Diz a nota, seca e fria, no jornal, que o engenheiro civil Adelcio Batista Queiroz, de 67 anos, morreu em um acidente na BR-158 quando capotou sua caminhonete, próximo à cidade de Nova Xavantina, na tarde da quinta-feira (27). E acrescenta que ele era lotado na Secretaria de Estado de Infraestrutura e Logística (Sinfra) há 39 anos.

Conheci Adelcio em 2016, atendendo a uma sugestão da editora Maria Teresa Carracedo. O nome dele fazia parte de uma pequena lista de pessoas a quem eu e mais os jornalistas Rodivaldo Ribeiro e Martha Baptista poderíamos entrevistar com vistas à elaboração de um livro contando a saga da Sinfra em seus 70 anos de existência, cujo marco zero é a fundação da Comissão de Estradas de Rodagem (CER-MT), em 30 de novembro de 1946.

(A propósito, o livro resultante daquele trabalho está em vias de finalização e deve ser lançado pela Sinfra, em breve).

E, já na tarde da primeira de uma série de entrevistas que eu faria com ele, pude perceber o quanto aquele personagem seria decisivo para o trabalho que então começava. Pelo conteúdo que demonstrava ter do assunto e, sobretudo, pela paixão pela causa. A causa em questão: abertura e manutenção de vias de rodagem, construção de aterros e pontes, sonhando o futuro, pavimentando o desenvolvimento do Estado de Mato Grosso.

“Ele foi sim, a vida inteira, um engenheiro estradeiro, um homem exposto ao sol, à chuva, poeira, lama, frio e carros encravados, na vida dura dos acampamentos, nos descampados, no meio do mato, em beiras de rio; jamais quis viver a vida de engravatado”

Sempre digo que dentre os personagens com quem conversei para aquele trabalho (todos eles engenheiros, por sinal), Adelcio nunca foi o mais dócil, porém se mostrou um dos mais apaixonados e, acima de tudo, o mais generoso, um homem permanentemente disposto a contribuir para que o meu registro fosse o mais fiel possível, para que a atual e as futuras gerações que viessem a ter acesso ao livro ficassem bem informadas, com exatidão e riqueza (imensa) de detalhes.

Sem ele e sua preciosa contribuição, aquele trabalho (pelo menos quanto à parte que me toca) não teria sido nem sombra do que foi.

Além da generosidade e da paixão pelo Dermat (Departamento de Estradas e Rodagens), nome que a atual Sinfra passou a ter em 1966, outro fator que avultava às primeiras palavras de Adelcio, naquelas narrativas, era sua total e inegociável identificação com a vida da estrada. Ele foi sim, a vida inteira, um engenheiro estradeiro, um homem exposto ao sol, à chuva, poeira, lama, frio e carros encravados, na vida dura dos acampamentos, nos descampados, no meio do mato, em beiras de rio; jamais quis viver a vida de engravatado, de gabinete e ar-condicionado, mesmo quando, por merecimento, exerceu cargos de comando em sua trajetória vitoriosa na Sinfra.

Assim, conhecia cada palmo deste chão mato-grossense, cada etnia, cada sotaque de nossa gente. E, homem emotivo que era, não se furtava a demonstrar sentimentos, embargando por vezes a voz e falando com lágrimas nos olhos de pessoas, ao se recordar, por exemplo, da perda de amigos, das memoráveis jornadas de trabalho ao lado de gente a exemplo do engenheiro Carlos Antônio de Oliveira, então chefe da Residência Rodoviária de Cáceres, com quem trabalhou por alguns anos em fins da década de 70; bem como nunca haveria de negar sua profunda identificação com causas e lugares, como é o caso da abertura de estradas nas glebas da região de Cáceres (sua eterna menina dos olhos). Isto, só para ficar nesses poucos exemplos.

Sintomaticamente, morreu na estrada, numa via de asfalto mato-grossense (construída por eles, da Sinfra, como é óbvio), fazendo o que mais gostava.

A morte, aliás, sempre foi uma figura presente na vida dele e de todos os pioneiros seus companheiros no avanço das vias de rodagem Mato Grosso adentro, pelo próprio caráter rude do trabalho que então executavam. Já a vira de perto muitas vezes, perdendo amigos em acidentes, escapando milagrosamente, ele mesmo, algumas vezes.

Como diria o compositor sertanejo, o tempo cercou sua estrada na tarde da quinta-feira 27 de julho de 2017. Mas seu nome ficou na história, como bem atesta o livro dos 70 anos da Sinfra.

Seu legado está aí, nessas estradas, por seu exemplo de vida e a devoção à causa que abraçou.

Morre o homem, fica a fama, disse outro compositor sertanejo de nosso tempo, sintetizando bem a saga desse desbravador de nossas distâncias.


MARINALDO CUSTÓDIO é escritor e mestre em literatura brasileira pela Universidade Federal Fluminense (UFF)

mcmarinaldo@hotmail.com

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