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A pintura cotidiana de Dalva de Barros

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A pintura cotidiana de Dalva de Barros

Ednilson Aguiar/O Livre

Dalva de Barros

A artista plástica Dalva de Barros

 

Em uma segunda-feira pela manhã, chegamos a um pequeno sobrado no bairro CPA II, onde o silêncio impera, apesar da rotina apressada de Cuiabá em um dia normal de fevereiro. Da entrada da casa é possível sentir o cheiro dos pães de queijo no forno e do café passado na cozinha, e também ver o primeiro sinal de que estamos no lugar certo: uma grande pintura com elementos da natureza de Mato Grosso compõe, junto de uma mesa e cadeiras de ferro para jardim, a varanda. No portão, uma senhora loura, de pele branca e uma camiseta com resquícios de tinta nos recebe com um misto de simpatia e timidez.

A senhora é Dalva de Barros, uma das artistas plásticas mais significativas em Mato Grosso e que utiliza traços simples para retratar a vida dos lugares por onde passou em seus 81 anos de vida. De poucas palavras, ela fala por meio de seus quadros. Festas, religião, crítica social, esportes e outros temas são abordados por Dalva em sua pintura do cotidiano.

Ela começou a pintar em Diamantino, onde passou sua infância com o pai Nabor de Barros e a mãe D. Maria José em uma fazenda. Nabor era uma espécie de sertanista, sempre trabalhando com compra e venda de diamantes, empreendedor também do ramo de seringais, e não costumava se fixar muito tempo no mesmo local, enquanto a mãe cuidava da casa. A propriedade da família era um estivado, com natureza farta. “Eu morava no interior, num lugar lindo, com paisagens, e aquela natureza me incentivou a começar a pintar”, conta Dalva.

O aprimoramento se deu no Rio de Janeiro, na Faculdade de Belas Artes, onde ela frequentou aulas durante três anos e meio, entre 1968 e 1971. Dalva recebia uma bolsa do governo de Mato Grosso para manter-se na então capital federal para desenvolver suas capacidades como artista.

Já em 1971, Nabor de Barros faleceu e ela se viu obrigada a retornar para Diamantino. A volta ao sítio onde passou a infância, contudo, não se prolongou, e Dalva logo mudou-se com a mãe para Cuiabá. “Eram muitas memórias”, lembra.

Na capital mato-grossense Dalva frequentou a faculdade de Matemática, para ter uma profissão estabelecida, mas também encontrou um ambiente propício a seu trabalho artístico, assumindo uma função Ateliê Livre da Fundação Cultural. Durante a segunda metade da década de 1970, Dalva ensinou técnicas a vários artistas iniciantes à época e que viriam a ser grandes representantes da arte produzida em Mato Grosso. “A gente orientava, porque arte é difícil de ensinar. Mas acho que surtiu algum efeito”, diz a artista que iniciou ou deu impulso a gente como Adir Sodré, Gervane de Paula, Márcio Aurélio, Benedito Nunes e Regina Pena.

O ateliê era mantido pela Fundação Cultural do governo estadual, hoje Secretaria de Estado de Cultura, durante as décadas de 1970 e 1980, sob o comando de Lenine Póvoas. O ambiente funcionava, além das aulas ministradas por Dalva, como um espaço de convivência entre os artistas, que trocavam ideias e começavam a dar corpo ao movimento de artes plásticas que se tornou referência no Estado. “Era uma relação de família, nós nos dávamos muito bem. Inclusive aos domingos a gente abria e se encontrava lá. O pessoal era muito animado”, lembra a artista. Ela também orientou o Ateliê Livre do Museu de Arte e de Cultura Popular da Universidade Federal de Mato Grosso entre 1981 e 1996.

No contato com os outros artistas, Dalva desenvolveu sua própria técnica, e vem se aprimorando com o tempo, de maneira constante. “A gente nunca pensa que sabe, a gente vai sempre trabalhando, descobrindo as coisas. É um trabalho constante. Nunca a gente acha que está bem, estamos sempre tentando evoluir”, diz.

 

Ednilson Aguiar/O Livre

Dalva de Barros

A artista com retrato de Nicolas Behr

Experiente, Dalva já expôs obras nos mais diversos locais, com passagens importantes por outras capitais do país, como Rio de Janeiro, São Paulo, Campo Grande, Brasília, e Curitiba. O perfil de sua vida e obra, até aqui, está registrado no livro “Dalva de Barros – Garimpos da Memória” (2000, Entrelinhas), da escritora e crítica de arte Aline Figueiredo.

Entre os trabalhos recentes está um retrato do poeta marginal e autor de “Dicionário Sentimental de Diamantino”, Nicolas Behr. O processo lento da pintura, normal para uma artista calejada como Dalva, pode parecer estranho a quem tem a experiência pela primeira vez, como se revelou na produção da obra. “É bastante demorado, né? Ele acabou com as unhas enquanto posava para mim”, lembra rindo. Dalva tem outro tempo, outro ritmo.

 

 

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