5 perguntas para

Coronel Sovinski: “Se eu matasse os dois antes de eles entrarem na escola, a sociedade estaria a meu favor?”

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Coronel Sovinski: “Se eu matasse os dois antes de eles entrarem na escola, a sociedade estaria a meu favor?”

Um militar do povo. Assim poderia ser descrito o coronel Marcos Roberto Sovinski, que há 26 anos, Sovinski veste a farda da Polícia Militar de Mato Grosso com muito orgulho e, mesmo em posição de comando, faz questão de estar nas ruas, afinal, como o mesmo diz, é completamente apaixonado pelo que faz.

Natural de Ponta Grossa (PR), entrou na Polícia Militar de Mato Grosso em 8 de julho de 1993. Era oficial do Exército em Apucarana (PR), quando resolveu fazer o concurso específico para oficiais do Exército Brasileiro e passou de primeira.

Em MT, começou a carreira em Barra do Garças, onde teve a oportunidade de conhecer toda a região do Araguaia, em uma época que ser policial era mais difícil, visto que a escala era de 24 horas por 24 horas, não existia colete balístico e o militar trabalhava com um revólver 38 e uma baleira de munição presa na cintura. “Época de poucos recursos, poucos policiais, foi uma época bastante difícil”, lembrou Sovinski.

Depois, passou por Rondonópolis, Jaciara e desde agosto de 2018 está no 2º Comando Regional de Mato Grosso, responsável por Várzea Grande, Poconé, Nossa Senhora do Livramento, Rosário Oeste, Nobres, Acorizal, Jangada e pelos distritos destas cidades.

O coronel recebeu o LIVRE na sede do 2º Comando Regional e falou sobre sua carreira, o amor pelo militarismo, a guerra contra o crime, a sociedade e chegou a um dos assuntos mais discutidos durante a semana em todo Brasil, o ataque em Suzano (SP), questionando como seria se a tragédia fosse em Várzea Grande e ele se deparasse com os dois adolescentes antes de entrarem na escola.

“Se eu vir dois adolescentes como esses na porta de uma escola, se eu matar os dois antes deles entrarem na escola, será que a sociedade vai estar a meu favor? Eu impedi um massacre, ou eu executei dois jovens? Como ficaria essa relação?”.

Leia mais questionamentos e afirmações do comandante nas 5 perguntas para o Coronel Marcos Sovinski.

1 – Qual foi o caso mais grave e marcante da sua carreira militar?

Coronel Sovinski – Eu participei de alguns confrontos durante a minha carreira e desses confrontos houve criminosos que morreram e respondi vários processos por isso. Fui a júri popular duas vezes, mas, felizmente, acabei sendo absolvido desses processos, todos eles concluídos pelo cumprimento do dever, mas foram situações bastante difíceis para mim, porque afetou muito a minha vida pessoal e até profissional. Logo que eu saí major, em 2004, eu passei muita dificuldade por ter sido acusado de homicídio e responder vários homicídios em decorrência do serviço. Para mim ficou marcado na carreira. Minha saída de Jaciara foi traumática por conta dessa situação, mas depois, com o passar do tempo, fui absolvido dos processos. É claro que nunca parei de trabalhar, mas você fica pensando até que ponto vale a pena você correr risco, enfrentar bandidos, ir para o confronto, uma troca de tiros, para depois nem sempre ter o reconhecimento adequado e acabar respondendo processo. Isso gera desgaste emocional, familiar, financeiro, profissional, então isso é um problema que todo policial tem quando vai para a rua. Ele não tem segurança jurídica no que está fazendo, o Estado não vai dar suporte jurídico para ele, ele vai ter que arcar com o próprio bolso se tiver que responder algum processo.

E essa é uma discussão que a Polícia Militar tem há muitos anos, a possibilidade de existir dentro da defensoria pública, assim como existe uma vara especializada para a Justiça Militar, um juiz para analisar os casos militares, um promotor para fazer a autuação dos policiais militares, entende-se que poderia haver um defensor público também designado especialmente para os policiais militares. Uma discussão que já foi feita várias vezes, mas nunca evoluiu. O que os policiais têm feito é usar advogados das associações. Muitas vezes você encontra policiais que têm receio de ir para um confronto, justamente por essas situações de uma falta de segurança jurídica, que permita a ele saber: “agi cumprindo o dever, dentro dos limites permitidos pela lei, mas infelizmente as coisas não acontecem como imaginávamos”. Porque uma coisa é o que se vê na sala de aula, nos vídeos de instrução, outra é o que você vê na rua.

2 – O senhor acha que tem acontecido uma “romantização” das facções com as frases de efeito em muros como “proibido roubar na quebrada”?

