Mato Grosso tem sido cenário de terríveis casos de crimes sexuais. Infelizmente, a falta de informação e a vergonha fazem com que, muitas vezes, a vítima ou a pessoa que testemunhou um abuso, não saibam nem por onde começar uma denúncia. Com isso, abusadores acabam impunes, diante de um crime que marca para sempre a vida de quem foi agredido.
A primeira coisa que todo mundo precisa saber é: a culpa nunca é da vítima e nada justifica um abuso.
Segundo o delegado Claudio Álvares Santana, titular da Delegacia da Mulher de Várzea Grande, crimes sexuais são crimes que atentam contra a dignidade sexual, seja de um homem ou de uma mulher.
“Qualquer investida de natureza sexual contra a vontade do homem ou da mulher, de maneira invasiva, é um crime sexual”, ele esclarece.
O que fazer em caso de assédio ou importunação sexual?
O primeiro passo é não se calar. Se o assédio ou a importunação tiver acabado de acontecer, disque 190 para que seja feito o flagrante. Se não for caso de flagrante, procure qualquer delegacia.
Confeccionado o boletim de ocorrência, o Estado dará início a uma investigação.
Como provar um assédio ou importunação?
Em crimes sexuais, a palavra da mulher tem muito valor. Além disso, conversas de WhatsApp, vídeos e relatos de outros funcionários (no caso do assédio) ou de pessoas que estavam próximas (no caso da importunação) também valem como prova.
E se a importunação acontecer dentro de um veículo de app?
Imediatamente, anote a placa do veículo e, se conseguir, dados do condutor. Se possível, acione a polícia via 190 na mesma hora, para que seja feito o flagrante.
Caso não consiga, direcione-se para a delegacia mais próxima e registre um boletim de ocorrência, com todos os dados que tiver conseguido.
E se for dentro de um estabelecimento particular?
Está em um bar ou boate e viu que está em perigo? Primeiro peça ajuda. Nunca fique sozinha.
Procure uma área do estabelecimento onde mais pessoas estejam, chame a polícia, procure auxílio de funcionários e evite ficar calada.
O que fazer se eu for vítima de um estupro?
Constranger alguém a praticar atos de natureza sexual contra a vontade, mediante violência ou grave ameaça. Isso é o crime de estupro.
A lei não exige que tenha havido penetração para o caso ser considerado estupro. O beijo forçado, o sexo oral, ou uma mão no órgão sexual também são considerados estupro.
E, desde 2009, o Código Penal mudou: homens também podem ser vítimas.
Se você acaba de ser vítima desse crime, acione o 190 e a equipe policial mais próxima vai até você. Caso você tenha condições, vá até uma delegacia.
Se em sua cidade tiver Delegacia da Mulher, dê preferência a ela, pois há equipes preparadas para lidar com vítimas desse tipo de crime.
Assim que o boletim de ocorrência for registrado, a vítima será encaminhada para um órgão de saúde, onde passará pela profilaxia de doenças sexualmente transmissíveis. É um procedimento que precisa ser feito em até 72 horas, caso tenha sido um estupro com ato sexual consumado.
Depois de medicada, a vítima será levada para o Instituto Médico Legal (IML), onde passará por um exame de corpo de delito, realizado por um perito da Perícia Oficial e Identificação Técnica (Politec).
Se eu for dopada, o que devo fazer?
Assim que acordar, acione a polícia imediatamente pelo 190. Se estiver em local ermo, procure abrigo ou uma pessoa que possa te acolher.
Em seguida, busque se deslocar até a delegacia mais próxima. Nesse caso, também será feito o exame toxicológico.
Como provar um estupro?
Uma das provas é o exame de corpo de delito, que vai constatar se há sêmen no canal vaginal, marcas de lesão e outras provas de um ato sexual forçado.
“Só que o estupro não precisa de conjunção carnal, então, toda doutrina e jurisprudência vai me falar que a palavra da vítima tem muito valor como prova“, destaca o delegado.
“Ninguém estupra uma mulher na frente de várias testemunhas, geralmente, um estuprador pega a mulher e leva para o mato, ou um lugar estejam só a mulher e o suspeito. Então, tanto na delegacia, quanto em juízo, nos crimes de estupro, a palavra da mulher tem muito valor como prova”, Claudio Álvares Santana completa.
Mesmo se o estupro já tiver sido cometido há um tempo, a palavra da vítima sempre terá grande peso em casos de crimes sexuais.
Não precisa ser um desconhecido, basta ter o não.
Até o marido, dentro do casamento, pode cometer o estupro.
