Existe um tom de realismo entre os monarquistas. Apesar do sonho de um dia restaurar a monarquia – que deixou de existir há 130 anos no Brasil – os defensores dessa forma de governo avaliam que não existem condições favoráveis para que o país volte a ser governado por um imperador.
As páginas de movimentos monarquistas nas redes sociais atraem milhares de seguidores, mas o engajamento, na maioria das vezes, não passa da interação virtual.
Os monarquistas, assim como a própria família imperial brasileira, são divididos. Os mais antigos, defendem a monarquia como um estilo de vida. Enquanto, que os mais jovens, apegam-se às pompas e circunstâncias que cercam a “realeza”.
Dentre os monarquistas históricos está a historiadora e jornalista Astrid Beatriz Bodstein Romeo, 50 anos, que é uma referência dentre os pesquisadores e defensores da monarquia.
Astrid tece críticas veementes à ala ultraconservadora da família imperial, que é liderada pelos príncipes D. Luiz de Orleans e Bragança e seu irmão D. Bertrand.
Luiz reivindica para si o trono deixado pelo trisavô D. Pedro II, em 1889. Como não tem herdeiros, seu sucessor direto seria D. Bertrand.
Os irmãos são membros do movimento Tradição, Família e Propriedade (TFP), que foi fundado em 1960 pelo professor Plínio Corrêa de Oliveira, e que ficou conhecido pelas manifestações públicas que se colocavam contra temas como a reforma agrária, o aborto e o progressismo na Igreja Católica.
A ala conservadora da Família Imperial é conhecida como Ramo de Vassouras, enquanto o grupo com membros da família real mais abertos ao debate do mundo contemporâneo é conhecido como o Ramo de Petrópolis.
D. João Henrique de Orleans e Bragança, é um dos membros do Ramo de Petropólis e que mantém um discurso alinhado com a democracia e com os pensamentos liberais.
Ao LIVRE, D. João critica seu primo D. Bertrand, por manter ideias “medievais”, assim como também critica alguns movimentos pró-monarquia que debandam para vertentes políticas como o Bolsonarismo.
Joãozinho, como é conhecido, aponta que no Governo Bolsonaro existem “sérios indícios de autoritarismo”, o que considera preocupante, contudo, avalia que o atual governo foi resultado do anterior.
“O governo de hoje com todo seu extremismo é um produto do PT e seus aliados. Tantos anos de saque ao país e de corrupção institucionalizada geraram uma reação. Infelizmente do lado oposto. Radicalismo gera radicalismo”, condena.
Quanto ao fato de neo-monarquistas estarem nas manifestações pró-Bolsonaro com a bandeira do Brasil Império, D. Joãozinho afirma que essas pessoas não entendem o real sentido da monarquia, que para ele deve ser “suprapartidária” e acima de questões como “direita ou esquerda”.
Mesmo defendendo a monarquia parlamentarista como forma de governo, o príncipe afirma que o Brasil não está preparado para este sistema.
João Henrique também defende a democracia e avalia que é possível a República dar certo, mesmo que até agora tenha sido marcada por golpes e escândalos de corrupção.
Restauração da monarquia é possível?
Para a historiadora e monarquista Astrid Bodstein não existem elementos, no Brasil, para a restauração da monarquia – pelo menos por agora.
“Não existe uma classe política monarquista. Ter o Luiz Philippe (príncipe) como deputado federal e mais dois ou três parlamentares que se dizem monarquistas, não forma uma bancada monarquista e muito menos com poder de voto para uma restauração”, explica.
Luiz Philippe foi eleito deputado federal por São Paulo, em 2018, com 118,4 mil votos, e é sobrinho de D. Bertrand, sendo parte do Ramo de Vassouras.
Astrid aponta que também não existe clamor popular para que haja o retorno da monarquia. “A grande maioria das pessoas não sabe o que é monarquia e não conhece a família imperial. Não existe um sentimento de identificação com a família imperial. Se não tem apoio político e nem popular, como é que vai se restaurar a monarquia?”, questiona.
