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Em quase 30 anos de existência, o Bope-MT nunca perdeu uma vítima

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Em quase 30 anos de existência, o Bope-MT nunca perdeu uma vítima
Imagem da ação do Bope na ocorrência de resgate de dois advogados, em julho deste ano (Foto: Ednilson Aguiar /O LIVRE)

O Bope – Batalhão de Operação Policiais Especiais – é uma unidade de apoio da Polícia Militar. Atua sempre em ocorrências de maior complexidade. A unidade de Mato Grosso está em Cuiabá, foi criada em 1988 e, após quase 30 anos, jamais perdeu uma vítima em negociações de reféns.

O efetivo conta atualmente com 110 policiais, que atuam em situações críticas, como as que envolvam reféns, as que necessitam de uma ação mais incisivas e as com artefatos explosivos.

O LIVRE conversou com o comandante da corporação, o tenente-coronel Ronaldo Roque, que nos contou como é a preparação e a atuação do Batalhão em cada uma de suas equipes, incluindo o canil e o projeto “Judô Bope”, que tem mudado a vida de crianças da região.

A preparação do policial

Coragem, disciplina e lealdade, este é o lema do Bope e são elementos necessários no policial militar que escolhe a unidade. Além de bons profissionais, o Bope exige maior comprometimento e abnegação, afinal, eles vão para missões que a maioria das pessoas não gostariam de ir.

“Não raras vezes nós teremos que dar respostas para situações de enfrentamento nas situações mais críticas, aí exige-se do profissional que ele tenha coragem, controle emocional, disciplina e lealdade, valores imprescindíveis para o profissional do Bope”, disse o tenente-coronel Roque.

Ten Cel PM Ronaldo Roque da Silva, Batalhão de Operações Especiais - Bope
Ten Cel PM Ronaldo Roque da Silva – Comandante do Batalhão de Operações Policiais Especiais – Bope (Foto: Ednilson Aguiar / O Livre)

Formado pela academia de Polícia Militar de Mato Grosso, o comandante do Bope se tornou aspirante a oficial em 2001. Trabalhou em unidades do interior e entrou no Bope pela primeira vez em 2005, saindo em 2014 e retornando em 2017. Ao todo, ele já tem 10 anos de Bope.

Atualmente, o efetivo conta com 110 policiais, dos quais 70 são exclusivamente das equipes de intervenção. Para entrar no batalhão o policial precisa ter no mínimo três anos dentro da Polícia Militar.

As portas de entrada para a unidade são o Curso de Operações Policiais Especiais, com duração de quatro meses e meio, e o Curso de Ações Táticas Especiais, com duração de 60 dias, ambos oferecidos pelo Bope e aberto para militares.

Para se inscrever, é preciso aguardar a abertura do edital. O processo seletivo conta com avaliação física, médica e psicológica. Concluída essa fase, o policial faz um dos dois cursos.

Apesar de ter enorme procura, devido a sua excelência reconhecida nacionalmente, o curso de preparação do Bope MT tem um histórico de conclusão relativamente baixo. O motivo, segundo o comandante Roque, é o nível de exigência no aspecto físico, psicológico e técnico do curso.

“O índice de desligamento no decorrer do curso é de 70%, dependendo da época em que é feito”, contou o tenente coronel.

Terminados os cursos, o policial está habilitado para trabalhar nas equipes de intervenção táticas e nas missões que surgirem, tanto em ambientes rurais, quanto urbanos.

As especificidades dentro da unidade, como os explosivistas, os negociadores, snipers, ou o canil, necessitam de outros cursos, alguns, como o de atiradores de precisão, são oferecidos pelo próprio Bope MT.

Os profissionais são treinados intensamente e diariamente, visto que, como não precisam estar na rua o tempo todo patrulhando, a menos que sejam ocorrências com reféns, ou com pessoas fortemente armadas, é exigido que eles estejam sempre prontos para as ocorrências de crise e de maior complexidade.

Negociação de reféns

Uma das especificações do Bope são as ações que envolvam reféns. Nesses casos, eles entram com quatro suportes: a negociação, o emprego de tecnologias de menor potencial ofensivo, o tiro de precisão e a intervenção tática.

Os negociadores do Bope, são uma equipe especializada que tem o objetivo de tentar resolver a situação sem intermédio de força letal.

Casal de advogados é feito refém
O major PM Carlos Evane Augusto – negociador do Bope – em uma ocorrência, em Cuiabá, em julho (Foto: Ednilson Aguiar /O LIVRE)

O curso de preparação para esses profissionais é extremamente técnico e exige que o profissional tenha vivência e conhecimento referente a todas as alternativas táticas disponíveis na unidade.

Dentro do curso há a disciplina de psicologia aplicada a negociação. E o futuro negociador ganha noções de psicologia, criminologia e vitimologia.

“É óbvio que o curso só não vai formar você um especialista comportamental, mas propicia a você condições necessárias para poder dialogar e poder buscar resolução de uma negociação de forma dialogada”, disse o comandante.

