A história – ou lenda, de tão perfeita – a seguir nos vem com algumas variações pelos escritos de muitos autores antigos, dentre os quais: Plutarco, Velleio Patercolo, Svetonio, Polieno e Valerio Massimo, malgrado nenhum deles seja contemporâneo a César.

No ano de 75 ou 74 a.C., Júlio César era um jovem de família nobre dirigindo-se à Ilha de Rodes para melhorar o seu domínio do Grego e ampliar sua instrução. O barco em que estava com seu médico e diversos criados, no entanto, foi atacado e César foi raptado por piratas cilícios que controlavam as costas da Ásia Menor. De fato, nesses anos tais piratas (anos depois totalmente debelados por Pompeu) infestavam a região do Mar Egeu e se baseavam na província romana da Cilícia, localizada na costa mediterrânea da Anatólia, atual Turquia.

À época, era prática comum aos piratas capturar jovens de famílias romanas nobres e ricas para obter respectivos resgates em dinheiro pela vida dos prisioneiros – um verdadeiro negócio. Em troca da liberdade do refém em questão, o futuro Cônsul Romano, foram pedidos 20 talentos de prata.

Reza a lenda que César teria estourado em risadas ao saber do valor indicado por seu resgate e dito, ainda, valer bem mais: “Vocês não sabem quem capturaram, deveriam pedir, pelo menos, uns 50 talentos de prata”, e assim foi feito – quando o detento mandou que seus criados tratassem do assunto para obter o valor por ele assinalado. César restou refém na ilha acompanhado pelos piratas, dois criados e um amigo.

Se é verdade ou não, diz-se, ainda, que os habitantes da Cilícia eram das populações mais sanguinárias do mundo, e mesmo deixado – quase – só junto aos seus raptores, os tratava com tanto desprezo que, por exemplo, sempre quando pretendia dormir ordenava que um servo mandasse os piratas ficarem quietos, parecendo mais o chefe do bando que um refém. Pode ser exagero, mas vindo de quem vem, não seria impossível.

Neste ínterim, ficou prisioneiro na minúscula ilha de Farmaco – antiga Farmacussa –, no Dodecaneso, e se socializou com seus algozes, à sua maneira; na ocasião perguntava aos seqüestradores, quando ele fosse libertado, em quais árvores da ilha gostariam de ser crucificados. Os piratas riam do descaramento do jovem nobre e César ria junto com eles.

Ao fim e ao cabo, após 38 dias de rapto, a quantia solicitada chegou de Mileto, o resgate foi pago e César foi libertado. Logo em seguida ao término de seu cativeiro, César providenciou uma pequena frota armada, também em Mileto, e saiu à caça dos seus algozes, que se encontravam praticamente no mesmo lugar e não deixou por menos: os capturou, espoliou-os de todos os seus bens, recuperou o resgate que havia sido pago e os mandou para a prisão em Pergamo, onde foi ao seu encontro nas celas.

Já na cidade de Pergamo, César convidou o governador Marco Junio para participar da punição aos piratas, mas o funcionário público tinha outros planos; sabedor do vultoso montante do resgate, pretendia retardar a punição para se apropriar do valor reavido. Júlio César não se intimidou e ignorou solenemente Marco Junio e suas ordens: ele mesmo voltou à prisão, tirou os piratas de suas celas e os crucificou como havia prometido anteriormente em meios às gargalhadas incrédulas.

Porém, reconhecendo ter sido bem tratado durante o seu seqüestro, com a então curiosa noção de piedade pré-cristã, concedeu a eles uma “regalia”: serem estrangulados antes de crucificados, assim sofreriam menos. Após os fatos, César deu seguimento à sua viagem para a escola de Retórica de Apollonio Molone, em Rodes.

À essa altura é difícil encontrar meios de refutar integralmente a história contada e recontada, mas a figura cesarina, sempre digna de um romance, deu aso à solidificação da lenda, a ponto de ninguém menos que Antonio Salieri (a quem, graças a algumas obras de ficção, erroneamente se atribui rivalidade excessiva e até mesmo a morte de Wolfgang Amadeus Mozart) ter escrito a ópera no estilo drama heróico em dois atos: “Cesare in Farmacusa”; tem-se, ainda, o filme italiano de pouca precisão “Giulio Cesare contro i pirati”, de 1962, dirigido por Sergio Grieco, entre outras obras.

Certo é que a tal história (ou lenda) se aplica um ditado italiano: “se non è vero, è ben trovato” (se não é verdadeiro, ao menos parece possível).

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