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Velório de Belchior tem música e multidão em Fortaleza

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Velório de Belchior tem música e multidão em Fortaleza

Divulgação

Do lado de fora, uma multidão aguardava. Uns cantavam. Outros choravam. Alguns, “bebiam o morto”, como se diz no Ceará. Do outro lado da grade de entrada do Centro Cultural Dragão do Mar, em Fortaleza, o corpo sem vida de Belchior reencontrava a família que havia deixado para trás quando sumiu. Morto na noite deste sábado, aos 70 anos, em Santa Cruz do Sul (RS), Belchior voltou para o Estado natal para ser velado e sepultado. A causa da morte foi o rompimento de uma das paredes da artéria aorta. 

O velório foi realizado em Sobral, município a 240 km de distância de Fortaleza onde o músico nasceu e viveu até os 16 anos. Às 15h, chegou ao Dragão do Mar, na capital, e foi recebido por familiares próximos. Por 40 minutos, a família teve seu tempo para reencontrar o parente.

O corpo de Belchior foi recebido sem pompas. Na sala onde é velado, cinco coroas de flores rodeiam o caixão. Belchior tem o bigode espesso, ainda preto, e está vestido com uma camisa azul claro. Foi montado um caminho para que o público pudesse prestar suas homenagens – a família tem um espaço reservado. No local, duas caixas de som tocam canções de Belchior e um telão exibe imagens do cantor.

O corpo permanecerá no Centro Cultural Dragão do Mar até a terça-feira, 2. Às 7h, será realizada uma missa em homenagem ao cantor e compositor. Na sequência, Belchior será levado para o Cemitério Parque da Paz. O sepultamento está marcado para ocorrer às 9h. 

Recluso
Belchior vivia recluso. Entre os poucos amigos que possuía em Santa Cruz do Sul estava o jornalista Dogival Duarte. “Ele não precisava de muito dinheiro e também não fazia questão de ter. Os amigos sustentavam ele por onde ele estava, era hospedado como visita. Passou um ano na minha casa tendo tudo.” Para Duarte, o autoisolamento de Belchior foi proposital, mas acabou se prolongando. “Ele parecia um monge, queria ler, se reciclar. Mas acabou passando tempo demais nesse intervalo.”

Vida, canções e poesia
O cantor nasceu em Sobral, Ceará, em 26 de outubro de 1946. Depois de ser programador de rádio na cidade, se mudou para Fortaleza para estudar filosofia e humanidades. Ingressou no curso de medicina, mas abandonou a faculdade e passou a perseguir a carreira artística. Os grandes discos de Belchior são os cinco primeiros, gravados entre 1974 e 1979.

Depois de um compacto em 1971, ele foi contratado pela Chantecler para o primeiro álbum, de repercussão modesta, em que a experimentação com a poesia concreta se destaca. Em Mote e Glosa, Belchior pergunta: “Você que é muito vivo me diga qual é o novo”. Ele representava uma geração que pretendia romper com a MPB de maneira provocadora.

Com Alucinação (1976), Belchior chega ao auge criativo. O produtor Marco Mazzola, que teve de enfrentar a direção da PolyGram para conseguir fazer o disco, chamou grandes músicos de estúdio que entenderam a poética do cearense e sua estética sonora não convencional, que misturava Luiz Gonzaga e Bob Dylan.

Com arranjos de José Roberto Bertrami, canções como Velha Roupa Colorida e Como Nossos Pais, lançadas por Elis Regina, têm peso e força também sustentadas pelo instrumental. A partir daí, Belchior conquistou seu lugar. Naquele ano de 1976, poderia tanto cantar para a plateia popular de Silvio Santos à tarde e à noite fazer um show para universitários. Ele representava o homem do povo que, finalmente, estava onde queria.

O álbum seguinte, Coração Selvagem (1977), mantém o padrão do anterior, também sob a batuta de Mazzola. Ainda mais interessante é Todos Os Sentidos (1978), que mostra um artista fascinado pelo advento da disco music em duas faixas, Corpos Terrestres, com participação das Frenéticas, e Como Se Fosse Pecado. O grande hit, no entanto, foi Divina Comédia Humana. O Brasil inteiro cantou uma música que fazia referência ao poema de Dante Alighieri.

Finalmente, em Era Uma Vez Um Homem e Seu Tempo (1979), Belchior lança seu último grande sucesso popular, Medo de Avião. Mas também estão ali Pequeno Perfil de Um Cidadão Comum, feita com Toquinho, e Comentário a Respeito de John, escrita com José Luiz Penna.

Nos anos 1980, seus trabalhos têm menor repercussão, mas não são menos instigantes. Cenas do Próximo Capítulo (1984) flerta descaradamente com a new wave e Melodrama (1987) mostra um compositor em forma, em um álbum elogiado à época pela imprensa. A partir de 1995, com Um Concerto Bárbaro, Belchior começa a regravar sua obra indiscriminadamente, em projetos repetitivos.

Sumiço
Em 2006, Belchior deixou o flat onde morava com a mulher Ângela Margareth Henman Belchior e os dois filhos na zona sul da capital paulista no final de 2006, quando problemas financeiros ficaram intensos. Ele também abandonou dois carros, que até o ano passado acumulavam dívidas de mais de R$ 200 mil.

A última entrevista conhecida do cantor foi dada ao Fantástico, da TV Globo, em agosto de 2009 – talvez sua última aparição pública. Na ocasião, ele negou o desaparecimento e se recusou a falar sobre as dívidas no Brasil, que agora também envolviam pensões para os filhos. Na mesma reportagem, Belchior declarou que vivia em São Paulo e também prometeu um disco de inéditas. “Com certeza eu vou de volta para a minha cidade amada, para os lugares mais queridos do Brasil, vou fazer show, vou soltar um disco com canções novas”, disse. “Eu sempre estou voltando para o Brasil”, concluiu.

(Com Agência Estado)

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