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Livre Responde: afinal, o aeroporto é de Cuiabá ou de Várzea Grande?

Se você tem dúvida, ou já entrou em uma discussão por essa questão, vem descobrir a história inteira para, daqui para frente, falar com propriedade

10 minutos de leitura
Livre Responde: afinal, o aeroporto é de Cuiabá ou de Várzea Grande?
(Foto: Ednilson Aguiar / arquivo / O Livre)

Cuiabanos e várzea-grandenses vivem em, quase, perfeita harmonia. Afinal, as duas cidades são divididas – e também ligadas – apenas por algumas pontes. Mas há uma questão que, quando entra em cena, sempre causa discussão: “O aeroporto é de Cuiabá, ou de Várzea Grande?”

A edificação em discussão é o Aeroporto Internacional Marechal Rondon que, já respondendo a pergunta, é de Cuiabá, mas está localizado em Várzea Grande.

Mas, para explicar direitinho essa história, e te deixar com a resposta na ponta da língua quando surgir essa pergunta na mesa do bar, na reunião de família, ou até mesmo durante uma discussão nas redes sociais, o LIVRE convidou o engenheiro civil, mestre, doutor e professor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) Paulo Modesto, 75 anos, para responder: “Por que o aeroporto de Cuiabá é em Várzea Grande?”

A questão dá início à série “LIVRE responde”, que esclarecerá questões sobre Cuiabá, que pairam na cabeça dos cuiabanos e paus-rodados.

Distrito de Cuiabá

Para o doutor Paulo Modesto, não é significativo se o aeroporto é da Capital, ou da cidade vizinha, pois o Marechal Rondon deve ser visto como de Mato Grosso.

“O aeroporto é de Mato Grosso, nós temos hoje um aeroporto internacional, na cidade de Várzea Grande, que, quando foi feito, Várzea Grande era um distrito de Cuiabá. Claro que, quando foi inaugurado já era um município, mas quando foi feita a escolha da área, todos os projetos, Várzea Grande era do município de Cuiabá”, explicou o professor.

A construção do aeroporto teve uma longa história. Os projetos tiveram início em 1942, mas demorou 14 anos para que o local ficasse pronto e a inauguração do Marechal Rondon aconteceu somente em 1956. Durante esse período, Várzea Grande deixou de ser um distrito de Cuiabá e se tornou um município.

“Na verdade era um bairro de Cuiabá, né? Você não ouve dizer por aí que o Porto é o segundo distrito? Tinha 3 distritos em Cuiabá: o 2º era o Porto e o 3º Várzea Grande. Agora, demorou tanto [para ficar pronto], de 42 para 56, que [a história] seguiu. O dinheiro que foi usado para as obras era do Governo Federal, da aeronáutica”, contou Paulo Modesto. 

O professor afirmou que toda a demora foi motivada por falta de recursos durante os anos da construção.

Matéria Aeroporto Marechal Rondon
Paulo modesto é cuiabano, professor na UFMT, mestre em hidráulica e saneamento e doutor em meio ambiente e biologia aplicada (Foto: Isabella Suzuki / O Livre)

O primeiro aeroporto

Segundo Modesto, apesar de ser a Capital, Cuiabá não foi a primeira cidade de Mato Grosso a receber um pouso de avião, mas sim Cáceres (220 km da Capital), em 1927. O voo foi realizado por um hidroavião.

Cuiabá só foi receber seu primeiro voo em 1929, quando não tinha nem 50 mil habitantes. Uma aeronave vinda de São Paulo pousou no pequeno Aeroporto do Campo Velho, que ficava entre as avenidas Fernando Corrêa e a Carmindo de Campos, onde hoje é localizado o Bairro Pico do Amor.

“A pista era pequena, de terra, acho que ela não tinha nem 600 metros. Se não me engano, esse voo vinha de São Paulo. Não foi a inauguração, foi só o 1º pouso, a chegada do 1º voo. Esse aeroporto funcionou por toda década de 30”, relatou.

