Um impasse está estabelecido em Cuiabá pelos decretos do governo do Estado e da Prefeitura que regulamentam as atividades econômicas neste momento de crise do coronavírus.
A autorização dada nessa quinta-feira (26) pelo governador Mauro Mendes (DEM) para a retomada do funcionamento do comércio se chocou com o decreto municipal, em vigor desde segunda-feira (23) e que prevê restrição.
E o assunto também tem interpretações divergentes entre advogados constitucionalistas. O único consenso é que a confusão poderia ser evitada se não houvesse intromissão de questões político-partidárias.
A divergência vem do choque das competências de regulação dividida pela Constituição Federal na hierarquia União, Estados e Municípios. Na prática, aquilo que trata de questões nacionais deve ser regulado pelo governo federal.
Estados e Municípios têm competência para regular aquilo que estiver dentro de suas divisas e que já não estejam previstas em leis federais.
“Neste aspecto, o comércio é uma competência dos Municípios. São eles que cobram ISSQN (Imposto Sobre Serviço de Qualquer Natureza) e concedem alvará para o funcionamento dos estabelecimentos. Se algum comércio estiver com problema de regulamentação, quem vai fiscalizar é o Município”, explica o advogado Eduardo Mahon.
Súmula do STF
Essa regra está prevista na súmula vinculante 38 do Supremo Tribunal Federal (STF). A competência foi estabelecida em 2007, em decisão do ministro Gilmar Mendes. Ele invoca uma decisão já tomada pelo Supremo sobre o assunto, no artigo 30 da Constituição.
“’É competente o Município para fixar o horário de funcionamento de estabelecimento comercial’. (…) Deve-se entender como interesse local aquele inerente às necessidades imediatas do município, mesmo que possua reflexos no interesse regional ou geral. Dessa forma, não compete aos Estados a disciplina do horário das atividades de estabelecimento comercial, pois se trata de interesse local”, informa trecho da súmula.
O comércio em Cuiabá, então, permanece proibido de abrir até o dia 5 abril, data em que encerra o decreto baixado pelo prefeito Emanuel Pinheiro (MDB), em vigor há cinco dias.
Regulação concorrente
O advogado Maurício Aude aponta, contudo, para outro item da Constituição Federal. O artigo 24, segundo ele, deixa brecha para que o Estado e a União exerçam controle de alguns estabelecimentos dentro dos municípios.
“O artigo 30 concede a regulação do comércio aos municípios. Mas, os postos de combustíveis são regulados pela ANP (Agência Nacional do Petróleo), que é parte do ente federativo. Se precisar modificar o funcionamento deles é a ANP que tem autorização para fazer”, comenta.
O artigo 24 da Constituição Federal prevê que União, Estados e Municípios podem regular concorrentemente sobre, por exemplo, produção e consumo, educação, saúde, direito tributário, financeiro e econômico. Todos são itens envolvidos no conflito de decretos em Cuiabá.
A saída para eventual divergência é dada pela manutenção da hierarquia dos âmbitos dos Poderes – União, Estados e Municípios. O decreto municipal, portanto, perderia sua força por esse aspecto.
“Esperávamos não estar vivendo essa confusão. Estado e Município poderiam ter sentado para decidir como o funcionamento das coisas vão ficar neste período de crise. A sociedade está esperando isso e não conflito partidário”, diz Maurício Aude.
Outros estabelecimentos
Fora a polêmica do comércio, é entendimento entre especialistas que é o Estado que regula o funcionamento de hospitais e outras unidades de saúde e a circulação de transportadores de cargas.
“O Estado é responsável pelo recolhimento do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços). Isso, sem dúvida, é de competência dele”, diz Eduardo Mahon.