Dentro da equipe do Bope, sempre há uma psicóloga, que acompanha as ocorrências, um negociador principal e um negociador secundário, que dará suporte técnico, colhendo informações que auxiliaram no processo.

Um exemplo recente em que a equipe foi utilizada, foi no caso do cárcere privado do casal de advogados, no Bairro Jardim Tropical, em julho deste ano. Ninguém saiu ferido nessa ocorrência.

“Nós temos a preocupação de resolver a situação da maneira mais aceitável, que é criminoso preso, refém, ou vítimas, ilesas e policiais também ilesos. Reestabelecendo a ordem e a tranquilidade pública”, disse o tenente coronel Roque.

Tecnologias de menor potencial ofensivo

Caso a ocorrência não seja solucionada durante a negociação, o Bope parte para sua segunda alternativa em situações de crise, o emprego de tecnologias de menor potencial ofensivo.

Nessas alternativas é feita a utilização de agentes químicos, como o gás lacrimogênio, ou as pistolas de energia conduzida, ou as balas de borracha, instrumentos que produzam a incapacidade temporária dos suspeitos.

Porém não são todas as ocorrências que permitem a utilização desses materiais.

Atiradores de precisão – Snipers

A terceira opção de alternativa tática, quando a negociação e a tecnologia de menor potencial ofensivo não trouxerem a solução, é o emprego dos atiradores policiais de precisão, conhecidos como snipers.

Batalhão de Operações Especiais - Bope
Atirador do Bope MT (Foto: Ednilson Aguiar / O Livre)


O atirador de precisão nunca erra. Esses profissionais são treinados, especializados e habilitados para exercer essa função com excelência.

“Acima de tudo habilitados, porque não basta um profissional saber atirar para ser um sniper, não é só isso, tem todo um processo de qualificação, de preparação, de capacitação que o habilita a exercer essa possibilidade”, disse o tenente coronel Ronaldo Roque.

O treinamento é iniciado em um curso de habilitação, logo após o curso de iniciação à unidade do Bope. Terminada a habilitação, eles passam por uma rotina diária de treinamento solitário.

Embora saibam atirar com outras armas, os snipers utilizam um fuzil de precisão. Ronaldo Roque, disse que o Bope trabalha com o que há de melhor em equipamentos, capacitação e habilitação profissional.

“Hoje em dia não se pode trabalhar com empirismo, ou amadorismo, porque nesse processo de gerenciamento de crise, vidas estão em jogo e ninguém pode brincar com vidas de outras pessoas. E é por isso que nós levamos com muita seriedade tanto o treinamento, quanto a condução das ocorrências dessa natureza”, afirmou o comandante.

Intervenção tática

A última alternativa, menos utilizada pelo grau de dificuldade e risco, é a intervenção tática. Quando uma equipe é enviada para resgatar o refém.

Casal de advogados é feito refém
(Foto: Ednilson Aguiar / O Livre)

A equipe de intervenção tática é acionada quando as outras alternativas não dão o resultado esperado

Nos filmes, essas equipes são comumente chamadas de SWAT. Esses profissionais entram em ambientes confinados, rendem os suspeitos e resgatam as vítimas.

“É a intervenção tática que faz tanto as situações de intervenções no ambiente urbano do Bope, como também as situações no cenário rural. Ela é o coração da unidade, é o efetivo maior, são quatro equipes, que se revezam 24 horas, no serviço da unidade”, disse o comandante do Bope, Ronaldo Roque.

A equipe de intervenção tática é também a utilizada em casos em que a Polícia Militar precise dar uma resposta mais incisiva aos grupos criminosos.

Como em um período histórico de Mato Grosso, em que o grupo conhecido como “Novo Cangaço” fechava as cidades, iam até as agências bancárias, faziam várias pessoas reféns, roubavam o banco e fugiam para áreas rurais.

O Bope entra nessas situações como unidade de resposta. Sendo a primeira opção o efetivo local e regional e o Bope a unidade de apoio para intervenção.

O objetivo da equipe nesse caso é fazer a busca e captura dos suspeitos, recuperar o que for possível e entregar os acusados presos. Resgatando a dignidade e cidadania da população.

“O Bope é uma unidade sui generes, é diferente das demais Nós atuamos nas ocorrências e situações mais extremas, naturalmente isso implica numa dificuldade maior, até para se resolver a crise. Já foi a unidade diária, já foi a segunda unidade de apoio regional, agora tem que vim a última unidade de resposta, que é o Bope”, relatou o comandante.

Situações com explosivos

Além dos cenários de crise com reféns, o Bope também atua em ocorrências que envolvam ameaças bombas.

Apesar de Mato Grosso não sofrer ameaças diretas com o terrorismo, por causa da Copa do Mundo de 2014, houve a necessidade de ter, dentro da estrutura organizacional da Polícia Militar, uma unidade com esquadrão de bombas. Assim nasceu a unidade de gerenciamento de crise contraterrorismo do Bope.

O esquadrão de bombas, que é uma das especialidades dentro do batalhão, faz a identificação do artefato, verifica se realmente é um explosivo e define quais medidas serão adotadas – remoção, explosão, ou desativação.

