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Apenas os bons são punidos

Estamos mergulhados há pelo menos quatro séculos no experimento da modernidade, que secularizou ideais políticos antes comunicados pela religião

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Apenas os bons são punidos
(Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Será que a religião se tornou uma coisa supérflua nos dias de hoje? Muito da discussão política no Brasil durante o ano que passou girou em torno da legitimidade, ou falta de, da interferência dos evangélicos e católicos na política.

No ano passado começamos com o novo ministério do presidente Bolsonaro definindo uma atitude em relação à religião e à moral que já não víamos há muitos anos. Muitos dos novos ministros e o próprio presidente Bolsonaro são religiosos convictos e não escondem o fato de que sua fé informa sua postura política. De repente, “o povo” escuta a sua fé falando no palanque, nos escritórios de Brasília, na TV.

Choque! A mídia nacional se esmerou em combater esse grupo de “fanáticos”, apelidando-os de “ala ideológica” do governo. Só que, ao chamá-los assim, a mídia tentou aplicar um golpe deliberado na população.

Confundindo religião, base comum de fé e moral da maioria dos brasileiros, com um sistema ideológico, uma maneira de pensar que define a priori seus argumentos, prioridades e ações, a mídia tentou passar a ideia de que a presença desses assim chamados ministros ideológicos no governo era uma anomalia.

“Escândalo geral”

Pior, até: um câncer a ser extirpado para que o organismo “técnico” do governo pudesse funcionar.

Diante desse escândalo geral, sobre a reentrada da religião no debate público que ainda, um ano depois, choca pessoas, devemos nos fazer algumas perguntas.

Existe alguma ação política que não tenha embutida em si algum valor religioso ou moral?  Os políticos chamados de pragmáticos não trabalham também de acordo com um conjunto de valores que os orienta?

A nossa dificuldade de entender a ubiquidade desta coisa que chamamos de fé deriva do fato de estarmos mergulhados há pelo menos quatro séculos no experimento da modernidade, que secularizou ideais políticos que antes eram comunicados pela religião.

O Estado passou a se arrogar propriedades metafísicas, como a capacidade de educar pessoas para se tornarem seres humanos dignos, ou a possibilidade de “reformar” o cidadão que se opõe à ordem social vigente.

Estado metafísico

Esse Estado metafísico todo-poderoso disputa espaço palmo a palmo com a religião. Mas será que ele consegue mesmo gerar o “bem” dentro do cidadão? Eu acredito que não. A história provou que não.

Um exemplo claro é a anomia que tomou conta da União Soviética depois de seu esfacelamento. Bem-sucedidos em excluir a religião de seu panorama cultural por mais de sete décadas, os comunistas não conseguiram incutir moral, senso de justiça, respeito ou propósito nas populações dominadas por eles.

O resultado foram anos de intenso sofrimento em uma onda de males sociais como alcoolismo, tuberculoses, imunodeficiências e suicídios nas 13 repúblicas “liberadas” depois da queda do império soviético.

Vácuo moral

Quanto mais secularizada ou antirreligiosa nossa sociedade, mais distante ela se torna de ser plena e funcional, porque é da religião a prerrogativa de inspirar o bem, de criar a ponte entre a mente racional e os sentimentos, para que possamos colocá-los em prática na sociedade.

É da moral interna que depende a lei e a ordem, já que o acordo social é um acordo e não uma imposição. Nem a punição funciona no vácuo moral. Só os bons têm a capacidade de serem punidos[1] e, para apreciar o bem, precisamos de Deus.

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[1] Hocking, W. Ernest, The Coming World Civilization, New York, NY, 1956, pg. 7

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