Cuiabá

Livre Responde: por que Cuiabá ficou conhecida como Cidade Verde?

O apelido nasceu por uma questão geográfica, ganhou força pela paixão de um poeta e se consolidou por uma questão cultural

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Livre Responde: por que Cuiabá ficou conhecida como Cidade Verde?
(Foto:Ednilson Aguiar / arquivo / O Livre)

Por décadas e décadas, a expressão “Cidade Verde” foi passada de pai para filho como um apelido para Cuiabá. O verde, de fato, já não é tão visto pelas ruas da Capital mato-grossense como antigamente, mas o apelido segue famoso nas ruas, em poemas, em músicas e em campanhas publicitárias e políticas.

A verdade é que o apelido nasceu há muito tempo, quando tudo – quase literalmente – ainda era mato. Primeiro devido à localização de Cuiabá, que lá no início do século XX era isolada, como uma “ilha verde”.

Mas foi nos poemas do sacerdote, poeta e político Dom Aquino Corrêa que o apelido foi massificado. Fundador do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso e da Academia Mato-grossense de Letras, e primeiro mato-grossense a ocupar uma cadeira na Academia Brasileira de Letras, ele escreveu diversos poemas demonstrando sua paixão por Cuiabá, que ele chamava nestes textos de Cidade Verde.

Para contar a história desse apelido, que nasceu por uma questão geográfica, ganhou força pela paixão de um poeta e se consolidou por questão cultural, o LIVRE convidou o servidor público cuiabano e diretor associado da Casa Silva Freire João Paulo Lacerda Paes de Barros, 39 anos, para responder à pergunta: “Por que Cuiabá ficou conhecida como Cidade Verde?”.

A reportagem faz parte da série “LIVRE responde”, que esclarecerá questões sobre Cuiabá, que pairam na cabeça dos cuiabanos e paus-rodados.

João Paulo - matéria Cidade Verde
João Paulo Lacerda Paes de Barros (Foto: Vanessa Suzuki / O Livre)

Ilha Verde

Segundo João Paulo Lacerda Paes de Barros, o apelido Cidade Verde teve início por uma questão geográfica, visto que Cuiabá nasceu nos “rincões do Brasil” e, no início do século XX, só era possível chegar a Cuiabá através de embarcações.

Passava pela Argentina, Paraguai, cortava no Porto de Corumbá e de lá vinha rio a dentro, até chegar em Cuiabá. Então, a gente ficava realmente em um grande centro-oeste brasileiro, meio que isolado de tudo, era uma ilha verde. Cuiabá já nasceu geograficamente assim, rodeado de muita coisa verde, bioma Pantanal de um lado, o Cerrado do outro, Amazônia”, disse.

Por conta dessa localização “difícil”, Cuiabá até mesmo tinha problemas de comunicação com o restante do Brasil. O estudioso conta que, até por volta da virada do século XX, a região tinha mais comunicação com a Argentina, a Bolívia e o Paraguai do que com o Brasil.

E é por conta dessa distância, desse isolamento, por ficar nessa ilha verde, que ela começou a ter essa fama de localidade rodeada de muita natureza”, explicou João Paulo.

Até mesmo a produção cultural da época mostra Cuiabá como uma cidade verde. Como exemplo, João Paulo apresentou à reportagem o livro “Paraíso Verde”, do padre Jacomo Vicenzi, que traz fotos antigas da cidade e mostra até mesmo o centro da, hoje, Capital mato-grossense rodeado de verde.

Cidade Verde
Imagem do livro “Cuiabá: Imagens da cidade – dos primeiros registros à década de 1960″, de Maria Auxiliadora de Freitas 😉

Massificação do Cidade Verde

O apelido Cidade Verde, no entanto, teve um padrinho ilustre, que fez com que todos criassem o costume de usá-lo: Dom Aquino Corrêa. Sacerdote, poeta e político, Dom Aquino era apaixonado por Cuiabá e fazia questão de mostrar esse amor em seus poemas em homenagenm à cidade.

“Tem uma obra dele que se chama ‘Terra Natal’, onde ele faz um poema que se chama ‘Cidade Verde’, e aí ele sempre falava de Cuiabá citando essa nomenclatura de Cidade Verde. Ele fez tanto isso nos poemas dele, que ele massificou esse nome: ‘Cuiabá Cidade Verde’. Foram os poemas dele que, de certa forma, culturalmente, colocaram essa legenda na nossa cidade, e de lá para cá continua”, afirmou João Paulo.

Dom Aquino Corrêa
(Foto: reprodução)

Uma cidade já não tão verde

O processo de metropolização da cidade fez com que, aos poucos, Cuiabá fosse perdendo o verde de suas ruas. Um dos grandes críticos dessa metropolização não planejada foi o poeta Silva Freire, que nasceu em Mimoso, distrito de Santo Antônio de Leverger, mas viveu toda a vida em Cuiabá.

