Cidades

Após morte, Defensoria Pública exige reabastecimento do estoque de soro antiofídico

Foram notificados o Estado e o município de Campo Verde, onde a agente penal Luciene dos Santos morreu após ser picada por uma jararaca

7 minutos de leitura
Após morte, Defensoria Pública exige reabastecimento do estoque de soro antiofídico
Fio Cruz/Direitos Reservados

A Defensoria Pública de Mato Grosso, em Campo Verde, solicitou às secretarias de Saúde do Estado e do Município que, em 15 dias, abasteçam o Hospital Municipal local com doses de soro antiofídico contra picada de cobra jararaca, em quantidade suficiente para atender a população. A providência, solicitada via ofício, busca evitar mortes como a da policial penal, Luciene Santos, 44 anos, ocorrida no dia 25 de abril.

Ela foi picada por uma jararaca na zona rural de Campo Verde, como o município não tem o soro antiofídico para a espécie em sua rede, Luciene foi levada para Rondonópolis, a 138 km de sua cidade. Ao dar entrada no Hospital Regional de Rondonópolis, no entanto, os médicos informaram que ela já tinha complicações renais e necessitava de uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI). No dia seguinte à picada, o quadro dela só se agravou e a agente não resistiu.

Alta Incidência

Dados publicados na imprensa local informaram que de 2020 até março de 2022, 61 pessoas teriam sido picadas por cobras em Campo Verde, o que leva o município a figurar entre os que registram maior incidência desse tipo de acidente, no país. Para evitar que o veneno se espalhe pela corrente sanguínea e cause a morte, é necessário o uso do antiofídico, logo após a picada. O produto funciona para bloquear o envenenamento e a falência dos órgãos.

No ofício encaminhado ao Estado, a defensora pública que atua na comarca, Tânia Vizeu, afirma que garantir o fornecimento do soro na cidade é fundamental para salvar vidas, diante das graves estatísticas. Ainda segundo a imprensa local, em oito anos, três pessoas morreram vítimas de picada de cobra e inúmeras ficaram com sequelas causadas pelos ataques.

Defensora Pública Tânia Vizeu oficiou o Estado e Município para regularizar a oferta de soro antiofídico em Campo Verde

Tânia ainda solicita ao Estado dados oficiais sobre o número de pessoas vítimas de picadas de cobras, por espécie, nos últimos cinco anos em Campo Verde; quantas foram vítimas de picadas de animais peçonhentos no geral; quantas precisaram do soro antiofídico para jararaca e se foi necessário pedir socorro em outros municípios.

À secretaria de Saúde do município, a defensora pede que informe qual lugar o município ocupa no ranking estadual e nacional de registros de picadas de cobras; quais os motivos de não ter o bloqueador do veneno para jararaca no local; quais providências o município já tomou para resolver o problema da falta do medicamento acessível aos moradores locais; qual o motivo de ainda não ter e quantas doses seriam necessárias para garantir segurança dos moradores da zona urbana e rural.

“Pelos casos e relatos da população, os ataques de jararaca aqui ocorrem em grande número, principalmente na zona rural, e se intensificam nos meses de abril a julho. Tomamos providências para evitar novos registros de morte e que a população fique com sequelas graves por não ter socorro rápido e adequado, como a natureza do problema exige. A eficácia do soro está diretamente ligada à quantidade do veneno e a rapidez de sua aplicação após a picada. Qualquer um que more aqui, teme precisar do remédio e ter que viajar quilômetros para tê-lo”, afirma Tânia.

Sentença Ignorada

Uma das vítimas de picada de jararaca em Campo Verde é a criança H. R. T., sete anos, picada pela cobra quando era um bebê de nove meses. H., vive na zona rural de Campo Verde com a família, e sobreviveu graças ao soro antiofídico, disponível à época. Porém, sofreu uma deformidade no dedo indicador da mão esquerda que tende a atrofiar o nervo, permanentemente, caso não seja operado.

A necessidade da cirurgia foi indicada por médicos ortopedistas que atenderam H., em 2017, após a criança ter sido tratada com fisioterapia e outras alternativas, sem conseguir corrigir o problema. Desde então, a mãe do garoto tenta, sem sucesso, que o Sistema Único de Saúde (SUS) providencie a cirurgia para a correção do dedo do filho.

Ação

A defensora Tânia explica que em 2021 foi procurada pela mãe de H., Bruna Santos, com a documentação indicando que, procurou o município em 2017, com guia médico indicando a necessidade da cirurgia para o filho, mas, apenas em 2019 o pedido de cirurgia foi incluído no sistema de regulação do Estado. Como nada foi feito, a Defensoria Pública moveu uma ação de obrigação de fazer, com pedido de liminar em favor da criança.

Criança precisa de passar por cirurgia no nervo do dedo para evitar danos maiores no braço esquerdo

A liminar favorável a H. foi dada em junho de 2021, pela juíza da 2ª Vara Cível de Campo Verde, Maria Lúcia Prati, que determinou ao Estado e ao município que providenciassem consulta com um cirurgião médico ortopedista, o tratamento cirúrgico, internação em leito de enfermaria e, caso fosse necessário, UTI para o menino. Consultas, exames e medicamentos também deviam ser fornecidos.

“Meu filho teve a sorte de sobreviver, graças ao acesso ao soro. Ele sofreu muito, desmaiou, ficou roxo. Após o soro teve reações, sentia muita dor, mas está bem e sobreviveu. Agora, corro atrás para arrumar o dedo dele, porque eu tenho medo do que pode acontecer. Os médicos dizem que se não fizermos logo o procedimento, o nervo do braço dele pode atrofiar e o dedo, se voltar para dentro”, conta Bruna.

Demora

Ambos os entes apelaram da decisão. Mas, na sentença de mérito publicada em agosto de 2021, a juíza determinou que, em 30 dias, o Estado e o município providenciassem todo o atendimento para a criança. Ainda assim, oito meses depois, nada foi feito e a Defensoria teve que pedir o cumprimento da decisão, determinada novamente pela juíza, em abril de 2022. A família continua aguardando.

“A população de Campo Verde está vulnerável aos ataques das cobras, sem assistência médica adequada e as pessoas que ficam com sequelas se vêem na situação vivida por essa família, que espera há mais de oito meses que a decisão liminar, mantida no mérito, seja cumprida. Caso o Estado e o município insistam em descumprir a ordem, vamos entrar com pedido de bloqueio de valores para viabilizar o atendimento”, afirma a defensora.

Tânia lembra que, caso o Estado não disponibilize o soro contra o veneno da jararaca, pela via administrativa, ela moverá uma ação civil pública para garantir o remédio na rede local.

“A providência é necessária a fim de dirimir a situação de hipervulnerabilidade da população campoverdense, em especial, os habitantes de assentamentos na zona rural, que são, além de hipossuficientes, os mais expostos aos ataques”, concluiu a defensora.

LEIA TAMBÉM

Use este espaço apenas para a comunicação de erros




Como você se sentiu com essa matéria?
Indignado
0
Indignado
Indiferente
0
Indiferente
Feliz
0
Feliz
Surpreso
0
Surpreso
Triste
0
Triste
Inspirado
0
Inspirado

Principais Manchetes