Movimento monarquista em MT
O movimento monarquista em Mato Grosso existiu de forma organizada politicamente em 1992/1993, quando foi realizado o plebiscito sobre o sistema político brasileiro.
Astrid conta que chegou a existir em Cuiabá um diretório do Movimento Parlamentarista Monárquico – liderado por D. João Henrique e pelo então deputado federal por São Paulo, Cunha Bueno.
À época dos preparativos para o plebiscito – que foi organizado por Cunha Bueno – D. João Henrique, D. Luiz e D. Bertrand visitaram Cuiabá e tentaram convencer que o retorno da monarquia seria o caminho mais assertivo para o Brasil.
Em Mato Grosso, também existiu o Círculo Monárquico – mais conservador – que também não durou muito tempo depois que o resultado do plebiscito foi pela manutenção da república presidencialista.
No período de ênfase da discussão sobre a monarquia, em Mato Grosso alguns nomes da política à época se manifestaram pró-monarquia, como foi o caso do ex-deputado estadual e ex-vice-governador, Lenine Póvoas, e do então deputado estadual e hoje produtor cultural Edilson Baracat.
Monarquistas de Facebook
Hoje, os monarquistas se organizam pelas redes sociais e atraem jovens que se vislumbram com a possibilidade de o país um dia voltar a ser governado por reis e rainhas.
É o caso do acadêmico de biblioteconomia, Erdiley Farias da Silva, 39 anos, que mora em Rondonópolis, e se considera um monarquista há 4 anos.
“Conheci o movimento por curiosidade. Eu sempre fui monarquista e não sabia. Tive uma aula na universidade, aí falaram sobre o assunto. Procurei no Facebook e conheci pessoas de São Paulo, inclusive o príncipe Luiz Felipe, que me aceitaram. Conheci alguns colegas da universidade, que também são monarquistas e sempre conversamos sobre o assunto”, relata.
Erdiley diz acreditar que um dia a monarquia possa voltar a ser uma realidade no Brasil, mas que isso só será possível se existir uma forte “campanha de conscientização”.
“Eu tenho fé que um dia a monarquia possa ser restaurada. Para isso, há necessidade de amadurecimento e conhecimento da população. É um trabalho que cabe a cada um de nós monarquistas fazer as pessoas conhecerem como foi o período imperial e as diferenças com a República”, enfatiza.
Movimento inconsistente
Para Astrid, os neomonarquistas de Facebook, como ela intitula, acabam não se aprofundando sobre a monarquia, e esta seria a causa pela qual existe muita confusão entre monarquia e ideias políticas de direita ou outras vertentes mais “extremistas”.
“Essa juventude monarquista de internet não tem leitura. Eles leem exclusivamente o que é postado na internet. Wikipedia não é fonte segura. São neomonarquistas que não tem embasamento. Falam horrores, que termina respingando no ideal monarquista”.
A historiadora critica, principalmente, os jovens neomonarquistas que apoiam a extrema direita.
“Porque quando se tem monarquista indo para as ruas, com a bandeira imperial e dizendo que quer intervenção militar, isso é uma idiotice atroz, porque a monarquia foi derrubada por um golpe militar. Então, que espécie de monarquista é este que não sabe história? Isso vira chacota”, assevera.
Monarquia: um estilo de vida
Astrid avalia que alguns valores, apesar de não serem o essencial da monarquia, são tratados como símbolos daqueles que defendem esse ideal.
Ela cita como exemplo a boa educação, o respeito ao próximo, a elegância e fino trato – que são algumas das características que muitos monarquistas – pelo menos os mais velhos – assimilam.
“Nós primamos por esses elementos que não são os principais, mas são importantes, como o respeito à hierarquia, à educação e à gentileza, que são valores, que a gente não vê hoje em dia”.
A historiadora pontua relembrando uma frase que é tida como um lema paras as famílias reais.
“Depois de vós, nós – servir o outro está em primeiro lugar. Entre os monarquistas, de modo em geral, a ideia é servir o Brasil da melhor maneira possível. Seguir esses ideais evitaria um comportamento raivoso nas redes sociais. Quando eu discuto com os neomonarquistas da internet o que me deixa horrorizada é a falta de ética”, pontua.