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Sigilo em processos de violência doméstica pode aumentar o número de casos

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Sigilo em processos de violência doméstica pode aumentar o número de casos

Helena* foi surpreendida pelo ex-marido quando ela falava ao telefone com um amigo. Enciumado, ele invadiu a casa, quebrou todos os móveis e ateou fogo. Após o crime, a Justiça concedeu medida protetiva, mas durante os seis últimos anos o agressor jamais deixou de persegui-la.

A história de Helena se parece com a de Dineia Batista Rosa. Ela foi morta depois de denunciar o ex-namorado por ameaça. A estudante de 35 anos terminou o namoro depois de descobrir que Welington Fabrício de Amorim Couto havia matado outra mulher treze anos antes. Mesmo com mandado de prisão em aberto, Wellington conseguiu progressão de pena pelo crime anterior e se viu livre para assassinar Dineia.

A principal semelhança entre os dois casos é o enquadramento dos processos e denúncias em segredo de justiça. Para alguns especialistas, o não compartilhamento de informações sigilosas entre polícia, Ministério Público e Poder Judiciário pode dificultar ainda mais a prisão de suspeitos e ocasionar mais mortes.

“Quando eu telefonava pedindo ajuda era eu mesma que tinha que passar o nome completo e o endereço dele [agressor]”, comenta Helena, “E mesmo assim, eles nunca foram quando ele aparecia lá em casa para me ameaçar”, relembra ela.

Na avaliação da defensora pública Rosana Leite, que atua há sete anos na área, é preciso confiar nos atendentes do Ciosp e nos profissionais da polícia, responsáveis por checar se há mandados ou medidas protetivas contra suspeitos.

“Eles são profissionais treinados para isso. E além do mais é preciso agilizar o atendimento, quando a mulher ligar relatando que uma medida protetiva foi descumprida os dados do suspeito precisam estar acessíveis, isso facilita o trabalho da polícia”, falou.

A possibilidade do agressor se vingar da esposa ao ser denunciado é um dos fatores que motivou os juristas a aconselharem o sigilo. Como não é garantido na lei Maria da Penha, ele parte de uma interpretação do Código Penal, que sugere confidencialidade a processo familiares.

Mas para Rosana, uma simples alteração feita por servidores do setor de Tecnologia da Informação poderia solucionar a questão. Nesta terça-feira (07), a defensora enviou ofício ao secretário de Segurança Pública, Gustavo Garcia, pedindo que o Ciosp inclua dados e informações sobre agressores com medida protetiva.

“Em havendo informação de que existe medidas protetivas, o procedimento da polícia deverá ser mais ágil e a guarnição irá se deslocar até o local sabendo que a mulher está amparada por medida protetiva, cabendo a prisão imediata do agressor”, diz trecho do documento.

É a segunda vez que a defensora faz a solicitação. Na primeira tentativa, a Secretaria informou que a questão do sigilo barraria qualquer alteração. 

A promotora Lindinalva Rodrigues, do Núcleo de Combate à Violência Doméstica, lembra da história de Dineia Rodrigues como um caso em que ficou clara a falha de comunicação entre os órgãos públicos. O “exemplo”, segundo ela, pode ser usado para otimizar o sistema, prevenindo novos homicídios.

“O que acontece hoje é que os outros órgãos não têm acesso aos nossos dados e nem nós temos acesso aos dados deles. Seria muito importante que a gente simplificasse e unificasse estas informações desde a Polícia Militar até o poder judiciário”, disse.

A exemplo da colega, a promotora diz ter pedido que a polícia dê prioridade aos mandados de prisão em aberto contra agressores de mulheres a despeito do grande número de ordens judiciais deste tipo.  Na polícia, contudo, a dificuldade é basicamente a mesma: encontrar e filtrar informações sobre os agressores. 

“Mesmo atuando em casos de feminicídio, se eu não buscar através de uma ligação ao Ministério Público informações sobre a vítima, eu não consigo saber se ela tem medida protetiva ou não. E eu penso que esta deve ser a mesma dificuldade dos policiais militares que estão todos os dias nas ruas”, contou a delegada Juliana Palhares, que atuou no inquérito da morte de Dineia e de outras vítimas de feminicídio. 

Palhares afirma que é preciso construir uma solução conjunta, sem prejudicar mulheres que estão sob ameaça ou se tornaram vítimas

Violência doméstica em ascensão

A delegada classifica como “absurdo” o elevado número de casos, tanto por conta da notificação, quanto pela subnotificação de violência contra a mulher. Dos cerca de 5 mil casos registrados pelo anuário do último Fórum Brasileiro de Segurança Pública, apenas 400 foram qualificados como “feminicídio” em todo país.

A aplicação da lei, que é de 2015, esbarraria principalmente na “cultura machista do brasileiro” e em outros problemas estruturais que dificultam o trabalho investigativo e de prevenção. 

A preocupação com o compartilhamento de informações começa em uma ano em que, ao contrário de 2015 e 2016, os casos de violência doméstica aumentaram. Somente no segundo trimestre de 2017 ocorreram sete tentativas de assassinato e sete crimes consumados em Cuiabá e em Várzea Grande. No interior do estado, os casos ainda não foram apurados justamente por conta da dificuldade de tipificação do crime. 

Uma pesquisa elaborada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostrou que, de cada mil mulheres no estado, 26 figuram como vítima em um processo de violência doméstica. O número, segundo especialistas, mostra que as mulherem estão denunciado cada dia mais um crime tão antigo quanto relativizado. 

*O nome da vítima foi preservado por questões de segurança. 

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