No Código Civil de 1916, uma das obrigações do casamento para a mulher era manter relação sexual com o marido. Mas há muito tempo a mulher não tem essa obrigação.
Então, mesmo dentro do casamento ou de um namoro: não é não. A partir daí, se o ato sexual ou qualquer das outras situações ocorreu, torna-se um estupro.
Estupro de vulnerável
Em Várzea Grande, onde o delegado Cláudio Álvares Santana está lotado, 90% dos casos de estupro registrados são contra crianças e adolescentes menores de 14 anos. A maioria desses crimes é praticada por familiares e ou pessoas próximas.
“Nunca confie em ninguém e quebre o tabu entre pais e filhos sobre falar disso dentro de casa. Adeque a forma de falar com seus filhos sobre isso, conforme a idade”, ele orienta.
“Como vou quebrar o tabu? Na hora do banho, ensine que quem pode tocar nas partes íntimas é só o papai e a mamãe. Quando um pouco maior, já pode explicar o que é abuso sexual e como contar para a mamãe e também a não aceitar”, completou o delegado.
Se eu não quiser denunciar, o médico manterá sigilo?
Não! O estupro, hoje, é um crime de ação penal pública incondicionada. Isso significa que, mesmo que a vítima não queira, o Estado vai buscar punir o suspeito.
E em janeiro desse ano, o governador Mauro Mendes (DEM) sancionou uma lei, de autoria do deputado Romoaldo Júnior (MDB), que obriga todo profissional da saúde a informar a polícia imediatamente, quando uma vítima de abuso sexual der entrada em um hospital.
Ou seja, mesmo que a vítima não queira, a polícia será acionada e uma investigação será iniciada, buscando que o estuprador seja punido pelo crime.
E se eu for uma testemunha? Como ajudar?
Se você presenciar um assédio em seu trabalho ou uma importunação na rua ou no ônibus, não se cale! Comunique mais pessoas e apoie a vítima.
Mas, antes de qualquer coisa, acione a polícia. Principalmente em casos de importunação, pode ser que o suspeito esteja armado.
E se o suspeito não estiver armado e a população estiver em situação de detê-lo, a lei permite que isso seja feito, até a chegada da polícia.
“O Código Penal fala que, em uma situação de flagrante, qualquer um do povo pode fazer a detenção, qualquer um pode prender. Mas o mais recomendado é: acione a polícia, que é quem tem treinamento para o ato”, disse o delegado Claudio Álvares Santana.
Como ajudar uma mulher alcoolizada passando por apuros?
Ela não está em situação de conseguir responder por si. Se você está vendo uma mulher alcoolizada e um ou mais homens tentando dar carona para ela, tente se aproximar, auxiliar, tirar de perto e coibir esse risco.
Se perceber que ajudando você também se colocará em risco, chame a polícia via 190. Caso não haja tempo de a equipe chegar, peça ajuda a pessoas próximas.
A dica de fingir que é amiga da vítima nessas horas, é válida.
E se eu souber de uma criança vítima de abuso sexual?
O crime aconteceu agora? Ligue 190, o número do Ciosp. Em um flagrante, a viatura mais próxima vai atender.
Se não existe o flagrante, vá a qualquer delegacia. Se você for testemunha, mas não quiser se envolver, ligue 197. Esse é o disque-denúncia da Polícia Civil.
Há também o Disque 100, número dos direitos humanos. Em ambos é possível fazer a denúncia e manter sua identidade em sigilo.
Por que dar preferência a uma Delegacia da Mulher?
Nem todas as cidades têm Delegacia da Mulher. Em Mato Grosso, somente Cuiabá, Várzea Grande, Cáceres, Tangará da Serra, Sinop, Rondonópolis e Barra do Garças possuem a especializada.
Se você mora em uma dessas cidades, é melhor procurar uma dessas unidades. Uma vítima de estupro chega totalmente fragilizada emocionalmente e essas delegacias possuem profissionais treinados para acolherem vítimas desse tipo de crime.
Nesses locais, além de registrar o boletim de ocorrência, a vítima encontrará equipes de psicólogos e assistentes sociais voltados para o atendimento desse público.
Mas se em sua cidade não tiver Delegacia da Mulher, toda delegacia é obrigada a registrar todo tipo de boletim de ocorrência, independentemente do tipo de crime.
A reportagem foi escrita com a colaboração do delegado Claudio Álvares Santana, que trabalha diariamente na defesa de mulheres à frente da Delegacia da Mulher de Várzea Grande (região metropolitana de Cuiabá). O LIVRE agradece a gentil colaboração.