público do Distrito Federal.

O LIVRE também teve acesso a uma gravação em que o pastor é denunciado de ter abusado sexualmente de uma ex-empregada. Também, segundo o depoimento, supostamente com pretextos “religiosos”.

Em seu depoimento, Renata afirmou ter ficado sabendo que mais uma mulher pode ter sido vítima. A moça soube do suposto caso por meio da “líder de célula” a quem se dirigia na igreja.

Quando explicou a essa líder o motivo de seu afastamento, Renata disse ter ouvido dela que outra mulher havia “tido problemas” com Faraj e, por isso, também teria saído da igreja.

Outro que também teria saído da igreja ao tomar conhecimento dessas denúncias seria um membro do próprio Ministério Público do Distrito Federal.

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