O Correio Nacional, por exemplo, pousava no Campo Velho na década de 30. Os voos do local não eram destinados para transporte de pessoas. Porém, segundo Modesto, às vezes, quando tinha lugar sobrando, era possível “pegar carona” em algum voo.

Cuiabá contou, ainda, com o hidroavião, que pousava sobre as águas do Rio Cuiabá e proporcionou os primeiros voos de transporte de Mato Grosso.

Porque esse primeiro pouso em Cuiabá [no Campo Velho] não era transporte civil. No Rio Cuiabá já pousou a companhia aérea Condor, que foi a primeira que trouxe para Cuiabá um aparelho pequeno, de 4 pessoas, era o piloto, radiotelegrafista, copiloto, e 4 pessoas. E, depois, passaram para uma aeronave maior, de 11 pessoas, isso na década de 30″, contou o engenheiro Paulo Modesto.

No final da década de 30, foi criado um aeródromo com melhor estrutura, chamado à época de Aeroporto Campo de Aviação, ou Aero Clube de Mato Grosso, onde atualmente é o Círculo Militar, que funcionou por mais de uma década.

Aero Clube de Mato Grosso – Campo de Aviação, hoje Círculo Militar (Vila Militar) –
Avião Merire Curireu, ao fundo o Hangar de madeira (Foto: reprodução)

Nascimento do Marechal Rondon

A cidade foi crescendo e o desenvolvimento trouxe a preocupação de que a área onde existia o aeroporto de Cuiabá à época não tinha a extensão desejada para um aeroporto de grande porte, como necessário para a Capital de Mato-Grosso.

Diante disso, em 1942 foi criado o Ministério da Aeronáutica e dado início ao estudo para a criação de um novo aeroporto. A princípio, duas áreas foram apontadas como opções, uma na região do Coxipó, em Cuiabá, e outra em Várzea Grande, que foi, por fim, escolhida.

Mas foi somente em 1949 que o terreno onde hoje é o Aeroporto Marechal Rondon foi doado oficialmente pelo governo estadual a Cuiabá. Mas, segundo Modesto, as obras tiveram início antes do processo oficial de doação da área.

“Tem muita gente que acredita que foi peso político. Existiam muitos políticos na época, inclusive várzea-grandenses, que tinham o interesse que o aeroporto fosse para lá, porque eles achavam que ia puxar o desenvolvimento para aquela região”, disse o doutor Paulo Modesto.

O professor conta que a necessidade de um novo aeroporto era tamanha, que a primeira pista de pouso era de terra, sem pavimentação, e ainda não havia uma delimitação exata da área que pertenceria ao aeroporto. Até que foi realizada a doação dos 700 hectares, como desejava o Ministério da Aeronáutica, em 1949. E a inauguração oficial aconteceu em 1956.

“É possível que antes de 1956 tenha acontecido algum pouso. Na verdade, em 56 a pista já era pavimentada. Então, foi a inauguração, mas eu não sei dizer se antes disso teve algum pouso, na pista que era de terra. Certamente os aviões pequenos deveriam pousar antes disso”, disse o professor. 

Aeroporto Marechal Rondon
Aeroporto Marechal Rondon (Foto: reprodução)

Aeroportos em cidades vizinhas

Cuiabá não é a única capital dos estados brasileiros cujo aeroporto está situado em uma cidade vizinha. Natal e Curitiba, por exemplo, também seguem o mesmo padrão. O motivo, segundo Paulo Modesto, é a limitação que um aeroporto traz para o crescimento de uma cidade, no sentido de estrutura urbana, para manter a proteção dos voos.