Coronel Sovinski – O Brasil, de maneira geral, e Mato Grosso não está fora disso, passa por um momento em que o crime se organizou de tal forma que algumas comunidades periféricas se sentem até protegidas. Em Mato Grosso não é tão forte como em outros estados. E há uma preocupação das Forças de Segurança de que as polícias se aproximem da comunidade de tal forma que a comunidade não se sinta abandonada a ponto de ser adotada por alguma facção. Sempre existe esse tipo de conversa de “nesse lugar pode, nesse lugar não pode praticar crimes”, mas em Mato Grosso ainda não existe nenhum lugar onde as polícias não possam entrar. As polícias entram com autoridade em qualquer lugar, em qualquer rua, em qualquer bairro, pode-se dizer que a Segurança Pública ainda tem o controle da situação.

Mas é claro que essas facções cresceram no Brasil como um todo e há uma preocupação. De vez em quando nós ouvimos falar em “salves”, criminosos batendo em criminosos por não terem cumprido com as regras estabelecidas por eles. Mas, ainda assim, eu acredito que em Mato Grosso há um certo controle da criminalidade e tem acontecido queda no número de homicídios, roubos, assaltos e furtos no Estado. Se você pegar números de 2014, que foi o auge da criminalidade no Estado, e comparar com todos os anos até agora, 2019, foi caindo.

3 – Como o senhor acredita que a população enxerga a Polícia Militar? E como o senhor acha que seria a forma ideal e correta que a corporação fosse vista?

Coronel Sovinski – Hoje nós vivemos no mundo das mídias sociais, aquela comunicação de rádio, jornal e televisão mudou. Até porque a mídia social permite que a pessoa interaja com o jornalista e com o veículo, participe, comente, critique, goste, não goste, ele tem opção de se manifestar. Então as pessoas estão mudando, elas vivem conectadas com a informação através de smartphone, tablet. E as instituições policiais precisam acompanhar esse fenômeno das mídias sociais. As pessoas não querem mais ir atrás das informações, as informações precisam ir atrás delas. Eu sempre comento isso com nossos comandantes de Batalhão: “nós precisamos ir até a população, nós precisamos mostrar o que estamos fazendo e não esperar que a população venha a descobrir o que estamos fazendo”. Então, por isso, há essa ampla divulgação, a gente percebe essa mudança de comportamento na corporação, isso de levar a informação para a população. A instituição tem que entrar na casa das pessoas, no celular das pessoas e mostrar o que estamos fazendo, para que mude o conceito, para que as pessoas se sintam mais seguras.

Então a polícia começou a mostrar mais o seu trabalho. Recentemente um vídeo de policiais militares brincando de Betz no meio da rua lá em Juína, na minha página oficial, Coronel Sovinski, teve mais de 8 milhões de visualizações. Uma brincadeira com crianças e olha a dimensão que tomou, o envolvimento de mais de 16 milhões de pessoas na página, de todo país, de diversos países do mundo. Aquele vídeo mostra para a população um lado que até muitas vezes as pessoas não conhecem, que é o lado cidadão, aquele jovem, aquele filho, aquele marido, que veste a farda.

Aí esse efeito provocado pela disputa pela presidência, esse efeito Bolsonaro, onde polarizou-se muito essa questão do patriotismo, do militarismo, as forças policiais saíram fortalecidas desse processo. Agora cabe à instituição e aos próprios policiais darem seguimento. Como sempre falo, nós somos os mais interessados a expurgar maus elementos. Porque um mau policial envolvido com coisas que não podem ser aceitas, ele prejudica a imagem, muitas vezes, de um batalhão inteiro, de uma cidade inteira. Então para isso há um controle, porque assim como o policial quer ser visto como um herói, ele precisa se comportar como um também.

Mas eu vejo que a população tem mudado o conceito que ela vê da polícia. Por exemplo, quando um policial mata um bandido em uma troca de tiro, você percebe uma solidariedade da população, criou-se até uma expressão, “mais um CPF cancelado”, porque a população está cansada de bandidagem, de ser roubada, estuprada, de ver amigos mortos. Recentemente teve um caso em Cáceres, que um taxista foi assassinado a facadas e pôde despedir dos filhos, muito triste. Aí você prende aquele casal, olha pra eles e pensa: “o que fazer com esse tipo de ser humano que é capaz de fazer isso?” Mais recentemente, esse caso em Suzano, lá em São Paulo, você se sente impotente diante de uma situação daquela. Aí você começa como policial a mentalizar: “se eu me deparar com uma situação dessa, o que é que eu vou fazer? Se eu ver dois adolescentes como esses na porta de uma escola, se eu matar os dois antes deles entrarem na escola, será que a sociedade vai estar a meu favor? Eu impedi um massacre, ou eu executei dois jovens? Como ficaria essa relação?”

4 – Qual a maior dificuldade em ser policial militar?

