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Chuva do Cadjú

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Chuva do Cadjú
Doce, como o enxofre (Colagem digital. Autoria própria)

Estamos em algum dia entre agosto e setembro e logo as cidades do cerrado estarão perfumadas de manga, pequi e caju; mas não antes da primeira chuva. Conhecida como  chuva do Caju (ou cadjú, como se diz em Cuiabá), ou chuva da manga, ela cai isolada no meio do período mais seco do ano e anuncia a chegada das chuvas, mais adiante.

A rápida chuva é vital para o desenvolvimento das frutas, que não conseguem segurar os frutos sem essa carga de umidade. As árvores, agora carregadas de flores, geram seus frutos na seca aguardando as águas para concluir o ciclo. Os povos tradicionais já observavam esse comportamento das plantas, como uma forma de medir o tempo. Logo as mesas estarão fartas de compota, sorvete, suco, bala, bolo e drinks.

Com a chegada das chuvas não apenas as frutas se beneficiam: o poeirão diminui, assim como as queimadas e incêndios – urbanos e rurais – e o ar também melhora, criando uma condição atmosférica mais adequada à saúde das pessoas.

Mas por favor, controle-se, e não saia correndo de braços abertos ao ver os primeiros pingos da estação: você estará diante de uma chuva ácida, carregada de óxidos de azoto e óxidos de enxofre que, reagindo com a água da atmosfera, vai fazer chover ácido sulfúrico e nítrico. Definitivamente, resista: a chuva ácida destrói florestas e plantações, penetra e contamina o solo e as águas, corrói construções e faz mal à saúde dos animais, inclusive a do ser humano.

Uma chuva é chamada de ácida quando seu pH está abaixo de 5,6 em uma escala que vai do zero ao catorze. Para comparar, o vinagre possui pH 2 e esse mesmo índice já foi encontrado nos rios de Santa Catarina, em 1977 e em São Paulo, em 1985. Mas nada ganha da cidade de Glasgow, na Escócia – em 1974 – em que a chuva ácida levou seus rios ao pH de 1,0 – igual a água de bateria.

Em condições normais, um lago – com todas suas plantas, insetos e peixes – possui pH ao redor de 6,5, tendo seu sistema ecológico adaptado a esta condição. A acidificação da água para menos que 5 irá matar quase toda a vida aquática, afetando o restante do ambiente ao redor, fauna e flora, inclusive o ser humano, que pesca. Sobreviverão apenas os extremófilos (o nome já diz tudo, né?) organismos que sobrevivem em condições que só Deus não duvida.

Então, se quisermos prever nosso futuro, basta olhar adiante, para os países mais industrializados como o Canadá. Por lá,  80% dos 700 mil lagos são ou estão se tornando ácidos; ou para os EUA, onde os peixes de mais de 200 lagos nas Montanhas de Adirondack desapareceram.

Se o efeito maléfico é gritante, a solução é complexa. Causada pela poluição atmosférica, a chuva ácida está diretamente relacionada com a emissão de gases contaminantes emitidos, principalmente, com a queima dos combustíveis fósseis, combustões industriais e motores dos veículos. A troca da matriz energética do planeta, solução inviável a curto prazo, é a direção.

Uma caipirinha de caju, junto com uma porção de peixinho frito, talvez nos ajude a pensar em soluções de transição; pode ser o estabelecimento de limites máximos para a emissão de gases, ou também em (poucos) anos máximo para o uso dos sistemas energéticos em vigor. Quem sabe, os líderes governantes assinarão acordos durante o café, servido com um pratinho de doce de manga, imaginando os netos de seus netos, que eles também correrão chupando picolés de toda sorte de fruta (inclusive no meio da chuva de verão) como eles mesmos faziam. Sem medo.

***Andréa Ferraz Fernandez é jornalista. Tem doutorado na área da Ergonomia da Informação e pós-doutorado em Comunicação Audiovisual, pela Universidade de Málaga, Espanha. É docente da Universidade Federal de Mato Grosso, UFMT, lecionando nos Programa de Pós Graduação em Estudos da Cultura Contemporânea (ECCO), no Programa de Pós Graduação em Comunicação e Poder (PPGCOM) e no Curso de graduação de Cinema e Audiovisual.

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