Principal

Para críticos, modelo das ZPE está superado

10 minutos de leitura
Para críticos, modelo das ZPE está superado

Maria Anffe/GcomMT

Rio Paraguai, em Cáceres

Criação da hidrovia pelo rio Paraguai, em Cáceres, é considerada importante para o sucesso da ZPE

Trinta anos depois de ter sido apresentada como o principal instrumento para a geração de emprego, renda e desenvolvimento na região Oeste de Mato Grosso, a Zona de Processamento de Exportação (ZPE) de Cáceres tem tudo para começar a sair do papel em 2017. No início de maio, o governador Pedro Taques esteve na cidade para assinar a ordem de serviço para a primeira etapa das obras.

O orçamento é de R$ 16 milhões e corresponde a cerca de 25% do projeto, que prevê uma área de 240 hectares dividida em cinco módulos para abrigar mais de 200 empresas. Na primeira etapa, estão previstas as obras dos escritórios da administração e da Receita Federal, pátio de manobra, guaritas, galpão, além de redes elétrica, de água e esgoto. A previsão é concluir em julho de 2018.

Rebatizada como ZPE de Mato Grosso, como uma forma de destacar seu papel estratégico, a estrutura vem sendo descrita pela divulgação oficial como uma indutora de transformações na economia do Estado. “A ZPE está localizada em Cáceres, mas é de todo Mato Grosso”, disse o governador, em abril de 2016, quando autorizou a licitação para a obra. “Daqui, nossos produtos ganharão o mundo com mais competitividade e valor agregado, mudando a realidade desta região”.

O prefeito da cidade, Francis Maris Cruz, estima que a estrutura atraia “um mínimo de 250 empresas em fase inicial”, gerando dois mil empregos diretos e três mil indiretos. “Cáceres está estrategicamente localizada para aproveitar a saída para o Pacífico. Estamos a 1.700 quilômetros dos portos do Chile e do Peru. Em vez de produtos in natura, vamos agregar valor aqui”.

“Daqui, nossos produtos ganharão o mundo com mais competitividade e valor agregado”

O que é a ZPE
Pela legislação atual, as empresas que se instalam em uma ZPE ganham isenção de impostos e contribuições federais (IPI, Cofins e PIS/PASESP) na compra de bens e serviços nacionais. E, nas exportações, ficam suspensos os pagamentos do Adicional de Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM) e o Imposto de Importação.

“Em contrapartida a esse pacote de benefícios oferecidos pelo governo, as empresas que operam em ZPE devem auferir 80% de sua receita bruta anual com exportações”, diz trecho de nota do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC).

No caso dos impostos estaduais, a desoneração já vigora para exportações desde a edição da chamada Lei Kandir em 1996 – mecanismo de incentivo que se tornou norma constitucional em 2003. Esse ponto também é levado em conta pelos críticos do projeto.

Faltam vantagens, diz economista
O otimismo manifestado em torno da ZPE de Mato Grosso não é unanimidade. O economista e sociólogo Maurício Munhoz, por exemplo, diz não ver na empreitada um potencial que vá além das divisas do município e seu entorno imediato. “Não será a redenção do município e muito menos do Estado, como estão colocando”, afirma. “Não tem o menor cabimento pensar nisso”.

“Como é que um lugar remoto
e que não é uma zona de produção relevante vai atrair essa enormidade de empresas que estão dizendo?”

Para Munhoz, o contexto econômico, aduaneiro e fiscal que motivou a idealização das ZPE na década de 1980 não existe mais. “Hoje o mundo todo é uma ZPE. Todo mundo oferece facilidade tributária”, argumenta. “Como é que Cáceres, um lugar remoto e que não é uma zona de produção relevante, vai atrair essa enormidade de empresas que estão dizendo?”.

Segundo ele, a logística é um atrativo primordial que, no momento, o município não tem a oferecer. E a anunciada reabertura da hidrovia Paraguai-Paraná, afirma, pode até trazer um impulso, mas não a ponto de viabilizar o projeto tal como se espera.

“A hidrovia ajudaria de fato a alcançar o mercado sul-americano, mas, ainda assim, precisaria de mais. O ponto principal hoje é o ambiente de negócio, algo que a China investe muito e que o nosso projeto de ZPE está longe de oferecer”, avalia.

Por “ambiente de negócio”, Munhoz cita medidas para agilizar a obtenção de certificações e licenças em órgãos como o Indea e a Sema, por exemplo. “A única coisa que estão prevendo são isenções tributárias e uma pequena infraestrutura local. Será um mero distrito industrial”, critica.

Maria Anffe/GcomMT

Câmara Municipal de Cáceres

Na Câmara de Cáceres, vereador do PSDB, partido de Taques, questiona viabilidade da ZPE


Sem interessados?

