Há 41 anos, Mato Grosso era apenas um local distante onde nada se plantava. As terras cobertas pelo Cerrado estavam começando a ser demarcadas com auxílio do Governo Militar, que tinha o projeto de povoar a região central do país. Neste contexto surge um jovem engenheiro agrônomo que cultiva a esperança e a fé.
Um cientista que acredita em Deus e no que faz, assim é Hortêncio Paro, 76 anos, que há 41 anos foi o responsável por realizar os primeiros testes experimentais da soja, milho e arroz, em Mato Grosso.
Graças à pesquisa de Hortêncio, Mato Grosso é hoje o maior produtor de grãos do país. Só neste ano, o Estado vai produzir, em valores brutos, o equivalente a R$ 35,9 bilhões em soja, R$ 12,3 bilhões em milho e R$ 415 milhões em arroz.
Tudo começou em 1977, quando o engenheiro agrônomo lança em 19 de março, o 1º dia de campo de soja, na Fazenda Ouro Verde, em Rondonópolis (a 220 km de Cuiabá). Hortêncio liderava uma equipe de extensionistas rurais que trabalhavam para a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Mato Grosso (Emater).
Hortêncio, que nasceu em Piacatu (SP), havia chegado cinco anos antes em Mato Grosso, a convite de Adair José de Moraes, que à época era o responsável pela Emater. Em 1992, a Emater se une com a Empresa de Pesquisa Agropecuária (Empa) e a Companhia de Desenvolvimento Agrícola (Coadeagri), formando a Empresa Mato-grossense de Pesquisa, Assistência e Extensão Rural (Empaer).
Primeira soja
Hortêncio relata que para plantar a primeira soja em Mato Grosso contou com ajuda do Centro de Pesquisa Agropecuário do Cerrado da Embrapa, em Brasília, que disponibilizou todo o material genético para fazer o plantio experimental.
Já a espécie de soja que foi plantada, a IAC2, foi desenvolvida pelo Instituto Agronômico de Campinas (IAC).
Para realizar o manejo do solo, Hortêncio orientou os produtores que era necessário plantar arroz antes de começar o cultivo de soja. Antes disso, era preciso desmatar o Cerrado, e para isso contaram com ajuda do Governo Militar, que criou a Companhia Brasileira de Tratores (CBT).
Com os tratores, os produtores começam a derrubada da mata e a abertura dos campos onde seriam plantada a soja. Por três anos foram feitas as retiradas das raízes apodrecidas.
Quem queria plantar arroz ao invés de soja foi orientado a plantar braquiária – uma espécie de capim que serve como alimento animal.
Otimismo
Hortêncio relata que o otimismo foi um diferencial entre os produtos pioneiros. “Todo esse pessoal que veio para Mato Grosso acreditava nesse Estado. A mulher e o marido trabalhavam juntos, cada um com um trator. Era gente com esperança, sonho, e fazer desse Estado o que é hoje”, relembra emocionado.
Hortêncio diz que desde o começo das pesquisas percebeu que a soja daria certo em Mato Grosso. “Eu sonhei a vida inteira. Eu sempre fui um homem que acreditei. Mas quem escolhe o seu destino é aquele está lá em cima. O Deus todo poderoso me deu essa luz. Por isso eu comecei todo esse trabalho para ajudar a desenvolver”.
Depois disso a soja se consolidou. E junto com ela o milho, que começou a ser cultivado em igual período.
Novo potencial econômico
Além da soja, milho e arroz, Hortêncio também coordenou as pesquisas do algodão, amendoim, da mamona, do gergelim e do girassol.
Outra pesquisa que ele comandou foi sobre o trigo, que também já é plantado de forma experimental há 40 anos no Estado.
“O trigo aqui foi e voltou. Já tivemos indústria de trigo no Estado. Havia o moinho Belarina, em Cuiabá, mas quando morreu o proprietário pararam com a produção. Até eu pedi para pararem de plantar porque não tinha para quem vender, porque se fosse para transportar para o sul seria antieconômico por conta do frete. Mas eu continuei fazendo a pesquisa, porque pesquisa é o alicerce do conhecimento”, ressalta.
Em 2019, Hortêncio produziu o Boletim do Trigo, documento considerado uma preciosidade para os produtores rurais.
“Tudo está escrito neste boletim, tem as variedades, a época de plantio, traços culturais, aplicação, fungicida, inseticida, data da colheita. Tudo em benefício do agricultor, equipamento, espaçamento. O produtor com esse boleitm na mão planta trigo em qualquer lugar do Estado”, enfatiza.
Último legado
Há 48 anos trabalhando com pesquisa rural em Mato Grosso, Hortêncio diz que o estudo sobre trigo deve ser seu último legado na Empaer.
“Se implantarem esse PDV [Plano de Demissão Voluntária] eu devo sair”, diz o pesquisador que já está aposentado há oito anos, mas que permanece na empresa por conta da sua importante produção científica.
Graças a pesquisa sobre o trigo, uma nova indústria processadora de trigo está em processo de instalação em Mato Grosso. O moinho deve entrar em funcionamento no próximo ano.
A produção do trigo para abastecer a indústria deve acontecer em Primavera do Leste, onde a Empaer em conjunto com a Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Estado realizou no final do ano passado um seminário com os produtores rurais para tratar sobre o potencial do trigo em Mato Grosso.
“Acredite no que faz”
Espirituoso e demonstrador de uma profunda fé, Hortêncio afirma que o segredo para o êxito na vida de pesquisa é ter humildade e acreditar no que faz, e essa é sua principal mensagem aos novos pesquisadores.
“É como disse o Cristo para aquela senhora: tua fé te curou. A mesma coisa é com o trabalho. Acreditar no trabalho que você faz. Bem aventurados os humildes e pobres de espírito porque deles será o reino dos céus. Pode ter certeza, a humildade traz a luz de Deus em você. Minha humildade me fez crescer perante o criador. Tudo isso é obra de Deus em mim. Ele me deu saúde, esperança, vontade, eu levei 4h da manhã trocentas mil vezes para poder plantar tudo o que eu fiz neste Estado”.
Hortêncio conclui dizendo. “A humildade é um grande caminho. Você conhece um grande cientista pelo nível de humildade dele. Um cientista que não tem humildade dificilmente vai ter sucesso. A humildade traz a luz de Deus nas pessoas. Eu obedeço isso religiosamente”.