“O Bope hoje é a única unidade no Estado que detém os equipamentos necessários para se fazer os manuseios com artefatos explosivos, temos os equipamentos necessários para poder identificar, remover, desativar e ou destruir os explosivos”, disse o comandante.

Assim como a unidade de gerenciamento de crises, os explosivistas nunca tiveram um erro.

“Tem um ditado quando você faz o curso que fala assim: ‘com explosivo só se erra uma vez’, porque a possibilidade de você ter uma segunda vez é muito remota”, contou o tenente coronel.

Canil do Bope

O batalhão ainda conta com um canil dentro da estrutura organizacional, com cães treinados – ou em treinamento – para dar apoio e suporte nas ocorrências.

Com grande versatilidade, eles podem ser usados na localização de entorpecentes, de substâncias explosivas, químicas e até de armas. Além disso também são utilizados em busca e captura de pessoas fugitivas, ou perdidas em matas. E como membros da equipe de intervenção tática, conhecido como K9.

Cada cão é aproveitado em um tipo específico de ação. E os animais do Bope são utilizados por todas as unidades da Polícia Militar.

Eles também passam por processo seletivo, que começa a partir do momento em que nascem. Durante a seleção os adestradores observam quais são mais espertos. E com o crescimento alguns acabam sendo descartados, por não desempenhar funções específicas do canil.

“É um treinamento cotidiano e de muita parceria, porque os adestradores acabam convivendo diariamente e sendo companheiros, o amigo fiel de cada cão. E isso é importante para que se consiga que o cão atenda e faça exatamente as missões que são esperadas a ele”, disse o comandante Roque.

Em média o treinamento dura dois anos, após esse prazo o cão começa a ser empregado no trabalho da corporação.

Judô Bope

O subtenente do Bope Adalberto Corrêa Júnior é faixa preta de judô e já integrou a seleção brasileira do esporte. Em 2010 ele deu a ideia de criar o projeto “Judô Bope”, para o então major, hoje coronel, Assis, que comandava a unidade.

Inicialmente era uma ideia modesta, com cerca de 10 crianças do bairro vizinho ao batalhão. Pouco depois, crianças de um projeto da prefeitura também passaram a participar das aulas.

Lenine Martins/Sesp-MT

Judô Bope

Atualmente, o projeto Judô Bope conta com a participação de 250 crianças

Seis meses após o início, o projeto cresceu e, com a divulgação da comunidade, as aulas que antes eram feitas em uma salinha de 10 m², precisaram de mais espaço, a sala de instrução do Bope foi derrubada e todo espaço se tornou um grande tatame.

Aos poucos os alunos do colégio Tiradentes também passaram a participar do projeto. Atualmente, com cerca de 250 crianças, o Judô Bope tem crianças que começaram aos 11 anos e já estão chegando à faixa preta.

“Mas acima de tudo que se tornaram grandes cidadãos no meio social, esse é o maior legado que podemos deixar”, disse o comandante.

As aulas acontecem em três dias da semana – segunda, quarta e sexta – e em todos os dias a frequência é grande. Ronaldo Roque acredita que o sucesso do projeto se deu pela dedicação dos profissionais que colaboram com o Judô Bope.

O coordenador é o subtenente Adalberto, mas o projeto ainda conta com 11 colaboradores frequentes e vários outros que vem participar quando podem.

As crianças participantes têm entre seis e 17 anos, acima dessa idade deixam de ser alunos e passam a ser colaboradores. Elas são escolhidas através de uma ficha de inscrição, em que passam por uma avaliação.

Judô Bope
O projeto tem mudado a vida das crianças da comunidade próxima ao batalhão do Bope (Foto: Lenine Martins/Sesp-MT)

As únicas exigências para a permanência é que a criança esteja frequentando uma escola, com boas notas e que esse rendimento seja acompanhado pelos pais.

“A gente usa isso como mecanismo para estimular essas crianças a estarem sempre preocupadas e dando continuidade no processo educacional”, contou o tenente coronel.

Durante os sete anos de projeto, o Judô Bope mudou a vida de centenas de crianças. Algumas até começavam a frequentar forçadas pelos pais, mas, por fim, se apaixonavam pelo esporte e passam a pedir para estar presentes.

“Isso traz para nós uma reflexão de que o judô como um mecanismo de suporte e apoio educacional funciona. No projeto a gente não vai educar filho de ninguém, até porque isso vem de casa, mas a gente entra como reforço sobretudo nos aspectos de valores imprescindíveis para a formação de bons cidadãos”, afirmou Roque.

O projeto também vem revelando atletas que surpreenderam os professores e começaram a representar o Estado nas competições, inclusive, segundo o comandante, alguns estão sendo convocados para integrar a seleção brasileira infanto-juvenil.

“No aspecto social o projeto é muito importante e relevante. As crianças enxergam na prática esportiva, no Judô, uma oportunidade de desenvolver algo que não conseguiram em casa, ou na escola. E projetos dessa grandeza, gratuitos, são poucos no estado. Não cobramos nada, só a participação e assiduidade escolar”, disse o comandante do Bope, Ronaldo Roque.

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