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Excesso de arrecadação e bloqueio orçamentário: entenda o paradoxo financeiro do Brasil

De uma maneira simplificada, tentamos te explicar como é possível arrecadar mais que o previsto e ainda faltar dinheiro

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Excesso de arrecadação e bloqueio orçamentário: entenda o paradoxo financeiro do Brasil
Foto de George Becker

Dia 28 de novembro de 2022. O jornal Correio Braziliense publica em seu site uma reportagem que afirma haver risco de interrupção de serviços básicos no país devido à falta de dinheiro. O motivo seriam os bloqueios no orçamento feitos pelo governo federal. No dia seguinte, 29, o jornal Gazeta do Povo afirma: Brasil bate recorde de arrecadação em 2022. Mais de R$ 205 bilhões, segundo o próprio Ministério da Economia.

Mas como é possível arrecadar tanto e ainda faltar dinheiro até para serviços básico? A resposta para esse aparente paradoxo está na complexa tarefa que é administrar um orçamento público.

Especialista em Direito de Estado e mestre em Controladoria, o professor da faculdade de Ciência Contábeis da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Ney Mussa, afirma que para entender esse assunto, primeiro, você deve ter em mente o seguinte: “a arrecadação é estimada, já as despesas, são fixadas”.

Isso quer dizer que, quando elabora as leis que definem para onde vai o dinheiro do orçamento do próximo ano, um governo não tem certeza (embora os estudos apontem que sim) se vai mesmo conseguir arrecadar todo o valor que projetou arrecadar. Por outro lado, é certo que gastará (ainda que faça certas economias) o valor estipulado como despesa.

“Um grande problema do Brasil, atualmente, é que 92% dessas despesas, são obrigatórias. Os ajustes, portanto, precisam ser feitos em cima dos gastos com custeio”, explica o professor.

Por despesa obrigatória entenda aquelas que não podem ser reduzidas, como o valor gasto com os salários de servidores públicos, por exemplo.

Traduzindo…

Vamos comparar com a vida de uma família comum: os gastos obrigatórios seriam a mensalidade da escola dos filhos, do plano de saúde, do aluguel. Esses valores não mudam ao longo dos meses. Já os gastos com custeio seriam as contas de água, energia elétrica, gastos com transporte, ou seja, despesas variáveis, que reduzem de acordo com os esforços de economia da família.

A arrecadação do governo, no entanto, não é como o salário de um trabalhador, que é dividido igualmente ao longo do ano. Para o governo, nem todos os meses o valor que entra nos cofres é o mesmo e, segundo o professor Mussa, os primeiros meses do ano costumam ser os mais difíceis.

“Durante o ano, o governo vai observando o fluxo de caixa. Essa avaliação é feita a cada bimestre. Se ele percebe que aquilo que foi projetado não entrou na conta, tem que ajustar as despesas”.

Com o passar dos meses, o aumento do fluxo de caixa e a contenção de gastos faz com que (aparentemente) sobre dinheiro e projetos possam sair do papel, certo? Quase!

É preciso contar com a inflação

Na comparação com nossa família hipotética é como se a vida fosse bancada com um salário de R$ 1 mil. No início do ano, todos se esforçam para reduzir os gastos e fecham os quatro primeiros meses com despesas na casa dos R$ 800.

Em maio, esse salário tem um aumento: passa a ser de R$ 1,2 mil. A sobra mensal – superávit primário na linguagem da administração pública -, então, dobra. Fazendo uma conta simples, a família chega à conclusão que é possível realizar uma pequena reforma na casa orçada em R$ 4 mil.

A realidade, no entanto, é que ao longo do ano os preços de tudo que essa família consome aumentaram e mesmo com os esforços de economia, as despesas não se mantém na casa dos R$ 800. Logo, a sobra de R$ 400 também não se mantem por todos os 8 meses necessários para juntar o dinheiro da reforma.

A obra, por sua vez, já teve início em junho. A família já se comprometeu com os prestadores do serviço a pagar os R$ 4 mil cobrados. A partir de julho, então, mais cortes nos gastos terão que ser feitos.

Prioridades…

Claro que essa comparação é bastante simplista e que na administração de um orçamento público a inflação não é a única variante que pode fazer as contas não fecharem ao final de um ano. Advogado tributarista, Victor Maizman afirma, por exemplo, que o levou o Brasil a essa situação e excesso e falta ao mesmo tempo foi a escolha das prioridades.

“Nós temos um debate sobre o fundo eleitoral – para onde muito dinheiro público foi remanejado – e, desde que eu me entendo por gente, ouço falar em reforma tributária, mas acho que essa discussão precisa avançar para uma revisão dos gastos e não só de como se arrecada”, ele defende.

Quanto à culpa pela situação ter chegado ao ponto que chegou, Maizman lembra: “é evidente que podemos atribuir a culpa ao Poder Executivo, mas a sociedade também tem sua parcela de responsabilidade”.

Todos os orçamentos são debatidos antes de serem aprovados. A lei brasileira determinar que audiências públicas sejam realizadas para apresentar os números à sociedade. E, na avaliação dele, “a sociedade falha ao fiscalizar”.

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