Candidato é palavra que veio do Latim candidatus, de candidus, muito branco. Na Roma Antiga, quem era candidato vestia uma longa toga branca com o fim de mostrar que tinha ficha tão limpa quanto aquela roupa. A palavra e a imagem já estavam, então, associadas, bem antes da invenção da fotografia, do cinema e da televisão.
Mas esta figuração toda não impedia que candidatos, eleitos ou não, fossem corruptos e atentassem contra a res publica, a coisa pública, o bem de todos, sintetizado na palavra república.
Um dos mais notórios candidatos eleitos foi Lúcio Sérgio Catilina, político ladrão, assassino do próprio filho e notório conspirador, combatido ardorosamente por seu colega no Senado, o político e orador Marco Túlio Cícero (por padrão, os antigos romanos tinham três nomes). Seu nome deu origem à palavra catilinária.
As Catilinárias são mais conhecidas do que as Filípicas, mas será que alguns dos candidatos a presidente da República terão lido ao menos uma antologia destes célebres documentos? Se não o tiverem lido, será uma pena, pois continuam em vigor as extraordinárias lições de política que estes dois textos nos dão.
A Polícia Federal, sempre criativa nos títulos de suas operações, já deu o de Catilinárias a uma delas, mas ainda não recorreu às Filípicas.
O que terá inspirado o agente da Polícia Federal a designar Catilinárias a operação que prendeu figurões da República, a começar pelo ex-deputado federal Eduardo Cunha, que quando presidente da Câmara dirigiu a sessão que depôs a então presidente da República, Dilma Rousseff? Provavelmente a abertura da primeira das quatro Catilinárias: “Quo usque tandem abutere, Catilina, patientia nostra?”. (Até quando abusarás, Catilina, da nossa paciência?”). Graças a estas e outras operações, vários candidatos candidataram-se também, sem querer, a uma vaga em Santa Cândida, nome do bairro onde fica a sede da Polícia Federal, em Curitiba. O nome da santa tem o mesmo étimo de candidato.
Poucos sabem de um detalhe importante do autor das Catilinárias: Marco Túlio Cícero, que viveu no Século I a.C., tornou-se senador e cônsul na Roma Antiga depois de vencer eleições em que usou um manual feito em forma de recomendação pelo general Quinto Túlio Cícero, seu irmão caçula.
O título em latim é Commentariolorum Petitionis, mas as traduções têm adaptado para algo como Pequeno Manual de Campanha Eleitoral, como faz a edição italiana: Manualetto di campagna elettorale (Roma, Salerno Editrice, 2006, tradução de Paolo Fedeli).
Cerca de três séculos antes dos dois Cíceros, mas na Grécia antiga, o também político e orador grego Demóstenes foi duramente atacado por seu invejoso rival Esquino.
Demóstenes tinha pago do próprio bolso a reconstrução dos muros da cidade, destruídos por ordem de Felipe, rei da Macedônia e pai de Alexandre, o Grande. Os amigos do grande orador deram-lhe uma coroa de ouro, em sinal de agradecimento do povo ateniense.
Por causa do presente, Esquino, então, o invejoso, pronunciou violento discurso contra o invejado, que em resposta escreveu a Oração da Coroa, até hoje peça estudada com gosto nos cursos de Direito. O discurso tem este título por Demóstenes ter justamente defendido a doação da dita coroa.
Exilado em Rodes, Esquino abriu uma escola onde dava aulas de retórica, lendo logo nas primeiras lições duas peças: a dele, de acusação contra Demóstenes; e a de Demóstenes, se defendendo dele.
Quando terminava de ler a sua, ouviam-se poucos aplausos, mas, quando concluía a de Demóstenes, a sala quase vinha abaixo, tão estrondosas eram as palmas. Esquino acabou desistindo de ensinar.
Catilinária e filípica passaram a designar acusações violentas contra alguém e desde há muito tempo são verbetes de dicionários.
Convém alertar que Cícero também escreveu sua Filípicas, desta vez contra Marco Antônio, que ocupara o lugar de Júlio César, depois do célebre assassinato do ditador nos idos de março do ano 44 a.C. Em comum, os dois tiveram o amor de Cleópatra e a morte trágica: César, assassinado por senadores, por amigos e pelo filho adotivo Bruto; Marco Antônio, por suicídio.
Tantos séculos depois, Demóstenes, que viveu no Século IV a.C., e Cícero, no Século I a.C., continuam atuais. Muitos candidatos, eleitos ou não, continuam merecendo catilinárias e filípicas todos os dias.