Ednilson Aguiar/O Livre

Léo Heck

Heck guarda com carinho o disco e ainda se pega cantarolando “Castelo de Sonhos”, música que deu nome ao distrito

Aos 40 e poucos anos, Heck conheceu o ouro, e sua vida mudou. Fez uma festa e se juntou aos dois garimpeiros que havia acolhido. “Tomamos uísque e colocamos na minha vitrola à manivela um disco do Valter Basso”. Naquela noite, passou horas ouvindo a música Castelo de Sonhos, ao lado dos novos amigos. “Quando a canção terminava, eu tinha que dar corda na vitrola para que eles ouvissem novamente”.

Foi assim que o trio escolheu o nome do garimpo, que futuramente se tornaria o distrito de Altamira, no Pará, distante 900 quilômetros de Castelo. Dos três, apenas Heck ficou para contar a história do povoado. Gaguinho e Paraibinha desapareceram sem deixar rastro. “Não sei se foram mortos”, comenta.

Pistas de pouso eram abertas no meio da selva para levar alimentos para os garimpeiros, que não paravam de chegar

Não demorou muito, e a notícia que havia ouro na região se espalhou. Os primeiros vieram de Peixoto de Azevedo, no Norte de Mato Grosso, e depois de estados vizinhos. Surgiram então vários garimpos numa região que ganhou o nome de Vale da Esperança.

Cerca de dois mil homens chegaram a trabalhar ali ao mesmo tempo. A corrida pelo ouro tinha começado, e o paraíso da família se tornava cada vez mais hostil.

“Abri nove pistas de pouso no meio da selva, só assim para chegar equipamentos e mantimentos para toda aquela gente”, lembra. Onça Branca resiste em admitir que explorava o garimpo. “Eu cobrava um valor irrisório, algumas gramas de ouro daqueles que procuravam o minério aqui”, afirma.

Alimentar um batalhão de pessoas em meio à floresta não era fácil. O casal Heck teve uma ideia que parecia boa, mas, no final das contas, acabou dando prejuízo. “Abrimos cantinas próximas às áreas que estavam sendo exploradas. Fornecíamos alimentos e outros itens aos trabalhadores, que acabavam indo embora sem nos pagar.”

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No auge da corrida pelo ouro, cerca de dois mil homens exploraram o Vale da Esperança


Como não teve sucesso como comerciante, questiono se ele conseguiu muito ouro. Ele nega. “Vi muito ouro saindo das minhas terras, mas a minha família não ficou com nada.”

Nesse momento, Heck faz uma pausa. Parece pensar no que viveu nos últimos anos. “Parece que o ouro é uma maldição sabe?”. E conclui: “Acho que ouro não traz futuro para ninguém. Vejo os garimpeiros que conheci que foram muito ricos e hoje eles não têm nada”.

No caso de Onça Branca, tudo o que construiu seria tomado por um forasteiro como ele, que ficou conhecido pela audácia: Márcio Martins da Costa, o “Rambo do Pará”.

Aos 23 anos, Márcio pousou pela primeira vez na BR-163, perto de Castelo dos Sonhos. Era piloto de avião e estava acompanhado de um velho amigo de Heck. “Veio com o Ivo, do Posto Zelândia. Entraram na minha sala e pediram para voar nas minhas pistas”.

Onça Branca acolhe o piloto forasteiro e o insere no
garimpo como seu segurança

Dizem que, ao ver tanta riqueza, Márcio se tornou ambicioso. Logo trairia o amigo que o havia acolhido. “Permiti que ele utilizasse minhas pistas, ofereci minha casa para ele morar e o ajudei a começar no garimpo”, lembra Onça Branca.

Naquela época, a principal avenida do distrito parecia mais uma pista de pouso. Dezenas de aeronaves ficam estacionadas ali, em frente à “M.M Avião”, empresa que Márcio Martins havia instalado em Castelo.

Por meio ano, o rapaz permaneceu na casa de Heck e sempre o defendia nos garimpos. “Ele me protegia, não permitia que me fizessem mal”, conta.

Até que começaram as brigas pelo poder. Márcio começou a se tornar Rambo. Por vezes, alegou que as terras de Heck eram suas e chegou a ir à Justiça. Depois de muitas disputas no Judiciário, que Márcio acabaria perdendo, sobraram ameaças e violência.

