Ednilson Aguiar/O Livre
Cláudio Alvares Sant’ana, delegado-adjunto da Delegacia da Mulher, Criança e Idoso de Várzea Grande:
O combate à violência contra a mulher ganhou um forte aliado em 2006: a Lei Maria da Penha. Mas 11 anos depois, a realidade mostra que a lei mais rigorosa não foi capaz de reprimir os casos mais absurdos de violência doméstica. Pelo contrário: eles ainda são comuns e suas consequências, conforme o delegado Cláudio Alvares Sant’ana, vão muito além das marcas físicas.
“A lesão na pele, ela sai; mas a violência doméstica deixa marcas profundas na alma da vítima”, disse.
Em 2017, diversos casos de violência contra a mulher chocaram os mato-grossenses. Nesta semana, por exemplo, dois casos chamaram a atenção negativamente: um marido que ameaçou a mulher com uma serra elétrica, em Barra do Garças (a 512 km de Cuiabá), e outro que, mesmo com a presença da polícia, ainda agrediu a mulher com um cabo de vassoura, em Várzea Grande.
De janeiro a setembro deste ano, Mato Grosso já registrou 24.501 ocorrências de violência contra a mulher. E os números mostram que os casos só estão aumentando, visto que no mesmo período de 2016 foram registradas 22.562 ocorrências.
Cláudio Alvares Sant’ana, que é delegado-adjunto da Delegacia da Mulher, Criança e Idoso, explicou que há vários tipos de violência – física, psicológica, patrimonial -, mas que na delegacia de Várzea Grande os três crimes mais registrados são ameaça (1708), lesão corpotal (737) e injúria ou xingamentos (500).
Os dados de Várzea Grande refletem a realidade de todo o estado: o crime mais registrado, tanto em 2016, quanto em 2017, foi o de ameaça, que representa mais da metade das ocorrências registradas, com 14.388 no ano passado e 15.777 neste ano, na segunda maior cidade de Mato Grosso.
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“Quebre esse ciclo no início. Começou a ser ofendida, xingada, ameaçada, injuriada? Compareça à delegacia de polícia”
O delegado contou que, na maioria dos casos, a vítima ainda é dependente financeira do companheiro e que isto dificulta a denúncia, visto que, caso ela denuncie, ficará sem o sustento da casa.
“Para você ter uma ideia, eu já tive caso aqui em que eu prendi o suspeito que agrediu a mulher, ela tinha cinco filhos. Eu prendi ele na sexta, na segunda ela veio aqui e falou: ‘Doutor, se ele continuar preso, eu e meus filhos vamos morrer de fome, porque só ele que trabalha’”, relatou.
Ele contou que essa reação é comum e, por isso, ou a mulher não denuncia, ou tenta retirar a queixa. Em casos de ameaça, é possível cancelar a denúncia, mas em casos de agressão física a lei não permite.
A denúncia pode ser feita por qualquer pessoa pelos números 197 e 181, da Polícia Judiciária Civil de Mato Grosso, e 180, que é nacional. Porém, no caso de ameaça somente se a mulher quiser registrar a ocorrência a polícia poderá agir.
Já no caso de lesão corporal, qualquer pessoa pode fazer a denúncia e, se constatado o crime, o suspeito é preso. Ainda que a mulher não queira registrar queixa é inevitavelmente dado início ao processo.
Além da questão financeira, há ainda vítimas que possuem dependência emocional do agressor. Durante a entrevista, o delegado Cláudio lembrou de casos que o marcou, como o de uma mulher que foi golpeada pelo marido com um facão, levou 18 pontos na cabeça e quase morreu.
A vítima desapareceu e o delegado começou a procurar por ela. Quando a encontrou, ela estava em Nova Mutum, morando com o agressor.
