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Um lutador comum e a Síndrome de Down

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Um lutador comum e a Síndrome de Down

Ednilson Aguiar/O Livre

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Lucius Neiva é lutador de Jiu-jitsu há dois anos

 

Um tatame cinza com linhas azuis como delimitação do espaço de luta. Um rapaz em seus 18 anos de idade, vestido de kimono branco com um patch da Ordem Jedi – da saga Star Wars – no braço e faixa azul em volta da cintura. Por baixo da roupa típica do Jiu-jitsu, uma camisa do Botafogo (RJ). Ele entra na academia, ou dojô, tira onda com os colegas, ri, e se prepara para mais um dia de treino. Até aí, Lucius Neiva seria apenas mais um jovem brasileiro comum, praticante da arte marcial japonesa. E é.

A única diferença é que o rapaz convive desde seu nascimento com a Síndrome de Down. Nada que o tenha impedido de vencer as duas primeiras etapas do campeonato mato-grossense na categoria 100 kg em 2016. Lucius luta jiu-jitsu há dois anos e começou a praticar o esporte junto de seu irmão, André, e do pai, Valmor Garcia Mota.

Eles buscavam uma academia para a prática do judô e ficaram por cerca de dois meses praticando o Jiu-jitsu como uma espécie de tapa-buraco. Como todo iniciante, durante esse tempo, os três treinaram separados do restante do grupo para adquirir consciência corporal praticando movimentos de equilíbrio, cambalhota, caída no chão e levantamento.

“Como a coisa acabou não acontecendo para o judô, a gente pegou ritmo no Jiu-jitsu, e a dinâmica com o professor e com o grupo é muito boa, então acabamos ficando”, conta o pai Valmor.

Ednilson Aguiar/O Livre

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Valmor e Lucius

 

No primeiro campeonato, a presença de torcida e outras pessoas não intimidou Lucius. Questionado sobre o momento em que entrou no tatame ele é enfático. “Não senti medo”, diz. Perguntado sobre o que teria sentido, também não se demora. “Senti muita alegria”, afirma o atleta.

Durante a entrevista, Lucius não esconde a alegria. “Vou virar estrela”, fala brincando com os outros atletas e com a reportagem. No dia anterior ele havia participado de um programa de televisão em menção ao Dia Internacional da Síndrome de Down, ao lado do professor Nilsinho Marks.

Arquivo pessoal

Lucius Neiva, lutador de Jiu-jitsu

Lucius Neiva e o treinador Nilsinho Marks

 

O professor explica que tentou não modificar os treinamentos em função da condição do atleta, como forma de reforçar a inclusão.

“O grande segredo era não adaptar. Justamente porque ele já vinha de uma vida fazendo esportes, talvez se fosse outra situação tivesse que adaptar. Mas como ele já tinha uma consciência corporal boa, a gente pensou em não adaptar justamente porque ele é cobrado igual. Ele leva bronca igual, paga as punições igual. Então esse é o barato”, avalia Nilsinho.

A igualdade vale nos campeonatos também. Nos dois disputados, e vencidos, por Lucius em 2016, os adversários eram lutadores sem Síndrome de Down ou outros transtornos, genéticos ou físicos. “A gente vive uma época que se fala muito em igualdade, mas acontece o contrário na prática. As pessoas, na ânsia de tornar as coisas iguais, acabam diferenciando. Então, igualdade é igualdade. Claro que dentro do limite dele, mas todos os alunos têm limitações”, afirma o professor.

Rito de passagem
No primeiro campeonato, além da primeira experiência de lutar “pra valer”, Lucius passou por uma espécie de rito de passagem. Até então, com cerca de um ano de ano de Jiu-jitsu, ele usava a faixa verde. A graduação anterior à faixa azul – branca, amarela, laranja e verde – é utilizada para as categorias infantis do Judô, como uma maneira de medir e incentivar a prática das crianças. A azul marca uma mudança: O garoto deixa de ser criança e passa a ser um lutador adulto. A graduação foi realizada durante o campeonato. “Foi um momento que marcou ele, porque foi durante o campeonato, o pessoal aplaudiu, uma cena muito bonita”, lembra o pai Valmor.

Lucius atualmente ainda frequenta a escola, com apoio de psicopedagoga, fonoaudióloga, psicóloga e trabalha para continuar a desenvolver sua fala.
“O dia a dia é normal, ele vai para a escola, vai para a clínica onde faz o acompanhamento, quer trabalhar, não tem diferença nenhuma”, diz o pai. Sobre o futuro, Lucius conta que já sabe até mesmo com o que deseja trabalhar: atendente em um supermercado da capital.

Trissomia
A Trissomia do Cromossomo 21, popularmente conhecida como Síndrome de Down, é uma condição que afeta o ser humano ainda durante a formação do embrião. O cromossomo se divide de forma irregular, criando material genético extra. A síndrome causa uma aparência facial específica, deficiência mental, retardos no desenvolvimento e pode estar ligada a doenças da tireoide e do coração. Programas de intervenção precoce, com equipe de terapeutas e professores especiais que tratam a situação específica da criança, podem ajudar a gerenciar a condição.

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