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Era uma vez Vereda: praia que foi “vedete” de MT sofre com excesso de dragas e poluição

Local foi um dos atrativos mais visitados durante as décadas de 80 e 90

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Era uma vez Vereda: praia que foi “vedete” de MT sofre com excesso de dragas e poluição
(Foto: Ednilson Aguiar/ O Livre)

A faixa de areia com mais de 2 km era o grande atrativo da praia da Vereda, localizada em Santo Antônio de Leverger (34 km de Cuiabá), no final da década de 90. Um cenário que ficou apenas na memória de quem viveu aquele período e nas fotos, já que a área, hoje, não supera os 500 metros.

Manuel Pinheiro da Silva, 70 anos, conhecido como Neco, conta que o atrativo era prestigiado por pessoas de todos os cantos do Brasil. Famílias inteiras aproveitavam os finais de semana para tomar banho no Rio Cuiabá e consumir nos bares e restaurantes.

“Eu sou nascido e criado aqui. Nós tínhamos barraca na praia. Cheguei de vender 40 caixas de cerveja e 200 kg de peixe em porções por final de semana. E eu era apenas um dos comerciantes”, relembra.

Para fomentar ainda mais o turismo, haviam atrações musicais e, entre uma canção e outra, as pessoas desfrutavam das águas cristalinas do rio, que segundo Neco, dava até para beber.

Os problemas começaram, segundo o morador, quando Cuiabá começou a crescer e despejar o esgoto sem tratamento no leito do rio. Depois se agravou com as dragas, que se proliferaram a cada dia.

“Hoje não dá coragem nem de tomar banho. A praia foi se acabando e, com ela, os jovens foram deixando a cidade”, comenta.

O êxodo dos mais novos, na visão de Neco, está atrelado a falta de emprego. Na época do turismo aquecido, o que não faltavam eram vagas de garçom, cozinheira e até mesmo oportunidade de se tornar um empreendedor, vendendo produtor de forma autônoma.

“Eu já estou no final do vida. Agora, me preocupo com quem está aí, que não terá a oportunidade de ver o esplendor da praia”, afirma.

Margem da praia Vereda em Santo Antônio de Leverger em março deste ano (Foto: Ednilson Aguiar/ O Livre)

Lembranças que ficam

Seo Neco passou por vários momentos diferentes na cidade. Ele lembra que, quando era mais novo, os sítios da região eram fortes na produção agrícola e tudo era levado para a Capital mato-grossense pelo rio.

“Eram mais de 40 famílias trabalhando. E o movimento era constante. Charretes, carroças, canoas e barcos por todos os lados. Agora, sempre que começa a seca, temos que descer no barranco para retirar o lixo que fica preso nos galhos“, afirma.

Com o tempo, as pessoas migraram para a atividade de turismo e quando ela findou, se mudaram em busca de trabalho, restando poucas famílias tradicionais.

Neco foi nascido e criado na comunidade Vereda e vê com tristeza a situação atual do rio (Foto: Ednilson Aguiar/ O Livre)

No sítio dele, por exemplo, ainda há alguma produção: doces e rapaduras de forma tradicional.

Hoje, ele estuda uma forma de usar a área para um turismo de experiência, onde a pessoa possa entender, ver e participar das atividades de uma área tradicionalmente cultivada no regime familiar.

O peixe também estranhou a mudança

José Ricardo da Silva, 60 anos, e seu amigo, Nilson Eloi da Silva, 70 anos, são frequentadores da praia. O interesse deles é a pescaria, que há muito tempo deixou de ser farta em quantidade e qualidade.

Segundo José Ricardo, o local era uma paraíso 30 anos atrás. Tinha muito verde no entorno e a água era límpida e sem cheiro. Agora, a decadência é visível.

“Eu vinha com minha família e era uma verdadeira atração. Podíamos pescar, tomar banho e brincar na praia com outras pessoas. Não perdia em nada para as praias do Nordeste“, lembra.

Pescador guarda na lembrança o cenário paradisíaco que um dia foi a praia (Foto: Ednilson Aguiar/ O Livre)

Agora, segundo o pescador amador, o trânsito das dragas afasta os peixes e o odor de esgoto na água é presente.

“É muito triste ver que tudo acabou por conta da poluição e das dragas”, avalia.

O que diz o especialista?

Coordenador da Pós-graduação em Recursos Hídricos da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Ibraim Fantin da Cruz diz que não estudou especificamente o caso da Praia Veredas, porém tem acompanhado as mudanças estruturais do Rio Cuiabá.

Ele esclarece que a morfologia do rio tem as modificações naturais, porém elas são mais lentas. O que se vê hoje é a aceleração do processo pela ação do homem.

No rol de intervenções mais impactantes estão as hidrelétricas e as dragas. O professor cita como exemplo a Hidrelétrica de Manso, que depois da instalação reduziu em 30% os sedimentos que eram arrastados pela água naturalmente.

Assim, em alguns pontos, houve a redução da faixa de areia e, em outros, o acúmulo ao longo de todo o rio. Já as dragas tiram a areia que antes era carregada.

Draga em pleno funcionamento na lateral da estrada de acesso à praia (Foto: Ednilson Aguiar/ O Livre)

Com relação a poluição, Cruz explica que está mais ligada as questões biológicas do rio. Contudo, não se pode descartar o fato de, além de esgoto, o leito ser tomado por resíduos sólidos, como o plástico.

“Não é só nos oceanos que o plástico é um problema. Basta ver o Pantanal. As pessoas vêem de longe um monte de pontos brancos nos galhos e acham que são garças. Quando se aproximam, percebem que são sacolas plásticas”.

O que diz o governo?

A Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema) informou que 11 dragas foram licenciadas para atuar ao longo do Rio Cuiabá nos últimos três anos. Do total, cinco estão em Cuiabá, três em Várzea Grande, duas em Nossa Senhora do Livramento e uma em Santo Antônio do Leverger.

No que diz respeito, ao impacto do trabalho das dragas no banco de areia da Praia da Vereda, o órgão informou que não tem estudos técnicos que comprovem a relação.

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