“Outra questão é você interferir no dia a dia dessa cidade. Nós fazemos estudos aqui na Universidade [UFMT] de poluição sonora, já fizemos alguns do aeroporto e é impressionante como a circunvizinhança de Várzea Grande é afetada. Se você olhar a parte de cima, o aeroporto Marechal Rondon está envelopado pela cidade, na verdade o aeroporto dividiu essa cidade em duas partes”, disse o doutor.

“É claro que na época que ele foi pensado não existia a outra parte, existiam alguns bairros, mas não se pensava que ia dividir a cidade em duas. Então, hoje você vê muita gente com problemas de incômodo em função do aeroporto. A própria questão de edificação da área precisa ser controlada, em função do pouso e decolagem. Tem que ter uma área de segurança aérea que impede a construção de edificações”, completou. 

Aeroporto Internacional de Cuiabá . Marechal Rondon
(Foto: Ednilson Aguiar / arquivo / O Livre)

Curiosidade

Cuiabano, Paulo Modesto não só estuda a história da Capital mato-grossense, como viveu parte dela de perto. Ele conta que morava na Rua XV, no Centro de Cuiabá, quando João Goulart era presidente do Brasil, e presenciava Jango passando na porta de sua casa para fazer compras na Sapataria Mercúrio, que, na verdade, vendia um pouco de tudo.

O então presidente costumava trazer sua esposa, Maria Thereza Fontella Goulart. Em uma dessas viagens, ao chegar no aeroporto de Cuiabá, a primeira-dama do Brasil precisou ir ao banheiro e ficou estarrecida com o que viu.

“Ela pressionou o marido, argumentou, para que viesse um recurso para Cuiabá, porque fez o aeroporto mas não tinha a estrutura, um aparato de recebimento das pessoas, era um galpão de madeira. Eu imagino que ela foi ao banheiro, e como devia ser o banheiro, né? E ela mandou recurso”, contou o engenheiro civil cuiabano, se divertindo com a lembrança.

Por este motivo, segundo o doutor Paulo, o aeroporto chegou a ser chamado, por um curto período, de Maria Thereza Fontella Goulart, o que não chegou a ser oficializado.

Ouço dizer que chegou até ter uma placa lá, mas veio o golpe militar no Brasil. Então, acabaram com isso, né? Colocaram Marechal Rondon, surgiu depois”, disse.

(Foto: Isabella Suziki / O Livre)

O nome

A lei nº 4.629, que determinou que o aeroporto que servia a Cuiabá e Várzea Grande se chamaria Marechal Rondon, foi assinada no dia 14 de maio de 1965, no governo do então presidente Humberto de Alencar Castello Branco.

Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon foi um engenheiro militar e sertanista brasileiro nascido em Mimoso, distrito de Santo Antônio do Leverger (35 km de Cuiabá), famoso por suas explorações de Mato Grosso e da Amazônia, por sua competência na construção de linhas telegráficas, inclusive fez a primeira linha telegráfica de Mato Grosso, e por ser um intenso defensor da população indígena.

“Ele foi um pacificador, se preocupava muito com o ‘não ataque’, com a proteção dos índios. Ele foi indicado para o prêmio Nobel da Paz. Mas, infelizmente… Dizem os estudiosos – que não são brasileiros, tá? -, que, com a obra que ele fez, foi uma das maiores injustiças de não ter dado o prêmio para ele, pela magnitude do empreendimento que ele fez para o país. Ele ligou o Brasil com linhas telegráficas”, afirmou o professor Paulo Modesto.

Rondônia recebeu esse nome em homenagem a Marechal Rondon. Ele é o patrono da arma de Comunicações do Exército Brasileiro. E o “Pai das Telecomunicações Brasileiras”. Inclusive, o dia 5 de maio, data de seu aniversário, é também o Dia Nacional das Telecomunicações.

Brasil, São Paulo, SP, 22/05/1955. Desembarque do Marechal Rondon no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo. Pasta: 3922 – Crédito:OSWALDO PALERMO/ESTADÃO CONTEÚDO/AE/Código imagem:162996

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