Apesar da fama e de muitas histórias sem comprovação, nenhum tipo de crime consta contra Heck no Judiciário de Mato Grosso e no Pará, apenas um pedido de reintegração de posse feito por ele. “Eu administrei todo esse povo sem nunca precisar dar um tiro, sem dar um tapa, procurei manter o equilíbrio entre a autoridade e o coração”, diz Onça Branca, que hoje vive num sítio no povoado que fundou. “Não tenho inimigos”, afirma.

Arquivo pessoal

leo heck

Na época, as ruas de Castelo serviam como estacionamento de aeronaves


Heck relata que, enquanto as brigas com Rambo estiveram restritas ao papel, eles continuaram amigos. Frequentavam as mesmas festas no povoado, mas Márcio já morava em um alojamento que havia construído, distante seis quilômetros de Castelo.

O local ficou conhecido como Quartel General de Márcio Martins ou “QG”. Lá, por meses, ele cooptou dezenas de homens que, armados, o ajudaram a invadir os garimpos da família Heck. “Ele me tomou as pistas, cantinas abastecidas com comida, 300 máquinas e matou seis homens logo na primeira invasão. A partir daí, todos obedeciam ao comando dele”, conta.

“Ele me tomou as pistas, cantinas com comida, 300 máquinas e matou seis homens logo na primeira invasão”

Segundo Heck, o prejuízo foi de 200 quilos de ouro, aproximadamente R$ 25 milhões se convertido em valores atuais – um valor bem alto para quem, no começo da entrevista, dizia que não havia explorado os garimpos da região.

Brigas e mortes
O jornalista Eduardo Gomes, o Brigadeiro, autor do livro“Nortão BR-163, 46 anos depois”, relata uma briga pública entre os dois homens mais temidos da região, numa cena que remete a um filme de faroeste.

“Heck bateu, arrastou e prendeu Márcio Martins na principal via da cidade numa época em que ninguém se arriscava a fazer o mesmo”, conta o jornalista.

Em um capítulo da biografia que encomendou, Onça Branca conta um episódio em que três pistoleiros de Rambo atiraram contra sua caminhonete. Ao tomar conhecimento do caso, a sentença para os homens foi a morte. Dois foram assassinados em Castelo. O terceiro tentou fugir de carona em um caminhão que passava pela rodovia. Márcio Martins decolou com um dos aviões e pousou mais adiante na BR-163 para socorrer o fugitivo.

“Ele poderia ter fugido, utilizado um helicóptero, mas preferiu ficar. Dizia que ninguém tirava ele de Castelo dos Sonhos”

Contradições
Heck jura que não se revoltou quando Rambo lhe tomou o império, invadindo seus garimpos. Diz que até sentiu alívio.

“Parece que foi a noite em que eu dormi melhor. Achei bom, estava livre daquilo, daquela desgraça que só traz brigas e morte.”

Nesse momento, se levanta para pegar uma foto de Márcio, que fica em destaque na estante. Na imagem, um homem de porte atlético vestido com regata, shorts e tênis.

Mesmo depois da traição, Heck lamenta a morte de quem diz ter criado como filho. “Ele passou dias escondido da polícia. Poderia ter fugido, utilizado um helicóptero, mas preferiu ficar. Dizia que ninguém tirava ele de Castelo”.

Arquivo pessoal

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Irene e Leo Heck em um dos poucos registros ao lado de Márcio Martins, o “Rambo”


A biografia de Heck aborda ainda a última proeza de Rambo. Em 1991, ele invadiu com um helicóptero o garimpo do Trairão, entre Novo Mundo e Alta Floresta, em Mato Grosso. Deixou dezenas de feridos e dez mortos, saindo com oito quilos de ouro.

Na ocasião, o presidente da República era Fernando Collor de Melo e estava de passagem em Alta Floresta. No palanque, Collor teria dito: “Eu quero esse moço na cadeia”.

O rastro de destruição e sangue foi o gatilho para a morte prematura de Márcio. Acabou morto pela Polícia Militar em seu QG em 1992, depois de ter construído um império na bala, à base de operações com ouro, drogas e ligações com políticos.

Há lendas de que Rambo teria sobrevivido à caçada policial e viveria escondido, mas Heck garante que é conversa fiada. “Eu mesmo enterrei as vísceras dele no cemitério de Castelo”.

Arquivo pessoal

leo heck

 Foto de Rambo está guardada em destaque na estante de Onça Branca

O LIVRE está publicando uma série sobre Léo Heck, conhecido como Onça Branca. Clique aqui para ler o primeiro capítulo da reportagem, que foi ao ar no sábado (3). Na segunda (5), você confere a última parte da história.

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