Uma semana atrás a Justiça de Mato Grosso mandou o governo do Estado intervir na administração da Saúde em Cuiabá. O objetivo: readequar os serviços prestados à sociedade. Havia denúncia de falta de médicos e as primeiras informações sobre a gestão da secretaria começaram a ser divulgadas ontem (4). Entre os pontos mais destacados, uma suposta dívida de R$ 350 milhões.
Mas, você entende o que está acontecendo? A intervenção administrativa está prevista no artigo 35 da Constituição Federal e faz parte dos preceitos do estado de bem-estar social. Funciona mais ou menos assim: se os serviços vão mal e o ente responsável por administrá-los não consegue fazer melhor, há motivos para a intervenção.
Conforme o artigo 35 da Constituição, a intervenção deve ocorrer sempre de acordo com as regras da composição do país. O governo federal pode fazer a requisição administrativa sobre o Estado e o Estado sobre o município.
Como ocorrem as intervenções?
A decisão de intervir pode ser tomada de duas formas. O governo federal, ou Estado, pode adotar a medida por iniciativa própria, se entender que existem motivos que levarão ao colapso dos serviços públicos. É a chamada intervenção espontânea.
Há três hipóteses para ela:
- se o estado ou município estiver há dois anos consecutivos sem pagar dívidas;
- se os serviços previstos nas constituições Federal e Estadual não estiverem sendo prestados;
- e se o mínimo de dinheiro (25% do orçamento) não estiver sendo aplicado na educação.
A intervenção também pode ser determinada pela Justiça, seguindo as regras de União, Estados e municípios. Neste caso, a intervenção é provocada. Foi o caso que ocorreu com a Saúde em Cuiabá.
Nesta hipótese, a Justiça deve levar em conta três critérios:
- descumprimento de ordens judiciais,
- não cumprimento de leis,
- uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI).
A intervenção na Saúde em Cuiabá
A intervenção no SUS (Sistema Único de Saúde) de Cuiabá foi determinada pelo desembargador Orlando Perri, no dia 28 de dezembro. Ele atendeu um pedido do procurador-geral de Justiça, José Antônio Borges, chefe do Ministério Público de Mato Grosso.
No pedido, estão apontadas três ações que a Prefeitura de Cuiabá teria descumprido.
- um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado em 2018 com o próprio MP para reduzir a quantidade de servidores temporários na saúde.
- a ineficiência para limitar o número de servidores temporários a 25% do total e abrir concurso público para preencher as vagas que ficariam abertas.
- suspender novas contratações de temporários.
Conforme o MP, a situação administrativa ficou ainda mais grave quando chegaram denúncias do Sindicato dos Médicos de Mato Grosso (Sindimed) sobre falta de médicos, o que estaria causando furo nas escalas de plantão. Além disso, faltava também medicamentos e havia atraso no pagamento de salários.
Segundo o MP, os dados foram apresentados pelo sindicato em agosto do ano passado, mas a deficiência estaria se arrastando desde 2018, em coincidência com o ano de assinatura do TAC.
O que acontece durante a intervenção?
O advogado Felipe Amorim Reis, membro da Comissão de Estudos Constitucionais da Ordem dos Advogados do Brasil em Mato Grosso (OAB-MT), diz que a intervenção tem caráter duplo: administrativo e financeiro.
O poder interventor assume todas as responsabilidades do prefeito na área interditada e fica obrigado, no prazo estabelecido pela Justiça, a apresentar um diagnóstico da situação.
“Eles começaram a fazer um raio X da Saúde. Eles devem ter acesso a todo tipo de documentos como se fossem o prefeito. E, ao final do prazo, terão que apresentar um relatório para o Estado, que vai decidir se pede ou não mais prazo para continuar com a intervenção”, explica.
Conforme o decreto do governo, o interventor nomeado tem o poder de exonerar funcionários e contratar outros para ocupar os cargos em aberto, se achar necessário.
O advogado Felipe Amorim diz que, no caso de secretário, a pessoa que estiver ocupando o cargo no momento da intervenção fica afastada, pois somente o prefeito teria o poder de exonerá-la. O pagamento ou não do salário dela durante esse período depende da decisão do prefeito.
O problema das dívidas
Felipe Amorim acrescenta que o caráter financeiro da intervenção inclui, além da identificação das dívidas e da quantia de dinheiro em caixa, a ajuda do Estado e da União para resolver o problema de deficiência financeira.
No caso em andamento em Cuiabá, a colaboração entre União, Estado e município é reforçada pela característica universal do SUS no Brasil.
“O SUS não é um serviço só do município, ele deve atender todo mundo que procurá-lo. O financiamento dele é, dessa forma, tripartite, com dinheiro da União, do Estado e dos municípios. O município é o nível de administração que menos recebe dinheiro, e eles ficam obrigados a ajudar”, comenta.
O advogado diz que não há uma regra fixa para os casos especiais (como a intervenção) de quanto cada ente deve colaborar para restabelecer o funcionamento dos serviços.
O boletim do gabinete de intervenção calculou, até o momento, pagamentos em aberto de R$ 350 milhões. A Justiça deu 6 meses para o Estado fazer um diagnóstico e apresentar uma solução para o caso.