Em petição online e carta aberta ao Governo do Estado, cineastas mato-grossenses alertam para o risco do setor perder investimento federal no valor de R$ 4 milhões. O impasse se deve ao atraso do repasse da contrapartida da Secretaria de Estado de Cultura, Esporte e Lazer (Secel). Conforme representantes do setor, o não cumprimento do acordo ainda este ano poderá comprometer o recebimento do recurso previsto em edital.
Elaborado por membros do MT Cine, o documento apresenta ainda propostas para solucionar o impasse que remonta a gestão anterior.
“A gente está tentando ajudar o Estado e chancelar a nova gestão da secretaria. Estamos propondo um trabalho conjunto e está todo mundo comprando a ideia”, explicou ao LIVRE o cineasta Severino Neto, um dos diretores que tenta tirar seu filme do papel.
Ele explica que o valor total do edital – realizado pela então Secretaria de Cultura do Estado de Mato Grosso (SEC), em 2017 -, é de R$ 6 milhões. Deste montante, R$ 4 milhões são recursos federais oriundos do Fundo Setorial Audiovisual (FSA). Mas para que a Agência Nacional do Cinema (Ancine) libere o valor é necessário que o governo cumpra com o repasse de R$ 600 mil que faltam, dos R$ 2 milhões de sua parte no edital.
O texto da petição esmiúça: “o edital supramencionado prevê que para cada R$ 1,00 (um real) investido pelo ente local [Estado], R$ 2,00 (dois reais) serão investidos pela Ancine/FSA na forma de contrapartida em investimentos”.
No caso de descumprimento, as produtoras mato-grossenses ficariam algum tempo sem acesso ao Fundo.
A liberação do recurso contemplará os longas-metragens de ficção “Cinco tipos de medo”, da produtora Plano B Filmes, e “Memória de Elefante”, da produtora Molêra Filmes.
“Na prática, equivale dizer que o não acontecimento dos longas-metragens ainda no ano de 2019 paralisa o setor que deixará de injetar na economia local o valor de 4 milhões de reais e a geração de no mínimo 250 empregos diretos pelo período de 90 dias em Cuiabá e nas regiões previstas para a produção”, ressalta trecho da carta.
Procurada pela reportagem do LIVRE, a Secretaria de Estado de Cultura, Esporte e Lazer (Secel) não se posicionou sobre a proposta até a publicação da matéria.
Proposta
Por conta do atraso no repasse, as produtoras audiovisuais que venceram o edital ainda enfrentam, como consequência, outro problema: os prazos. Por isso, a proposta é que os R$ 600 mil pendentes, que seriam destinados às atividades de formação, cursos e especialização de profissionais da área, sejam redirecionados, pois esta etapa demandaria ainda mais tempo.
“Tratamos aqui do tempo operacional para realização de tal certame e liquidação do pagamento integral para a empresa selecionada na finalidade de capacitação, que ao nosso entendimento inviabiliza o início da produção dos filmes neste ano”, diz trecho da carta.
O documento destaca ainda que o processo de seleção e contratação de empresas para realização da capacitação encontra-se em fase de elaboração e consulta pública pela Secel, com previsão de conclusão de no mínimo 120 dias. Severino Neto ressalta que se trata de uma proposta emergencial.
“Não estamos diminuindo a importância de um edital de capacitação e formação, sobre maneira. Contudo, o aumento no investimento de produções locais de certa forma trabalha o eixo de formação uma vez que inúmeros jovens, estudantes e entusiastas compõem as equipes nos formatos de assistências e estágios”.
A proposta conta com apoio institucional do coordenador do Curso de Cinema e Audiovisual da UFMT, Moacir Francisco de Sant’ana Barros, e do coordenador CST em Fotografia e do Polo EAD da Unic Pantanal, Vinicius André da Silva Appolari.
A petição já conta com 241 assinaturas e pode conferida na íntegra e assinada neste link.
Divergências
Em contraponto à petição, o Coletivo Audiovisual Negro Quariterê de Mato Grosso, por sua vez, acredita que retirar a contrapartida de capacitação significaria trocar mais de meio milhão de reais em formação pela “realização de dois (02) telefilmes que não terão o mesmo impacto e abrangência que o edital de formação”, considera o grupo, que se manifestou em nota.
“Na prática, a troca da formação pela realização [produção em 90 dias] é a simples manutenção do status quo, ou seja, quem produziu continuará a produzir e quem sonha em produzir, e se profissionalizar para tanto, continuará à deriva, à mercê de políticas de inclusão que não são priorizadas e não acontecem”, complementa outro trecho do texto.
Quanto à possibilidade de o Estado perder o repasse federal de R$ 4 milhões, o grupo vê um temor que resulta de uma conjuntura de ameaça a recursos para a Cultura. “Mas não há informação oficial por parte da Secretaria de um prazo limite para que esse dinheiro seja liquidado”, disse o grupo ao LIVRE.
O coletivo salienta ainda que a deliberação da proposta da carta não foi realizada em assembleia ou reunião com tal pauta. “Se a decisão de elaborar a carta não tivesse sido tomada de maneira vertical, certamente teríamos sido contrários à sugestão de re-designar esse valor de 600 mil reais, já que os profissionais negros, mulheres, periféricos, indígenas e LGBTs, são os mais afetados pela falta de oportunidades de formação”, diz carta, que pode ser conferida na íntegra aqui.
Matéria atualizada em 26 de junho, às 15h54.