Ursos são desajeitados. São animais selvagens, naturalmente assustadores e que costumam quebrar tudo o que está por perto, porque são grandes, porque possuem garras e tem pouca coordenação motora. Na Rússia, as pessoas tentam evitar que esses animais saiam de seu habitat natural e invadam os vilarejos, em busca de alimentos. Mas a situação é cada vez mais frequente devido ao problema climático.
Ursos, assim como a sobrecarga de trabalho, deveriam ser mantidos a uma distância segura. Mas, estamos nos acostumando a trabalhar acima do que permite a saúde do corpo e da mente, naturalizando uma rotina extenuante focada na produtividade, entendendo o trabalho como valor supremo da vida. Quase não há tempo ou energia para perceber o que poderia ser feito de diferente, de interessante. Ouso até escrever: estamos convidando os ursos para o baile.
A corrida profissional aflige a todos, indistintamente. É preciso correr muito para chegar em algum lugar. Porém, pesquisas indicam que são elas, as mulheres, as mais afetadas pelo acúmulo das funções, exigências e pressões. Uma pesquisa publicada em março deste ano, pela consultoria EDC, mostrou que quase 25% das entrevistadas sentiam angústia e ansiedade com o volume de trabalho. Entre os homens, esse percentual atingiu 15%.
A ansiedade é uma palavra comum em nossas conversas. Define-se como um sentimento vago e desagradável de medo, apreensão, caracterizado por tensão ou desconforto derivado de antecipação de perigo, de algo desconhecido ou estranho. Cabe – a cada um de nós – esmiuçar o passado e ver quando abrimos a porta, quando ela entrou para o cotidiano dos nossos dias, para a intimidade das nossas emoções, ocupando um espaço – como se o merecesse – e dando ordem de despejo às outras possíveis experiências mais prazerosas ou construtivas.
Exatamente em 1992, a escritora psicanalista Clarissa Pinkola Estés, lançava nos EUA um livro que rapidamente transformou-se num sucesso: Mulheres que Correm com Lobos. O livro só chegou no Brasil muito tempo depois, mas também alcançou o reconhecimento público, com sua tese sobre a necessidade da reconexão feminina – e, por que não também, masculina ? – com a nossa própria natureza selvagem e instintiva.
Essa natureza primitiva, da qual fala a autora desde 30 anos atrás, é aquela que nos faz entender as diferenças entre o que é ou não importante; o que pode deixar para ser feito depois, ou não; entre o que garante a minha sobrevivência ou, talvez, apenas esteja mantendo o meu ego vivo. Para a vida plena e intensa, é preciso que o urso, ou o lobo, esteja dentro de nós, e não que ele seja um desajeitado e trapalhão parceiro de baile.
***Andréa Ferraz Fernandez é jornalista. Tem doutorado na área da Ergonomia da Informação e pós-doutorado em Comunicação Audiovisual, pela Universidade de Málaga, Espanha. É docente da Universidade Federal de Mato Grosso, UFMT, lecionando nos Programa de Pós Graduação em Estudos da Cultura Contemporânea (ECCO), no Programa de Pós Graduação em Comunicação e Poder (PPGCOM) e no Curso de graduação de Cinema e Audiovisual.