Mato Grosso iniciou 2020 com a chocante notícia de que uma bebê de apenas seis meses de vida foi morta pelos próprios pais. Moradores de Tabaporã (645 km de Cuiabá) eles são acusados de ocultar o corpo da criança, que foi jogada pelos pais em um poço desativado.
As circunstâncias da morte ainda são investigadas, mas a polícia já sabe que a menina já tinha sido vítima de maus-tratos antes. Com apenas 28 dias de vida, ela deu entrada em um hospital. Tinha queimaduras e ferimentos nos dedos dos pés.
Na época, o Conselho Tutelar chegou a retirá-la dos pais, mas a família conseguiu, na Justiça, reaver a criança. Por conta disso, o caso levantou uma pergunta: quais são os critérios da Justiça para devolver uma criança vítima de maus-tratos à família?
Causa grave
A advogada Tatiane Ramalho, presidente da Comissão de Infância e Juventude (CIJ) da Ordem dos Advogados do Brasil em Mato Grosso (OAB-MT), explicou ao LIVRE que não há critérios fixos: eles dependem de cada caso e do motivo pelo qual os pais perderam a guarda.
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A advogada afirma que uma criança só é afastada do lar se o motivo for grave e resulte em sofrimento para ela, como maus-tratos, castigos abusivos, violência física ou sexual.
De acordo com Tatiane, a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) são claros ao determinar que as crianças sejam protegidas da violência. E é nesse contexto, quando seus direitos são violados, que a separação de seus familiares (biológicos ou não) é prevista.
Nesses casos, entra em cena o Conselho Tutelar.
Criança é a prioridade
Coordenador do Conselho Tutelar em Cuiabá, o conselheiro Davino Mauro de Arruda explica que a maior parte das denúncias chega pelo “disque 100”. No entanto, também há casos em que a entidade é chamada pela própria Polícia Militar.
Segundo Davino, se a situação de risco é real, cabe aos conselheiros a aplicação de medidas protetivas. A primeira – e a principal delas – é a retirada das crianças do local.
Em caso de violência física, a criança é levada para fazer exame de corpo de delito e um boletim de ocorrências é registrado. Longe de casa, ela é acolhida em uma casa-lar, enquanto a promotoria da Infância e Juventude, do Ministério Público, cuida do processo.
Isso não quer dizer que as crianças são colocadas para adoção de imediato. Pelo contrário, medidas assim só ocorrem depois que a Justiça finaliza os trâmites de investigação relacionados aos abusos cometidos pela família.
Se a decisão for pela perda do poder familiar, inicia-se, então, o processo para adoção.
Analise minuciosa
De acordo com a presidente da Comissão da Infância e Juventude da OAB-MT, o processo envolvendo a retirada de uma criança do lar é complexo e exige uma apuração minuciosa.
Primeiro, a Justiça analisa se realmente não há condições de devolver a criança para a família. Essa investigação envolve, por exemplo, análise do histórico de violência, intenção dos pais de cuidar da criança e um tratamento dos abusadores.
De acordo com o conselheiro de Cuiabá, na Capital mato-grossense, por exemplo, há uma escola para pais na Vara da Infância e Juventude. Lá, aqueles que tiveram a guarda de seus filhos destituída “aprendem” a ser melhores pais.
Já Tatiane cita que a família também precisa passar por tratamento, dependendo do motivo pelo qual foi afastada dos filhos. E não só isso, tem que comprovar já estar apta para ter a criança de volta.
A advogada cita que, se o afastamento se deu por problemas com bebidas alcoólicas, por exemplo, a mãe ou o pai alcoólatra deve comprovar que fez tratamento e que já é capaz novamente de cuidar da criança.
Tatiane faz questão de ressaltar que o juiz nunca responde sozinho por esses casos. “Em tudo que envolva criança e adolescente é obrigatória a participação do Ministério Público”.
Nesses processos, a Promotoria Especializada da Infância e Juventude opina sobre a devolução ou não da criança àquela família.
“Provando-se que há condições, a Justiça vai devolver essa criança. E se o juiz devolveu para a família, é porque viu indícios fortes para isso”, ela sustenta.
Caso Tabaporã
Tatiane diz que a Comissão da Infância e Juventude da OAB acompanhou o caso de Tabaporã até a prisão dos pais da bebê assassinada. Um caso que, ao LIVRE, ela classificou como “chocante e desprezível”.
“Um caso muito delicado, que nos comoveu bastante. Em especial porque se trata de um bebê. Quando tantos sonham em ter um bebê – e temos filas gigantes de pessoas para adotar – mãe e pai fazem uma dessa. Nos causa repulsa”, ela comentou.