“Ai eu liguei e perguntei: ‘Mas a senhora já voltou com ele?’ e ela falou: ‘Já voltei porque não tenho como ficar sozinha’. É outro lado, é a dependência emocional e sentimental. Ela quase morreu e mesmo assim voltou por essa situação”, lembrou.
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“Não basta só punir o agressor, a gente tem que dar uma estrutura psicológica para a vítima”
Cláudio Alvares Sant’ana relatou que existem vários estudos que comprovam que a violência doméstica tem um ciclo, que começa com pequenos atos, parte para o xingamento, passando pela ameaça e vai se agravando com a violência física, chegando à morte.
“Qual é a orientação que nós passamos para a vítima? Quebre esse ciclo no início. Começou a ser ofendida, xingada, ameaçada, injuriada? Compareça à delegacia de polícia, especializada da mulher, ou em qualquer delegacia do Estado, faça o boletim de ocorrência e dê início ao procedimento”, orientou.
Ele explicou que a melhor opção é procurar delegacias especializadas, visto que todas possuem uma equipe multidisciplinar com profissionais preparados para a abordagem às vítimas desse tipo de violência.
Mato Grosso possui delegacias especializadas da mulher em Cuiabá, Várzea Grande, Rondonópolis, Barra do Garças, Tangará da Serra e Cáceres.
Nessas delegacias, após o registro do boletim da ocorrência, a vítima é encaminhada a uma equipe de psicólogos, onde recebe todo tratamento psicológico. “Não basta punir o agressor, a gente tem que dar uma estrutura psicológica para a vítima. Se eu só prender não vai resolver”, disse Cláudio.
Dois mil inquéritos
Atualmente, a delegacia da mulher de Várzea Grande tem 2 mil inquéritos em trâmite. Um deles é o citado no início da matéria, em que o marido prendeu a esposa e o filho para fora de casa, e mesmo com a presença da polícia, deu três golpes nela com um cabo de vassoura. O caso aconteceu na última quinta-feira (19), no Bairro São Matheus. O homem estava tão alterado que agrediu inclusive os policiais.
Outro caso que aconteceu nesta semana e chamou a atenção dos mato-grossenses foi o de um homem que ameaçou a esposa com uma serra elétrica, um podão de árvores e até disse que iria explodir a casa com gás de cozinha.
O suspeito foi preso, não sem antes resistir, e a vítima foi salva pelos policiais, sem ferimentos. O crime aconteceu em Barra do Garças e a ajuda do vizinho da vítima, que ao ouvir os gritos desligou o padrão da casa e chamou a polícia, foi primordial para o socorro à mulher.
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Para o delegado, essa mudança será o maior avanço que a Lei Maria da Penha tem desde 2016
Medidas protetivas
Após a denúncia, a vítima pode conseguir uma medida protetiva e normalmente ganha o direito de ficar na casa, ainda que ela pertence ao suspeito. Porém, atualmente o atendimento desse pedido pode levar até um mês para ser decidido pelo juiz.
Nesta semana o projeto de lei 07/2016 foi aprovado no Senado e, caso seja sancionado pelo presidente michel Temer, as medidas protetivas passarão a ser deferidas já na delegacia.
Com essa mudança na Lei Maria da Penha, a vítima, que até então saía da delegacia somente com um papel, não precisará mais aguardar a decisão do juiz e ficará mais segura.
Isso poderá mudar a realidade de casos como o de Dineia Batista Rosa, de 35 anos, que foi morta a tijoladas pelo ex-namorado, Welington Fabrício de Amorim Couto, 31, em maio deste ano, simplesmente porque ele não aceitava o fim do relacionamento.
Dineia havia feito a denúncia, mas antes que algo acontecesse com Welington, que já havia matado a ex-esposa, ela foi brutalmente assassinada.
“Esse é o maior avanço que a Lei Maria da Penha tem desde 2016. Já passou no Senado e agora está faltando só o presidente sancionar, que a partir desse momento já estará valendo”, disse o delegado Cláudio Alvares Sant’ana.