O vereador Cezare Pastorello (PSDB), hoje “líder” da oposição ao projeto na Câmara Municipal de Cáceres, também questiona os benefícios alardeados sobre o projeto. “A ideia das ZPE surgiu quando o Brasil ainda tinha um mercado protegido. A abertura gradual e a Lei Kandir mataram as principais vantagens.” 

“Não há, de fato, nenhuma indústria querendo se instalar”

Desde o ano passado, Pastorello encaminhou uma série de requerimentos para obter da prefeitura e do governo do Estado uma lista oficial de empresas que declararam interesse em se instalar na futura ZPE, mas diz que não obteve resposta. “Todos os requerimentos dão vazio. Não há, de fato, nenhuma indústria querendo se instalar”, relata o parlamentar.

Pelo Brasil, não faltam exemplos de ZPE que não decolaram. A estrutura de R$ 60 milhões erguida nas imediações da zona portuária de Rio Grande (RS), por exemplo, não atraiu empresas e acabou desativada. Os pátios das ZPE de Fernandópolis (SP), Macapá (AP), Macaíba (RN) e Rio Branco (AC) também não cumpriram o prometido após a implantação da infraestrutura básica.

“A ZPE de Rio Grande fica ao lado de um porto internacional. A de Rio Branco está totalmente estruturada, com tudo o que vamos ter aqui. E está mais dentro do mercado andino do que Cáceres”, argumenta Pastorello. “Mesmo assim não houve interesse de nenhuma empresa do mundo para se instalar por lá”.

Para o vereador de Cáceres, a expectativa gerada pelos discursos oficiais poderá frustrar a população. “Eu vejo pessoas falando em 40 mil empregos. Tem gente vindo de fora para arrumar emprego na ZPE. A população está alheia a essa situação econômica mundial que tira a ZPE de qualquer viabilidade”.

José Medeiros/GCom MT

Governador Pedro Taques assina ordem para início de construção da ZPE de Cáceres

Em maio, governador assinou a ordem para início de construção da ZPE de Cáceres


Novo contexto

Ligado ao projeto desde o primeiro momento e sócio minoritário da associação que irá gerir a ZPE de Mato Grosso, o engenheiro civil Adilson Reis minimiza as preocupações dos críticos e garante que o modelo evoluiu para acompanhar as mudanças no comércio internacional. “Quem diz que ZPE é algo do passado está descontextualizado por completo. Existe uma nova metodologia e ferramentas de tecnologia da informação, ou seja, a ZPE de Cáceres já vai nascer sob outra configuração”, assegura.

Em maio, Reis participou de fórum sobre o modelo em Cartagena (Colômbia) onde, conta ele, foram apresentados muitos casos de sucesso mundo afora. “No Brasil, a nova legislação está em discussão no Congresso, admitindo até outros tipos de áreas de trabalho, como a de serviços, por exemplo”, diz.

A ampliação do limite para a comercialização com o mercado interno, que hoje é de 20%, é outra mudança defendida por Reis e que está em discussão em Brasília. “Esse percentual, mundialmente, é da ordem 40%”, opina.

“Acredito na indústria de transformação de carnes como grande impulsionadora. Na sequência, o setor têxtil, que irá beneficiar nosso algodão, e
o setor madeireiro”

Potencial da agroindústria
Sobre a experiência das ZPE que fracassaram, o secretário Ricardo Tomczyk (Desenvolvimento Econômico) diz que é preciso conhecer os casos e “aprender as lições”, mas diz ver em Mato Grosso uma realidade distinta.

“Não dá para comparar a economia de Mato Grosso com a do Acre. Nós temos aqui um imenso potencial econômico, principalmente com as matérias primas produzidas pelo agronegócio”, diz o secretário.

A primeira vocação da estrutura, afirma, será agroindustrial. “Acredito muito na indústria de transformação de carnes como a primeira grande impulsionadora. Na sequência, o setor têxtil, que irá beneficiar o nosso algodão, e o setor madeireiro”.

Tomczyk diz ver no mercado sul-americano um destino natural para a produção da ZPE. “São 140 milhões de consumidores aos quais o Brasil geralmente vira as costas. Nós estamos em busca desse mercado, não apenas Europa e Ásia”, defende.

Outro possível chamariz para as empresas é a implantação de um ramal do gasoduto Brasil-Bolívia até a ZPE. “Uma canalização vai gerar uma fonte de energia barata e viável para as empresas instaladas”, relata.

Maria Anffe/GcomMT

Cáceres

 Prefeito de Cáceres estima geração de cinco mil empregos diretos e indiretos na cidade

Use este espaço apenas para a comunicação de erros




Como você se sentiu com essa matéria?
Indignado
0
Indignado
Indiferente
0
Indiferente
Feliz
0
Feliz
Surpreso
0
Surpreso
Triste
0
Triste
Inspirado
0
Inspirado

Principais Manchetes