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Os profissionais do sexo e o direito do trabalho

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Os profissionais do sexo e o direito do trabalho
(Foto: Ednilson Aguiar/O Livre)

Carla Reita Faria Leal

Guilherme Liberatti

 

Há ainda hoje trabalhadoras e trabalhadores invisíveis para maior parte da população, entre eles,  aqueles que atuam no mercado do sexo. A prostituição, segundo afirma-se correntemente, embora sem comprovação científica, é a profissão mais antiga do mundo.

Registros históricos apontam que na Antiguidade as prostitutas possuíam imenso poder político e econômico, o que fez até com que os imperadores tomassem medidas para limitá-lo, muito embora extraíssem dinheiro desta atividade para financiar campanhas militares. Em outros períodos da história, como na época medieval, a própria coroa, ou seja, o poder constituído, possuía bordéis e auferia lucros.

Posteriormente, de forma mais marcante no século XIX, foi-se construindo uma imagem negativa e preconceituosa da profissão, isso muito decorrente da posição da emergente classe da burguesia que buscava limitar o espaço da mulher de uma forma em geral, mas em especial das prostitutas e daquelas livres e independentes dos homens.

Iniciou-se a proibição do exercício da prostituição, chegando até a sua criminalização e fazendo surgir toda uma rede de exploração desses trabalhadores, às vezes até por integrantes das forças policiais. No Brasil não foi diferente, criminalizou-se, entretanto, a exploração da prostituição seja por meio de sua intermediação, seja pela participação em seus lucros, ou mesmo pela manutenção de estabelecimento onde ocorra a sua prática.

Porém, o exercício da atividade de profissional do sexo é lícita e foi incluída, em 2002, na Classificação Brasileira de Ocupações, sendo que os seus ganhos devem, inclusive, servir de base de cálculo para o recolhimento da contribuição previdenciária para esses trabalhadores. Sabe-se que, de fato, a atividade pode ser exercida autonomamente quando exercida livremente, i.e., sem interferência de terceiros, ou de forma subordinada, quando o trabalhador presta seus serviços para clientes de outra pessoa física ou jurídica.

Ao nosso ver, desta forma, estabeleceu-se um contrassenso, pois muito embora a atividade seja lícita o seu exercício em local ou para pessoa que a tenha como atividade comercial, como os prostíbulos ou casa de massagens, é crime.

Isso faz com que os trabalhadores que ali exerçam sua atividade sejam desprovidos de quaisquer direitos trabalhistas mesmo que preencham os requisitos da relação de emprego que se exige de qualquer outro trabalhador, ou seja, mesmo se estiverem presentes a onerosidade, a subordinação, a continuidade, a pessoalidade e a não eventualidade.

O reconhecimento da relação de emprego, quando preenchidos os requisitos já mencionados, garantiria ao trabalhador do sexo um patamar mínimo de direitos, como a segurança e a saúde no local de trabalho, além de trazer dignidade e visibilidade.

Frisa-se que a regulamentação, além de propiciar condições favoráveis de denúncias em casos de violência, de exploração sexual de menores, de tráfico de pessoas para fins de exploração sexual e de trabalho análogo à de escravo, por exemplo, impediria o enriquecimento sem causa dos intermediadores da atividade, forçando-os às correspondentes obrigações ao lucro gerado, como, por exemplo, melhorias das condições de trabalho.

Quando a atividade ganha licitude, as partes passam a ter que cumprir obrigações contratuais e/ou legais e, em caso de violação dos direitos e deveres, o Poder Judiciário, quando provocado, poderia intervir para solucionar os conflitos. Não se trata de naturalizar a mercantilização do corpo, mas sim de atribuir visibilidade a uma comunidade marginalizada e esquecida.

Além disso, a fiscalização da atividade e a imposição de normas contribuiria para a redução de delitos indiretos, como comércio de drogas ilícitas. É possível pensar ainda em punições severas aos estabelecimentos em que se verifique envolvimento com a criminalidade pela aplicação de multas e até a cassação do alvará de funcionamento.

Outra alternativa seria a possibilidade de os profissionais do sexo poderem se organizar em espécie de cooperativas de serviços, nas quais mesmo sendo autônomos contariam com uma rede de proteção.

Por fim, é importante lembrar que a prostituição nem sempre é opção do trabalhador do sexo, contudo, independentemente das razões para o seu exercício e de questões religiosas ou morais, é papel do Estado proteger os seres humanos que exercem tal atividade laboral, protegendo-os da exploração, da violência e do desrespeito.

 

*Carla Reita Faria Leal e Guilherme Liberatti são membros do grupo de pesquisa sobre o meio ambiente do trabalho da UFMT, o GPMAT.

 

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