Estivemos, no início da semana passada, à beira do precipício. Desde 1964 não tínhamos diante dos nossos olhos, a possibilidade real de uma crise institucional como a gerada pelo STF, que, na pessoa do seu presidente Dias Toffoli, determinou abertura de inquérito, sem especificar fatos a serem apurados, nomeando a seu bel prazer, Alexandre Moraes, como relator, sem considerar a regra básica que essa escolha é feita por sorteio entre os membros da Corte que, de imediato censurou o site O Antagonista e a Revista Crusoé, determinando que retirasse de suas publicações matéria jornalística em que, baseada em documento da Lava Jato, citava o presidente do STF como sendo “o amigo do amigo do meu pai”, colhida em depoimento de Marcelo Odebrecht em sua delação premiada.

Na verdade, não havia ali nenhuma acusação formal de crime cometido por Toffoli. Apenas perguntava o delator, na gravação obtida, se já haviam se acertado com o personagem citado sem mencionar qualquer vantagem obtida ilicitamente.

As trapalhadas foram inacreditáveis. Não compete a qualquer juiz determinar abertura de inquérito. Como julgador da causa, não poderá estar “contaminado” emocionalmente por fatos que só podem ser apurados pelo Ministério Público – autor da ação – ou a Polícia Federal.

A Constituição federal garante liberdade de pensamento, liberdade de imprensa, transparência e publicidade no serviço público, mesmo que os fatos divulgados atinjam diretamente cidadãos comuns, ou quaisquer membros de quaisquer poderes. O excesso, as inverdades serão punidos, se houver, “a posteriori”, dentro do devido processo legal.

E aí veio o confronto: diante de estapafúrdia medida, a Procuradora Geral da República não só não reconheceu as razões do inquérito aberto, como determinou o seu arquivamento, algo da sua competência.

A reação foi imediata. Ministros da Corte, como Celso Mello e Marco Aurélio de Mello, insurgiram-se. Críticas ferozes e jamais ouvidas foram levadas a público, mostrando que o nosso Supremo está longe de ser uma ilha que, mesmo tratando de divergências de pensamentos, mantém a relação cordial de aceitar o direito do contraditório.

O ex-ministro Ayres Britto afirmou com todas as letras: “Ou a liberdade de imprensa é completa ou é um arremedo de liberdade”; o deputado Paulo Martins foi mais além: O STF reduziu a nobre toga negra a um trapo sujo a ser usado como mordaça”.

Ao determinar a busca e apreensão de documentos na sede da revista, onde também funciona o site, estabelecendo multa diária de 100 mil reais se a medida não fosse cumprida, Toffoli e Moraes mancharam de forma indelével a sua biografia. Passarão para história como protagonista de um dos mais negros capítulos da história do Brasil.

A reação das ruas foi imediata. As redes sociais bombaram como nunca, mostrando, também, a insatisfação de todo o povo brasileiro com tal atentado à democracia. O STF parece ainda não ter percebido que a dinâmica da relação “sociedade x poder” mudou. E muito!

Ao recuar da decisão tomada intempestivamente, correndo o risco de ser ainda mais desmoralizado por seus pares no pleno do Supremo, Toffoli conseguiu aproveitar-se da situação para salientar que no seu DNA mostra a serviço de quem age desde que, desmerecidamente, foi indicado para ministro da mais alta Corte do país: Lula! Está lá, pura e simplesmente para dar legitimidade aos furtos, à corrupção e à vergonha de atos por ele cometidos: revogou a decisão do Ministro Luiz Fux que impedia Lula de dar entrevistas. Agora ele está livre para dar entrevistas e levar sua mensagem de cidadão perseguido politicamente, para manter a chama de seus seguidores de que ele é o que há de melhor que este país já produziu. Não estivesse expresso, ninguém, em qualquer país do mundo, acreditaria. Fazer o quê? Este é o Supremo Tribunal Federal que temos, que, com muito zelo, deveria ser o guardião da Constituição. Triste, mas é verdade.

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*Ricarte de Freitas é advogado, analista político e ex-parlamentar estadual e federal

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