Coronel Sovinski – É difícil falar isso porque eu não vejo dificuldade, porque eu faço o que eu gosto, eu faço por prazer. Nem seria um trabalho, porque quando você faz o que gosta, você não trabalha. Mas acho que a maior dificuldade do policial militar é essa incerteza do regresso, essa é uma coisa que mexe com a cabeça de todo policial, da família, da esposa, do filho, de pais. Imagine a família de um policial que ouve “mataram um policial”, a primeira coisa que vem à cabeça é “onde é que está o meu policial?” e já faz o contato. E para o policial a maior dificuldade é essa, dar segurança para a família de que você vai voltar para casa, mas você não consegue dar essa certeza. Mato Grosso ainda é um estado que poucos policiais morrem em serviço, mas alguns morrem e um que seja, uma vida, para nós é muito importante.

5 – O que senhor acha da frase “bandido bom é bandido morto”?

Coronel Sovinski – Isso reflete o momento que a sociedade passa, de estar cansada de violência. A população vê nas notícias que a polícia está prendendo pessoas com até 10 passagens criminais e que estão na rua. Então é um momento de revolta, de insegurança, medo de sair na rua, de ir a festas, de sentar em uma lanchonete, um filho que vai sair à noite sozinho. É claro que a sociedade tem pessoas para tudo, jornalista para escrever matérias, médicos para salvar vidas, policiais para defender. Então é como falei esses dias, quem troca tiros com a polícia, não pode esperar outra coisa senão tiro também, senão chumbo, e aí pode haver vítima dos dois lados, que seja do outro lado. Na Polícia Militar até existe uma expressão: “antes julgado por sete, do que carregado por seis”, antes você responder um processo do que você morrer, essa é a verdade. E a população adotou a “bandido bom é bandido morto” e “CPF cancelado”, porque a sociedade cansou.

Também há outra expressão bastante falada, “enxugando gelo”, porque a polícia está sempre prendendo gente, todos os dias, mas nunca para de prender. Era para você prender a pessoa por tráfico de entorpecentes e ele cumprir a pena dele, ficar lá dois, três, quatro anos. Ou seja, essa pessoa não vai traficar durante o tempo que está preso. Mas daqui a pouco ele está na rua traficando de novo, então você vai fazer o mesmo serviço todos os dias. A gente não pode se revoltar por conta disso, cruzar os braços, porque as pessoas dependem da gente, até aquele que mora num condomínio de luxo, em algum momento vai ter que ir para a rua, em algum momento vai precisar da Polícia Militar. Então essa história de “enxugando gelo” tem que servir para motivar, porque se não estivéssemos enxugando gelo, essa água já teria passado por cima da nossa cabeça.

Saideira – O que senhor acha da ideia defendida pelo governador do Rio de Janeiro, de que “se um bandido for visto com fuzil na mão, pode matar”?

Coronel Sovinski – Nós aqui não temos essa realidade ainda, são raríssimos os casos em que a Polícia Militar se depara com fuzil, talvez as ocorrências de Novo Cangaço, roubo a banco. Mas esse é um crime que praticamente sumiu do Estado de Mato Grosso, as Forças se uniram firmes e integradas, e depois de muito bandido morrendo por aí, esse crime deu uma parada em Mato Grosso. Mas você não pode dizer que não vai acontecer, pode acontecer. Mas, primeiro, se o bandido estiver com o fuzil na mão e a polícia chegar próximo dele, ele vai atirar, antes julgado por sete, que carregado por seis. Então, independentemente de o governador lá falar que se tiver com fuzil pode atirar, praticamente é a realidade. Se um criminoso não quer ser alvejado, ele não pode estar com a arma na mão. O cara está praticando um assalto e está armado, a polícia manda: “deita, mão na cabeça, joga a arma”, aquela abordagem padrão da polícia, o cara vai soltar a arma. Se ele não soltar a arma, se ele virar para o policial com uma arma na mão, é óbvio que ele vai ser alvejado, independente se ele está com um fuzil, ou com uma pistola. Agora a questão do fuzil é que a ação dessa arma é tão violenta, que não é possível o policial falar só “parado, mão na cabeça, jogue o fuzil no chão”, isso não é possível. Um tiro de fuzil pode atravessar paredes, viaturas, se tiver uma fila de 10 policiais ali, vai pegar os 10 de uma vez só. É uma arma de guerra, não é arma para policiamento, mas a polícia precisa porque é uma arma que acabou indo para a mão dos criminosos, então a polícia precisa de fuzil também. Então, eu acho um pouco assim de jogar para a galera, porque na prática é isso que acontece já. O policial não vai esperar o bandido atirar nele para só então revidar. Em qualquer menção, qualquer movimento de uma pessoa armada com um fuzil, ou uma pistola, o policial vai se defender, eu não tenho dúvida em relação a isso.

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