“O verde briga com essa metropolização. O próprio poeta Silva Freire tinha uma crítica a essa metropolização desenfreada e sem nem um tipo de planejamento. Ele achava que estavam verticalizando as famílias cuiabanas, quando aqueles grandes prédios estavam tampando os horizontes da cidade. E, de certa forma, esse aspecto dessa cidade verde foi se perdendo quando essa metropolização de fato começou a vir de forma muito agressiva, nos anos 80, 90… O mercado imobiliário foi evoluindo tanto que o verde foi dando espaço para isso”, disse João Paulo, que é diretor da Casa Silva Freire, criada para preservar a obra do poeta.

João Paulo acredita que o maior problema não foi o crescimento da cidade, mas sim a falta de planejamento urbano, que poderia ter sido realizado para que os bairros fossem criados já arborizados e mantendo regiões verdes.

Por essa falta de planejamento urbano, acabou que essa metropolização se instalasse sem planejamento nenhum, destruindo esse verde que abraçava a cidade”.

Além disso, o servidor público citou alguns pontos mais específicos – e habitualmente lembrado pelos moradores da Capital – como as obras do VLT.

Ele não é o foco do problema, não foi ele que acabou com a cidade verde, mas são coisas que agregam e que dificultam. Você destruiu toda arborização da Fernando Corrêa, da Avenida Rubens de Mendonça, a toa! Agora com o projeto do BRT essa destruição talvez se justifique de alguma forma, mas por enquanto não se viu isso”, lamentou.

Avenida do CPA
(Foto: Ednilson Aguiar/ O Livre)

É possível voltar a ser a cidade verde?

João Paulo não tem dúvidas de que Cuiabá pode voltar a ser uma capital que merece o apelido de Cidade Verde.

“Eu acho que se a qualquer momento você parar para refletir e fizer uma mudança positiva isso é louvável. Independente de boa parte do verde do centro da nossa cidade já estar destruído, Cuiabá ainda está se ampliando cada vez mais e essa ampliação ainda dá tempo de você planejar e deixar algumas áreas verdes, deixar sistemas de arborização”, disse.

A exemplo, ele citou a região da saída de Cuiabá sentido ao Distrito da Guia, em que estão sendo construídos diversos condomínios. Para João Paulo, regiões que ainda estão em expansão trazem oportunidades de serem corrigidos os erros dos bairros em que o crescimento da cidade aconteceu sem planejamento.

“O centro eu acho que já é um pouquinho complicado para você abrir uma área verde, teria que destruir construções, porque ali está muito aglomerado. Mas eu acho que salvar o pouco que tem na região central é uma boa pedida. O próprio Morro da Luz poderia ser uma praça de caminhada para a família cuiabana no centro da cidade. Seria uma maravilha! E não é isso que a gente vê. É um lugar abandonado, todo mundo tem medo de se aproximar daquele local, nunca nem subiu. E é exatamente onde nasceu Cuiabá, tem uma arborização linda lá dentro. Seria uma caminhada maravilhosa para a família cuiabana e para a revitalização do Centro Histórico”.

Apesar de esperançoso, João Paulo não acredita que isso deva acontecer no curto prazo. Mas, nascido em Cuiabá e filho de cuiabanos, ele é tão apaixonado pela Capital mato-grossense quanto Dom Aquino Corrêa, e fez questão de declamar um poema do poeta para a reportagem, dizendo que “matérias como essa do  Livre resgatam um pouquinho dessa nossa Cuiabá Cidade Verde e não Cuiabrasa”. 

Poema Cidade Verde – Dom Aquino Corrêa

Sob os flabelos reais de mil palmeiras,
Tão verdes, sombranceiras
E lindas como alhures não as há,
Sobre alcatifas da mais verde relva,
Em meio a verde silva,
Eis a “cidade verde”: Cuiabá!

Guardam-na, frente a frente, quais gigantes
Eternamente amantes,
Os seus dois morros, e tão verde são,
Que até refletem plácidos verdores
Nos lares cismadores,
Que enchem do vale a plácida mansão.

Muita vez, na amplidão do céu ridente,
Que tão macramente,
Sobre ela curva o cérulo matiz,
Passa a nuvem dos verdes periquitos,
Gárrulos e infinitos,
Qual chusma de esperanças infantis.

Passa!… e na calma do horizonte verde,
Que além no azul se perde,
Ela adormece ao ósculo fugaz
Centrando a barcarola
Infinita dos beijos e da paz.

Poema publicado no livro Terra natal, de 1919.

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