Fiscalização/Sema
Apreensão de madeira em Rondolândia, em 2016; volume equivalia a 40 caminhões
Os projetos de colonização da porção norte do país nas décadas de 70 e 80 geraram o maior processo de aberturas de terras da história nacional. O slogan “integrar para não entregar” ajudou, além de criar latifúndios, a cortar a floresta Amazônica para dar passagem às rodovias Cuiabá-Santarém e Transamazônica.
A culpa por ferir a natureza, considerada divina em muitas religiões e, principalmente no catolicismo, levou muitos homens aos confessionários. O motivo? O arrependimento por haver desmatado áreas intocadas. Quem conta esse história para o LIVRE é o chefe-geral da Embrapa Monitoramento, Evaristo de Miranda.
Conhecedor dos rincões do Brasil, o pesquisador comentou que entre os fatos curiosos que encontrou mapeando o norte de Mato Grosso e Rondônia está o que chama de “pecado do desmatamento”.
“Existe um respeito intrínseco pela natureza nas comunidades mais isoladas, isso é histórico e tem muita relação com o catolicismo”, afirma.
Em Rondônia, padre catequizava, celebrava missas e ouvia os fiéis que se culpavam pelos danos à natureza. “Padre, eu desmatei”, confessavam, pedindo o perdão divino
Para o pesquisador, um dos casos mais emblemáticos ocorreu na década de 90, quando conheceu um padre belga em Machadinho D’Oeste (RO). “Ele tinha como missão catequizar, celebrar as missas e ouvir os fiéis que se culpavam por ter aberto áreas”.
“Eles diziam, padre eu pequei. Eu desmatei”, revela. À época, Evaristo ficou surpreso com os fieis. “Esse pecado não está codificado no Código de Direito Canônico”, brincava, comentando com o padre.
Observando que o fenômeno se repetia em outras comunidades, o chefe da Embrapa passou a estudar o tema e o comportamento das comunidades que conhecia. “Entendi que, para os católicos, a natureza é o território do sagrado”, analisa
Segundo ele, esse comportamento do brasileiro é muito criticado em países capitalistas. “Nos países desenvolvidos, é assim: ‘Deus nos deu a natureza, eu uso, pronto e acabou’”, observa.
A culpa
Em Juína, a reportagem conversou com uma jovem que pediu para não ser identificada. Ela contou o exemplo do sogro, que veio para Mato Grosso no final da década de 70. Bastante religioso, ele segue uma rotina semanal de missas e reuniões na igreja da comunidade.
Reprodução
“Ele tenta se conformar dizendo que abriu a mata porque não tinha como trabalhar, como sustentar a família sem cultivar uma mandioca, um feijão, criar um gado”, relata.
A jovem destaca que hoje o sogro conserva todo o território com uma reverência sagrada e leva uma mensagem de conservação para todos com que convive.
“Ele tenta se conformar dizendo que abriu a mata porque não tinha como sustentar a família”
“Ele não derrubou por ganância, mas para dar um sustento para a família que estava se formando. Foi Deus quem colocou os animais em cima daquela terra. Cuidando da natureza, estamos trabalhando para Deus”, opina.
Casos raros
Para o coordenador da Comissão Pastoral da Terra (CPT), padre Paulo César Moreira, casos de arrependimento por desmatamento são raros. Segundo ele, a realidade no campo é bem diferente.
“Não duvido que isso ocorra e que tenha ocorrido com maior frequência no passado, mas a gente sabe que são casos isolados e pontuais”, disse ao LIVRE.
Pelos anos que andou por Mato Grosso ao lado de agentes da Prelazia de São Félix do Araguaia, juntamente com o bispo Pedro Casaldáliga, o que viu foram as lutas exacerbadas por terras, sangue e veneno: “Latifundiários tomando e comprados terras da União, violência armada, derrubada da mata sem controle”, enumera. “Não vi nenhum se sentindo culpado por isso”, lamentou.