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Maurício Munhoz e o livro O Avanço do Agronegócio em Mato Grosso

Suelme Fernandes escreve sobre o livro O Avanço do Agronegócio e o Índice de Crescimento Sustentável dos Municípios de Mato Grosso

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Maurício Munhoz e o livro O Avanço do Agronegócio em Mato Grosso

As primeiras propagandas oficiais do Governo Blairo Maggi (2003-2006) com as famosas imagens aéreas das colheitadeiras em V avançando na lavoura das fazendas correram o mundo e até hoje é a tônica da publicidade oficial e da mentalidade desenvolvimentista dos vários governos que se sucederam. Iniciava-se uma nova fase política e econômica a partir de seu governo.

De lá para cá, muitos políticos, governadores e formadores de opinião ergueram um totem do agronegócio para idolatrar, repetindo os mantras: Se não fosse o agronegócio…; Mato Grosso é a Califórnia brasileira; Meca do agronegócio; Graças ao agronegócio…; Mato Grosso é um gigante e outros tantos superlativos.

Poucas pessoas tiveram coragem de indagar essas verdades e ideologias construídas, mas será que é tudo tão maravilhoso assim mesmo? Qual o custo benefício e alcance horizontal desse desenvolvimento?

Esse foi o desafio assumido pelo mestre em Economia Mauricio Munhoz em seu novo livro “O Avanço do Agronegócio e o Índice de Crescimento Sustentável dos Municípios de Mato Grosso”, mensurar a eficiência econômica como um todo do agronegócio.

O livro foi publicado pela conceituada editora regional Carlini & Caniato.

O autor coloca a Lei Kandir como um dos grandes empecilhos do desenvolvimento pleno da economia do Estado, pois favorece a exportação in natura de comodities, causando uma baixa industrialização do Estado e uma arrecadação precária nos cofres públicos.

Citando outras isenções fiscais estaduais, Maurício afirma que essa política econômica e fiscal exclusivista está diretamente ligada à baixa qualidade dos serviços públicos em geral e às inúmeras desigualdades regionais.

Para comprovar essa tese, o autor demonstra através de números que no intervalo do estudo 1980-2016, a soja dobrou a produtividade por área plantada, foi de 1,66 toneladas para 3,18 ou de 25 sacas por hectare em 1980 e alcançou 53 sacas em 2016.

Noutro quadro, a soja, principal comodities, rendeu 48 bilhões nas comercializações em 2018 e arrecadou de ICMS apenas 2,89% desse valor, algo em torno de 378 milhões de reais aos cofres públicos, enquanto o arroz pagou 14, 55% de alíquota real.

Para Munhoz, esse modal adotado, além de altamente concentrado com as riquezas nas mãos de poucos milionários e predomínio do latifúndio, entre outras consequências danosas, massacra por completo as possibilidades de desenvolvimento da Agricultura Familiar, segmento econômico que, para ele, sempre teve investimentos pífios por parte do Estado.

Em uma série histórica de 1975-2017, Munhoz comprova que a quantidade das chamadas lavouras permanentes pelo IBGE, ou pequenas propriedades, tem diminuído drasticamente nos últimos anos.

Em 2006, haviam em Mato Grosso 408.550 imóveis e diminuiu para 105.244 propriedades em 2017.

Nesse mesmo período, o grande agronegócio teve um aumento de dois mil por cento e a Agricultura Familiar, um retrocesso de menos 380 por cento.

Comparando Mato Grosso com outros estados, como Rio Grande do Sul, segundo maior produtor de soja do Brasil, o autor confirma a situação fundiária e a produção altamente concentrada.

Nesse exemplo, toda a produção daquele Estado é realizada em 95 mil propriedades, enquanto em Mato Grosso, primeiro produtor nacional, em pouco mais de 7 mil estabelecimentos.

Em razão desse desempenho produtivo, as terras mato-grossenses sofreram uma grande valorização imobiliária, causando uma pressão ainda maior nos últimos tempos sobre as pequenas propriedades, gerando conflitos de toda natureza e alguns comodatos informais suspeitos.

Sem entrar nesse artigo nos pormenores dos números ambientais do livro, os indicadores demonstram que a tecnologia produtiva baseada no uso de agroquímicos e o desmatamento, ao contrário do que o setor e o próprio governo afirma, tem deixado um altíssimo passivo ambiental ao Estado.

Afirma ele, que sob a ótica do PIB os números da produção e preservação podem até parecerem maravilhosos e mágicos, mas, sob a ótica dos indicadores do ICSM, tem causado um estrago socio-ambiental sem precedentes.

Nesse cenário especifico de desenvolvimento capitalista em Mato Grosso, restava agora tratar de sua tese principal e trazer os indicadores sociais para sua análise.

Munhoz criou então de maneira inédita, o ICSM- Índice de Crescimento Sustentável dos Municípios, um cruzamento minucioso de informações oficiais do Censo Agropecuário, PIB, balancetes fiscais, programas sociais, educacionais, saúde e ambientais entre outros.

Através de um ranking das desigualdades regionais, os 141 municípios mato-grossenses foram classificados de maneira decrescente, por situação econômica: Prósperos, 11; Dinâmicos, 23; Moderados, 35; Reduzidos, 45; Estagnados, 27.

Portanto, o Estado tem 72 municípios em situação econômica precária, destes, 27 estão na extrema pobreza e apenas 11 são oásis de riquezas. O ICSM demonstra ainda que 16% da população depende do Programa Bolsa Família para viver.

Mato Grosso que é vendido como eldorado e Terra Prometida desde sempre, é na verdade mais um Estado pobre da federação brasileira, onde a maioria da população depende de uma estrutura precária de serviços públicos de saúde, educação e assistência social para sobreviver.

A obra reveladora de Maurício Munhoz, mais que constatação de problemas ou literatura informativa, tem que ser visto pelos governantes como um instrumento de reflexão para o planejamento estratégico das políticas públicas do Estado e um livro de cabeceira de quem se preocupa com o futuro de Mato Grosso.

Enquanto não pensarmos na diversificação da produção e geração de emprego e renda para se resolver as desigualdades regionais, o serviço público continuará sendo a grande alternativa de sobrevivência das pessoas nos municípios, como constatou o próprio estudo de Mauricio Munhoz.

E para aqueles que carimbaram o livro como panfleto de comunista, saibam que todos os pressupostos usados poderiam muito bem serem lidos a partir de um prisma liberal, sem nenhuma dificuldade.

Afinal Karl Marx e Adam Smith pensaram no progresso e desenvolvimento da humanidade de maneira muito parecida, mudando apenas os métodos para alcançá-los e mantê-los.

Como provocação, encerro esse texto com uma citação do chamado pai do capitalismo e do liberalismo A. Smith: “A riqueza de uma nação se mede pela riqueza do povo e não pela riqueza dos seus príncipes.”

Suelme Fernandes é Mestre em História pela UFMT, siga nas redes sociais.

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